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Em tempos de pandemia, as vacinas desenvolvidas para controlar a COVID-19 são um marco para a ciência e a humanidade. Em Minas, a boa notícia é que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) assinou quarta-feira (8/12) um convênio para implantação do Centro Nacional de Vacinas (CN Vacinas), que funcionará em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o governo do estado de Minas Gerais. O convênio coloca em prática o protocolo de intenções assinado em setembro deste ano.
O Centro Nacional de Vacinas ocupará terreno de 4.400 metros quadrados no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC), instituição que tem a UFMG como sócia-fundadora e parceira estratégica, além do governo estadual e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). O que será de suma importância para o papel do país no desenvolvimento de vacinas.
O projeto, que receberá aporte de R$ 80 milhões (R$ 50 milhões do MCTI e R$ 30 milhões do governo de Minas), vai absorver e ampliar as atividades do CTVacinas da UFMG, responsável pelos testes da SpiN-TEC, vacina contra a COVID-19.
DEPENDÊNCIA
O professor Ricardo Gazzinelli, que é o coordenador do CTVacinas da UFMG, destaca que a pandemia revelou a dependência tecnológica do Brasil em relação ao exterior em várias áreas, incluindo a de desenvolvimento de diagnósticos e de vacinas, na qual o CTVacinas UFMG é especializado. Vários países que fazem parte do Brics, como China, Rússia e Índia, por exemplo, e Cuba desenvolveram suas vacinas contra a COVID-19, o que não aconteceu com o Brasil.
“O Brasil tem um ecossistema de vacinas no qual faltam etapas fundamentais para o processo de desenvolvimento. Temos a BioManguinhos e o Instituto Butantan, que são responsáveis pela produção de vacinas; temos o SUS, que tem grande capilaridade para distribuição de vacinas no território nacional. Temos ótimos pesquisadores e cientistas. Mas o Brasil não é capaz de transferir a prova de conceito desenvolvida nas universidades e ensaios clínicos necessários para aprovação e registro para que as vacinas sejam distribuídas e cheguem à sociedade”, explica.
Conforme Ricardo Gazzinelli, o Brasil não tem infraestrutura para a produção do insumo farmacêutico ativo (IFA) para os ensaios clínicos, que são lotes-piloto que demandam laboratórios especiais para a sua produção certificada em boas práticas de fabricação.
“Todas as vacinas hoje, desenvolvidas contra a COVID-19 no Brasil, dependem de laboratórios do exterior para a produção desses lotes-piloto do IFA. Dessa forma, o desenvolvimento de vacinas no Brasil não atravessa o que estamos denominando o 'vale da morte', pois as pesquisas não chegam ao ensaio clínico em decorrência da insuficiência dessa infraestrutura. O Centro Nacional de Vacinas foi pensado para preencher essa lacuna e para fazer com que o Brasil vença todas as etapas desse processo. Com sua implantação, o país será capaz de desenvolver suas próprias vacinas e vai deixar de ser dependente do exterior.”
O pesquisador conta que com o CN Vacinas serão ganhos múltiplos e cíclicos. “A sociedade ganha na agilidade do processo de desenvolvimento de vacinas, os pesquisadores terão o a tecnologias de ponta e conseguirão avançar mais rapidamente em seus experimentos, o Estado ganha com o atendimento mais direcionado e rápido em relação às questões de saúde pública, e ganha também a economia local, regional e nacional, uma vez que gera oportunidades relacionadas ao mercado e à empregabilidade.”
O Centro Nacional de Vacinas também atuará na internalização e no desenvolvimento de novas plataformas tecnológicas utilizadas no desenvolvimento de vacinas e testes de diagnósticos, e ainda terá equipe para trabalhar com a parte regulatória, fase que hoje depende de consultoria externa.
Essa equipe especializada atuará junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Conselho Nacional de Ética e de Pesquisa (Conep) reduzindo os custos dos ensaios clínicos.
Essa equipe especializada atuará junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Conselho Nacional de Ética e de Pesquisa (Conep) reduzindo os custos dos ensaios clínicos.
