Etiene Martins
Etiene Martins
Jornalista, pesquisadora das relações étnico-raciais e doutoranda em Comunicação e Cultura na UFRJ
RESGATE HISTÓRICO

Fabulando com nossas ancestrais - bell hooks

Sim, é com letra minúscula mesmo — bell hooks. Não é erro de digitação, é posicionamento político

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O primeiro contato que tive com as reflexões da bell hooks foi através do texto "Vivendo de Amor” que foi elencado como um dos capítulos do livro “Saúde das Mulheres Negras: Nossos os Vêm de Longe” organizado pela Jurema Wernek, Maisa Mendonça e Evelyn C. White. Um texto que me fez compreender o porque nós mulheres negras inúmeras vezes nos sentimos privadas do amor. Nesse texto ela faz um resgate histórico que me fez chorar e também entender muito do que é ser uma mulher preta no ocidente.

 

 

Mas vamos lá, antes que eu me esqueça: sim, é com letra minúscula mesmo — bell hooks. Não é erro de digitação, é posicionamento político. Gloria Jean Watkins (esse era o nome de registro) decidiu homenagear sua bisavó Bell Blair Hooks com esse pseudônimo e, de quebra, dar um recado: o que importa aqui não é o ego, é a crítica. E que crítica.

bell hooks é uma daquelas vozes que a gente ouve e nunca mais esquece. Preta, estadunidense, ousada e nada resignada diante das injustiças. Ela construiu a própria trajetória escancarando os sistemas de opressão que atravessam a vida de mulheres negras. Racismo, sexismo, capitalismo, tudo isso junto e misturado — ela deu nome, sentido e saída pra questões complexas que muita gente nem conseguia ainda enxergar que existia.

Ela uma acadêmica, professora e intelectual escreveu dezenas de livros, mas não desanime de ler acreditando que é uma teoria complicada, não. bell hooks escrevia como quem conversa, como quem tá ali do seu lado na cozinha, no ônibus, na sala de aula — e, de repente, faz você repensar o mundo. Em Eu não sou uma mulher?, ela mostra como o feminismo branco deixava as mulheres negras de lado. Em Ensinando a Transgredir, transforma o ato de ensinar em rebeldia. E em Tudo Sobre o Amor, ela quebra tudo de novo ao dizer que amar — de verdade — é um ato político.

Pra mulheres negras ao redor do mundo, ela não foi só uma pensadora. Foi (e ainda é) abrigo, inspiração, uma mão estendida. Ler bell hooks é como ouvir alguém que te entende profundamente, mas que também vai te provocar pra você agir, pensar, mudar.

Eu ouso bater esse papo, hoje dia 29/05/2025 com ela que nasceu nos Estados Unidos e lá viveu por 69 anos, vindo a falecer no dia 15 de dezembro de 2021, vítima de uma insuficiência renal terminal. Mesmo nunca tendo a encontrado fisicamente, e nunca ter trocado se quer um e-mail ou um WhatsApp eu encontro respostas para minhas inúmeras perguntas em seus textos e livros. E é assim que essa entrevista se estrutura eu faço as perguntas e a bell responde com os inúmeros trechos que me fizeram enxergar criticamente as relações raciais.

Etiene Martins - bell, no inicio deste ano a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu por unanimidade que não existe crime de injúria racial quando a vítima é uma pessoa branca e a ofensa for em razão da cor da sua pele. Porém ainda há muitas pessoas brancas que insistem que negros podem sim serem racistas com brancos. Porque isso acontece?

 

bell hooks - A visão de homogeneidade cultural que tenta desviar a atenção ou criar desculpas para o impacto opressor e desumanizante da supremacia branca ao sugerir que pessoas negras também são racistas indica que a cultura permanece ignorante a respeito do que realmente é o racismo e de como ele funciona. Mostra que pessoas estão em negação. Por que é tão difícil para tantas pessoas brancas entenderem que o racismo é opressor não porque pessoas brancas têm sentimentos preconceituosos em relação aos negros ( eles poderiam ter esse sentimento e nos deixar em paz), mas porque é um sistema que promove dominação e a submissão. Os sentimentos preconceituosos que algumas pessoas negras podem expressar em relação a pessoas brancas não estão ligadas ao sistema de dominação que não nos confere qualquer poder para controlar coercitivamente as vidas e o bem-estar das pessoas brancas. Isso precisa ser entendido.

