

Violência policial e a violência contra a polícia: convergências
O noticiário recente demonstra a necessidade de se repensar a segurança pública de forma mais inteligente e menos apaixonada
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Em um espaço de tempo muito curto tivemos duas notícias de muita repercussão que apresentam conteúdo aparentemente paradoxal, mas que na verdade convergem para o mesmo elemento central. A primeira notícia a que me refiro foi o homicídio do militar mineiro em uma abordagem contra um autor de roubo em Belo Horizonte. A segunda notícia se refere à divulgação de vídeo de militares paranaenses torturando presos em uma cidade do interior sem qualquer restrição diante da filmagem.
Obviamente que a abordagem dos dois casos foi muito diferente. É preciso lembrar sempre que, em terras tupiniquins, a grita depende sempre da disposição das torcidas de futebol, sempre apaixonadas e, exatamente porque o amor é cego, naturalmente pouco reflexivas sobre seus objetos de amor. Neste contexto, a notícia relativa ao homicídio do militar correu forte entre os agentes de segurança, os seus representantes e as instituições formais e informais de segurança pública.
Verificou-se também forte reverberação entre os grupos conservadores, normalmente muito ligados às causas e agentes de segurança pública, e, obviamente, aos seus representantes políticos. Por sua vez, apenas o “Sou da Paz” representou os grupos de defesa dos direitos humanos apresentando manifestação pública em relação ao caso e em defesa da vida do policial.
Os demais grupos representantes das minorias, grupos de direitos humanos em geral e demais representantes semelhantes, muito conectados com grupos de esquerda, silenciaram palidamente sobre o caso. Os políticos que representam estes grupos pouco ou nada se manifestaram e, quando feito, pouca intenção havia em condenar o homicídio do agente, mas partiam para algumas generalizações que não cabiam no contexto.
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Em uma virada de mesa, publicado o vídeo da tortura policial no Paraná, os grupos de direitos humanos, defensores de minorias, todos os representantes da esquerda em geral e, principalmente, seus políticos, correram a condenar com veemência o fato. Muita pressão foi feita, documentos e ofícios foram assinados e respostas foram requeridas.
Por sua vez, entre os grupos conservadores, representantes das forças de segurança, seus representantes políticos e adjacentes, prevaleceu um silêncio de cemitério. Nenhuma abordagem, manifestação ou condenação contra os atos praticados pelos militares paranaenses, como se o fato não fizesse parte do contexto “segurança pública”, tão caro para este grupo.
Percebeu o padrão? Entre entendidos e desentendidos no assunto, pensamos segurança pública com o coração, de forma apaixonada, repetindo matraquicamente aquilo que é palatável aos ouvidos. Ou seja, fazemos isso de forma absolutamente burra, ineficaz e dissociada da realidade.
Com o advento das redes sociais, o cenário é de terror! Quem a páginas e publicações policiais, só vê um lado e é cortado do outro (como se não existisse). Por sua vez, quem a páginas e publicações contra violência policial também só vê um lado (no caso, o outro lado) e se torna ignorante do outro.
O resultado: estamos lutando uma guerra de inimigos imaginários! Beira o surrealismo constatar isso, mas é exatamente o realismo que vivemos. Cada um na sua bolha fica falando da bolha alheia como se o mundo real não existisse.
A consequência desastrosa desta realidade é uma polícia cada vez mais raivosa e levada por discursos que os afasta da legalidade. Até hoje vejo policiais que acreditam (de verdade!) que Direitos Humanos não servem para eles (policiais) e para o tal “cidadão de bem” (se é que isso existe), mas apenas para presos!
Percebe que é falta de conhecimento mínimo? E essa ignorância é reforçada pela incapacidade de se furar bolhas básicas, do tipo ter a decência de se manifestar publicamente no sentido de que é inissível que um policial perca a vida no exercício da sua função.
Por outro lado, é inacreditável que instituições de segurança pública, órgãos representativos das classes de segurança e, principalmente, os políticos que os representam não tenham o brio de vir a público condenar a tortura policial gratuita. Os grupos conservadores, tão ciosos em reverberar a retidão como valor, o respeito à lei e o combate à criminalidade, de repente viram o “o povinho dos direitos humanos” para “ar pano” para criminosos que praticam atos delituosos impunemente enquanto são gravados.
