
"Habemus Papam": com quanta fumaça elege-se um papa?
Uma fumaça vale mais que mil palavras. Aliás, os povos originários foram os inventores dessa internet do ado
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A fumaça branca saiu da chaminé da Capela Sistina. Antes dela, duas fumaças pretas poluíram os céus de Roma. Alheios ao aquecimento global e à destruição progressiva da camada de ozônio, essa fumaça tem, certamente, uma licença divina para poluir. Afinal, acontece só de vez em quando. Mas poluir só um pouquinho em nome do Espírito Santo pode ou não pode?
Uma fumaça vale mais que mil palavras. Aliás, os povos originários foram os inventores dessa internet do ado. Em tempos de comunicação quase na velocidade da luz, voltar à Pré-História tem seu charme e simbolismo. Mas polui e perde-se a oportunidade de educar quase dois bilhões de pessoas ao mesmo tempo no planeta.
No momento planetário atual, qualquer fumaça importa, seja ela feita em nome do Espírito Santo ou do "espírito de porco" que queima o pulmão do planeta para "colher" picanha. Além do ritual solene, os conclaves também têm uma história paralela: confinamentos forçados, alianças secretas, mortes súbitas, erros rituais e renúncias inesperadas. Cada um deles reflete seu tempo. Juntos, eles compõem uma crônica da Igreja em sua dimensão mais humana e frágil.
Em 1268, os cardeais se reuniram em Viterbo para eleger o sucessor de Clemente IV. Mas o conclave durou quase três anos. Diante dessa situação, os governantes da cidade trancaram a porta do prédio, retiraram o teto para que o céu exercesse pressão e reduziram a dieta dos eleitores a pão e água. Três cardeais morreram no processo. Por fim, escolheram Teobaldo Visconti. Seria ele, Gregório X, quem estabeleceria o confinamento obrigatório com a constituição Ubi periculum (do latim, "em caso de perigo"), em 1274.
Este não foi, no entanto, o único conclave que registrou incidentes. Em 1287, em meio à eleição, seis cardeais morreram vítimas de uma epidemia de malária, o que interrompeu o processo até o ano seguinte.
Durante o Renascimento, os conclaves se transformaram em lutas pelo poder. Em 1492, Rodrigo Borgia foi eleito papa e adotou o nome Alexandre VI, após uma campanha de compra de votos que foi tão pública quanto eficaz. Ele prometeu cargos, dioceses, rendimentos e influência. Sua eleição marcou o apogeu dos Borgia, uma família que fez do papado o centro de uma política dinástica.
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Como pontífice, Alexandre VI consolidou o poder territorial do Vaticano, mas também transformou seus filhos, sobretudo César Borgia, em agentes de ambição e violência. Lembro que o celibato foi estabelecido para sacerdotes e papas no século 12, mas isso nem sempre foi cumprido.
Em agosto de 1503, após um jantar com vários cardeais, Alexandre VI e seu filho adoeceram gravemente. Uma teoria é que o veneno que deveria eliminar um rival foi introduzido por engano na taça do papa. Entretanto, cólera e outras doenças provocadas por toxinas podem ter sido a causa da catástrofe. O pontífice morreu. César sobreviveu, mas seu poder enfraqueceu.
Quatro séculos depois persistiam as interferências externas na eleição papal. O imperador Francisco José I interveio no conclave de 1903, invocando o ius exclusivae (direito papal de veto) para impedir a eleição do cardeal Mariano Rampolla. O veto foi formalmente rejeitado pelo Colégio de Cardeais, mas seu efeito foi decisivo. A pressão levou à eleição de Giuseppe Sarto, que foi proclamado Pio X.
A fumaça como estratégia de comunicação surgiu no conclave de 1903. Até então, não havia uma distinção clara nas cores da fumaça, que podia parecer esbranquiçada ou escura. Em algumas ocasiões — como na eleição de Pio X —, nem sequer havia fumaça. A diferenciação oficial entre a fumaça branca, que anuncia que o novo papa foi eleito, e a fumaça preta, que indica que a eleição ainda não foi definida, foi estabelecida pela primeira vez no conclave de 1914, no qual Bento XV foi eleito.
A pergunta que não quer calar: as interferências políticas ainda ocorrem nos dias atuais? O filme "Conclave" (2024), baseado no romance de Robert Harris, explora a escolha do novo pontífice dentro do Vaticano, onde os cardeais se digladiam pelo poder. Claro, trata-se de uma ficção, mas tem referências históricas inquestionáveis.
A imaginação do cronista que vos escreve fica compelida a fazer perguntas e levantar hipóteses que a princípio podem parecer absurdas, mas certamente aram pela cabeça de muita gente. A morte do papa Francisco algumas horas após o encontro com o vice-presidente dos EUA teria sido natural? O corpo foi necropsiado? Onde estão os laudos?
Trump vestido de Papa foi uma brincadeira de mau gosto ou um recado sutil do desejo de um lunático de ter ao seu lado um contingente religioso extremamente importante do ponto de vista político? Afinal, historicamente, religião (não importa qual) e poder sempre andaram juntos, como unha e carne.
A solidão existencial que acompanha o homem desde sempre exige algo para fazer sentido entre o berço e o túmulo. A crença em Deus é confortante e saudável. Entretanto, a capitalização do divino, o fanatismo das convicções religiosas e os interesses que permeiam e usam a fé como estratégia de poder e acumulação de riqueza são a doença crônica que intoxica a humanidade ao longo da nossa história. Quem nos alertou para esses riscos foi o próprio Santo Agostinho, que em suas obras explorou temas como a busca pelo sentido da vida, a fé em Deus e os perigos do uso impróprio da religião.
Tenho fé que o papa Leão XIV, recém-eleito, como um bom agostiniano, reforce os princípios do seu mestre e seja um potente combatente dos absurdos do seu compatriota, o qual se julga mais papa do que ele próprio.
“Esse texto teve como referência histórica o site de notícias acadêmicas The Conversation : Cónclaves papales: entre el humo blanco, las intrigas y el cisma. Publicado: 7 maio 2025 12:33 -03. Autoria: Anna Peirats-IVEMIR-UCV, Universidad Católica de Valencia.”
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