 

 

EM- Você afirmou que muitas pessoas negras sofrem de um transtorno pós traumático como resultado da exploração e da opressão oriundas do racismo. Onde e como curar esses traumas?

 

bh - Não existe nenhuma prática psicológica focada especificamente na recuperação de alguém oprimido pelo racismo. Na verdade, nossa sociedade foi para o lado oposto. Muitas pessoas em nossa nação, em especial os brancos, acreditam que o racismo acabou. Assim quando os negros tentam dá voz a dor do racismo que sofrem, somos acusados de usar a raça como “vitimização”. E existe poucos, se existem, espaços públicos onde negros podem expressar seu medo da branquitude seja esse medo gerado por um estado de espírito racional ou irracional. Por outro lado, o medo que brancos sentem da negritude costuma ganhar atenção.

 

EM- Então não tem cura?

 

bh- É importante dizer que viemos de uma longa linhagem de ancestrais que sabiam como curar a psique negra ferida quando ela era agredida por crenças da supremacia branca. Essas poderosas estratégias de sobrevivência foram adas de geração para geração. Elas existem. E embora seu conhecimento público funcional tenha sido suprimido, nós podemos tirar essa sabedoria antiga dos sótãos empoeirados, dos armários da mente onde aprendemos a esconder nossos fantasmas, e reaprender modos úteis de viver e pensar.

 

EM - Por que amar a negritude ainda hoje é uma tarefa tão difícil?

 

bh - A maioria das pessoas nessa sociedade não quer itir abertamente que ódio e medo estão entre os primeiros sinais que a negritude evoca na imaginação pública dos brancos (e de todos os outros grupos que aprenderam que o jeito mais rápido de demonstrar concordância com a ordem supremacista branca é compartilhar suas suposições racistas). Em um contexto supremacista branco, "amar a negritude” é uma postura política raramente refletida no dia a dia. Quando mencionada é tratada como suspeita, perigosa e ameaçadora.

 

 

EM- Há uma parcela da população negra que reluta em dar atenção ao tema sexismo, porque segundo ela o problema da relação entre mulheres e homens negros estão s ao racismo e falar de sexismo seria uma armadilha para nos colocarmos uns contra os outros. Qual é sua percepção sobre esse assunto?

 

Por anos a fio, mulheres negras (e homens negros) vinham lutando para superar as tensões e antagonismo entre mulheres e homens negros gerados pelo racismo internalizados (isto é, quando o patriarcado branco sugere que um grupo causou a opressão do outro). As mulheres negras estavam dizendo para os homens negros: “Não somos inimigos uns dos outros”; “Temos de nos opor a educação que nos ensina a odiar a nós mesmos e uns aos outros.” Essas afirmações e uniões faziam parte da luta antirracista.

 

Mas vamos encarar os fatos: além da realidade da opressão racista, há outras formas de nós, pessoas negras, sermos vitimadas na sociedade. E é também importante que tenhamos atenção a outras forças expressivas, como sexismo, capitalismo, narcisismo etc. que ameaçam nossa libertação humana. De forma alguma diminui nossa preocupação sobre a opressão racista reconhecemos que nossa experiência humana é tão complexa que não conseguimos compreendê-la, se apenas compreendermos o racismo. Lutar contra a opressão sexista é importante para a libertação negra, porque enquanto o sexismo dividir mulheres e homens negros, não poderemos concentrar nossas energias na resistência ao racismo. Várias das tensões e problemas entre homens e mulheres negros são resultados dos sexismo e da opressão sexista.

 

Livros que utilizei como referencial teórico para as respostas: “Irmãs de Inhame - mulheres negras e autorrecuperação”, "Olhares Negros - Raça e representação”, “Pertencimento- uma cultura do lugar” e "E eu não sou uma mulher? Mulheres negras e feminismo" a voz dela aparece em um tom bem contundente.

 

 

 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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