Houvesse o mínimo de racionalidade e um pouco menos de alienação, seriam os primeiros (até para preservar a própria polícia) a condenar tais atos, de modo a expressar que estas pessoas eram criminosos que, indevidamente, estavam policiais e que não representam a corporação. Entretanto, prefere-se o silêncio, como se não lhes tocasse condenar a criminalidade quando ela vem dos seus.
Para esses extremos pode não parecer, mas estes dois fatos são duas faces da mesma moeda e que só se resolverá quando entendermos que é preciso tratar tudo isso em conjunto. O primeiro o é furar a bolha e assumir que precisamos pensar soluções com os olhos na realidade e não em teorias mirabolantes (da conspiração ou não).
Para isso, quem condena a violência policial precisa baixar a guarda e entender a realidade do policial que está na rua. Falar de segurança no conforto do gabinete tem o mesmo efeito que querer mudar o mundo jogando videogame.
Certa vez, um professor universitário abolicionista radical, totalmente contra prisões e direito penal, teorizava em sala sobre o assunto de forma entusiasmada, atacando com veemência as instituições repressivas do Estado. Um aluno, policial militar, educadamente, levanta a mão e faz uma proposta para o professor: ele concordaria com tudo aquilo se o professor aceitasse ar uma madrugada (só uma!) com ele no patrulhamento do Grupo Especial de Policiamento em Áreas de Risco da Polícia Militar de Minas Gerais (GEPAR-PMMG).
Ele ainda complementou que lhe seria fornecido equipamento de segurança, como colete a prova de balas e e dos demais militares em atuação. Eu não preciso terminar a história para você descobrir que nosso entusiasmado professor declinou da proposta, certo?
Pois é... de mentirinha, tudo é fácil, muito legal e funciona. Já na hora de entrar na viatura do GEPAR de verdade e ver a rua de perto, a coisa fica um pouco mais complexa e as teorias descem pelo ralo.
Por outro lado, é preciso uma reforma urgente na formação dos nossos policiais. Eu conheço vários e tenho o privilégio de ter conversas francas com alguns deles. Nosso pessoal de segurança pública é treinado para um Estado de exceção que não existe.
Não fosse só isso, são bombardeados rotineiramente com a ideia de que o respeito à legalidade é uma forma de minar o seu trabalho e, de alguma forma, beneficiar a criminalidade. Está faltando um tracejado muito básico para os nossos policiais para rever uma cultura ditatorial fundada na ideia de que o respeito à lei e às formas processuais são medidas que servem à impunidade.
Esse discurso atiça o lado mais perverso de uma força policial, que é a descrença nas instituições de Estado (que ele mesmo compõe!!!) e a tentação de “resolver o problema” com as próprias mãos. Na percepção policial, o usuário de drogas não é punido. Como resolver? Fala que é tráfico que ele pega alguma cadeia ou espanca ele na hora mesmo que, pelo menos, ela toma alguma punição.
Percebeu a bizarrice? Em nome da lei viola-se a lei por causa de uma ilusória percepção de que a lei (que se quer cumprir) não serve. Não parece maluco. É maluco.
É um conjunto estrutural que leva os agentes de segurança a acreditar (e acreditam mesmo!) que a lei é um problema e, sendo um problema, precisa ser violada para resolver outro problema. Entretanto, no momento da exposição e da acusação de tortura, todos os direitos que se alegam serem medidas para beneficiar bandidos são solicitados ao Judiciário, como medida de direito.
Basta ver o quanto os políticos conservadores e defensores de que bandido não tem direitos bradaram por respeito aos seus direitos humanos quando estavam no banco dos réus.
Viu que é a mesma coisa, só que um de cada lado? E se a gente pensar com a cabeça, está todo mundo meio certo e meio errado. O que falta? Diálogo. Não falta embate, pois briga-se por tudo neste país. Conflito aqui é o que não falta. Agora o diálogo, o exercício da escuta sincera (e não formal) e a busca propositiva (e não megalomaníaca) por soluções, são medidas tão fartas por estas bandas quanto diamante no bolso de pobre.
E enquanto essa chave não virar, vamos continuar cada grupo na sua respectiva torcida, com soluções tão milagrosas quando inexequíveis, vendo policiais e cidadãos morrerem todos os dias. A cada morte e a cada violência, nos revoltamos, falamos que é um absurdo e que está tudo errado e, ao mesmo tempo, retornamos mecanicamente para as mesmas práticas, as mesmas crenças e as mesmas repetições de sempre, como se se indignar bastasse para alguma coisa.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.