É importante ressaltar, lembra Ricardo Gazzinelli, que o CTVacinas da UFMG já trabalha nesses processos, com novas tecnologias e em questões regulatórias, mas numa escala menor e ainda não conseguiu fazer a produção de insumos injetáveis (o IFA) para os ensaios clínicos. “O que atrasa o processo de desenvolvimento de vacinas, pois ficamos dependentes de fornecedores de fora do Brasil. Com isso, temos grande expectativa com a efetivação do Centro Nacional de Vacinas. Uma vez liberado o recurso, em processo de aprovação no MCTI/Finep e pelo Estado de Minas Gerais, o Centro fica pronto em 30 meses.”
TESTES
Para além da COVID-19, com atuante participação, é preciso enfatizar a contribuição do CTVacinas para a sociedade. Ricardo Gazzinelli conta que especificamente durante a pandemia o CTVacinas desenvolveu dois kits diagnósticos para a COVID-19 – o teste rápido e o Elisa – já aprovados pela Anvisa e em processo de produção em BioManguinhos, nos laboratórios de campanha MCTI.
Anteriormente, desenvolveu kits diagnósticos para malária, chikungunya, hepatite, leishmaniose. Os testes de Elisa e rápido de leishmaniose já estão no mercado, e o de chikungunya está em processo final de aprovação na Anvisa.
Anteriormente, desenvolveu kits diagnósticos para malária, chikungunya, hepatite, leishmaniose. Os testes de Elisa e rápido de leishmaniose já estão no mercado, e o de chikungunya está em processo final de aprovação na Anvisa.
Os outros dois estão em negociação tanto com o setor público como o privado. Segundo ele, alguns já foram aprovados pela Anvisa e outros estão em processo de aprovação. Ainda, foram desenvolvidas vacinas contra a malária, que deve entrar em ensaio clínico no ano que vem; contra a leishmaniose, em estudo pré-clínico de segurança, também com expectativa de aprovação pela Anvisa em 2022; contra a doença de Chagas também em estudos pré-clínicos.
"Ciência e tecnologia devem ser compreendidas como estratégicas para o Brasil e devem receber investimento do Estado. É assim que funciona no mundo inteiro” 1g6w2n
Professor Ricardo Gazzinelli, coordenador do CTVacinas da UFMG
Mas todas essas pesquisas precisam de investimentos continuados que podem ser decorrentes de diferentes parcerias, públicas e/ou privadas. “Com a pandemia, houve um reconhecimento grande da importância da ciência, o que gerou movimentação dos políticos a favor da pesquisa. Hoje, recebemos recursos de vários órgãos e também de emendas parlamentares. A interação com o setor privado também é fundamental para o desenvolvimento de novos produtos. Esses investimentos são importantes para a sustentabilidade da pesquisa e da ciência, que também estimulam a economia.”
Ricardo Gazzinelli explica que as necessidades impostas pela pandemia fizeram com que a tecnologia no desenvolvimento de vacinas avançasse.
“Se, antes, levávamos 10 anos em média para o desenvolvimento de uma vacina, cinco, quando era mais rapidamente, como foi o caso da caxumba ou do ebola, hoje fomos forçados a trabalhar ainda mais rapidamente. Foi necessária uma movimentação conjunta com resposta rápida também da indústria farmacêutica, que foi associada às diferentes tecnologias desenvolvidas, como as do adenovírus e a do RNA para que as vacinas pudessem ser testadas em larga escala, o que impactará, positivamente, no desenvolvimento de vacinas futuras.”
“Se, antes, levávamos 10 anos em média para o desenvolvimento de uma vacina, cinco, quando era mais rapidamente, como foi o caso da caxumba ou do ebola, hoje fomos forçados a trabalhar ainda mais rapidamente. Foi necessária uma movimentação conjunta com resposta rápida também da indústria farmacêutica, que foi associada às diferentes tecnologias desenvolvidas, como as do adenovírus e a do RNA para que as vacinas pudessem ser testadas em larga escala, o que impactará, positivamente, no desenvolvimento de vacinas futuras.”
Ele ressalta que o CTVacinas da UFMG se beneficiou desse avanço, desenvolvendo tecnologias como de proteína recombinante e DNA, já em fase de aprovação, assim como de um adjuvante imunológico próprio que, adicionado ao IFA, aumenta a resposta imune.
Apesar de todos os avanços e de a ciência na área ter se aproximado dos brasileiros, Ricardo Gazzinelli avisa que ciência se faz no longo prazo. “O CTVAcinas UFMG é um exemplo disso. Desde 2002, vem recebendo um financiamento continuado da Fapemig e do MCTI. Foi esse financiamento perene que possibilitou que nossas pesquisas culminassem em respostas mais rápidas e a um projeto maior, que é o Centro Nacional de Vacinas. Acredito que uma valorização da ciência foi devido à COVID-19, e espero que este seja um importante legado que vá além da pandemia.”
E reforça: “Esperamos que essa valorização continue e que seja somada à vontade política de promover a ciência, que deve tratar essa questão como política de Estado e, nesse sentido, tenha financiamento continuado como ocorre, por exemplo, nos EUA e em países europeus. Ciência e tecnologia devem ser compreendidas como estratégicas para o Brasil e devem receber investimento do Estado. É assim que funciona no mundo inteiro.”
A história a favor da ciência 602z5k
Conhecer a história e traçar um paralelo com os dias atuais entre o médico, bacteriologista, epidemiologista e sanitarista brasileiro Oswaldo Cruz, a vacina da varíola e a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, em 1904, e as vacinas contra a COVId-19 são um exercício fundamental para entender que, o que importa, é a ciência. Patrícia Boasquivis, analista e pesquisadora do Serviço de Desenvolvimento de Produtos Biológicos (SDPB) da Fundação Ezequiel Dias (Funed), explica que, em 1904, Oswaldo Cruz lutava contra a epidemia de varíola que atingia a cidade do Rio.
Com o aumento crescente do número de casos, o sanitarista solicitou ao governo que criasse uma lei tornando obrigatória a vacinação de toda a população: quem não se vacinasse, inclusive, não poderia trabalhar, ir para a escola, viajar etc. “Entretanto, a vacina disponível na época, produzida a partir da varíola bovina, gerava desconfiança na população. A aprovação da lei foi o estopim para a Revolta da Vacina.”
Essa história se parece com o que vivemos hoje, especialmente no que se diz respeito à desconfiança da vacinação, mas com duas diferenças importantes. “Primeiro, hoje temos um o maior à informação. Os estudos das vacinas contra a COVID-19 estão disponíveis e são amplamente 'traduzidos' ao público pelos comunicadores científicos. Segundo, as vacinas contra a COVID-19 são submetidas a extensos testes – que são muito rigorosos, especialmente por causa do estabelecimento das agências sanitárias ao redor do mundo.”
Quanto ao movimento antivacina, Patrícia Boasquivis conta que ele é contemporâneo da primeira vacina de uso humano: a vacina contra a varíola, desenvolvida por Edward Jenner, em 1796. “A OMS, em 2019, chegou a classificar a resistência à vacinação como uma das 10 maiores ameaças à saúde global daquele ano.”
Com a pandemia da COVID-19, a preocupação com essa questão só veio a aumentar. Ela acredita que o estrago só pode ser “arrumado” por meio da informação. A pandemia da COVID-19 veio com o aumento da comunicação científica e do interesse da população sobre o tema.
Pela importância vital das vacinas, Patrícia Boasquivis destaca que a Funed está formalizando uma parceria com a UFMG para a produção da vacina SpinTec para seus estudos clínicos. O desenvolvimento dessa vacina é um projeto conduzido pelos pesquisadores do CTVacinas da UFMG. Na Funed, está na etapa de estruturação da área produtiva para que ela esteja adequada para a produção, assim que demandada, de acordo com as boas práticas de fabricação da Anvisa.