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Ninguém plantava (apenas colhia), até que alguém se cansou de andar a esmo e, talvez, movido pela preguiça ou pelo cansaço, quem sabe inspirado por algum pôr de sol às margens de um rio no oriente médio (onde o pôr do sol é mesmo insuperável), possa ter imaginado que, plantando, poderia - ao mesmo tempo - ter comida a mão, se movimentar menos e curtir o pôr do sol todos os dias.
A culinária, a preguiça e a beleza do cenário podem ter impulsionado a mudança que transformou a humanidade, de seres gregários e reunidos estritamente por laços de sangue, em comunidades partilhando o mesmo local e colaborando entre si. A agricultura foi a disrupção tecnológica, mas a “plataforma” sobre a qual essa mudança tectônica se desenrolava eram as… cidades.
De lá até aqui, de uma forma geral, prevaleceram a lógica e o poder transformador e civilizatório da aglomeração de mentes e braços num mesmo lugar, e enquanto as cidades foram erguidas em tijolos de barro, tiveram um pavimento; quando puderam ser erguidas em pedra e madeira, 2 ou 3, e com a invenção do concreto e aço, 6, 8, 10 ou 12, até que surgiu o elevador, implodindo o limite e explodindo a densidade, criando prosperidade, mobilidade e impulsionando o desenvolvimento tecnológico e a saúde pública.
Contrariando a lógica, talvez estimulado pela deterioração de centros urbanos pela urbanização acelerada da revolução industrial, um movimento paralelo - e de certa forma paradoxal - de segregação de usos nas cidades norte-americanas começa a tomar forma, preconizando a separação geográfica por usos, isolando atividades não residenciais dos locais de moradia.
O problema (ou a negação da história e da lógica), é que a quase totalidade das leis de zoneamento viam nos prédios o indutor da favelização e problemas de saúde pública, com habitações de baixa qualidade e uma densidade indesejável de pessoas e famílias de baixa renda.
A restrição era de usos, mas também de grupos étnicos e classes sociais. Ao limitarem os bairros residenciais a unidades unifamiliares (casas separadas), restringiram também a vizinhança e inventaram o espraiamento, os subúrbios, os enclaves de classe social, as cidades setorizadas e um tipo de exclusão social mais “estruturada” por assim dizer, na medida em que a mobilidade social, agora, era muito mais difícil, porque precisava vir acompanhada da mobilidade geográfica e urbana.
História longa para concluir que o espírito de colaboração que trouxe a civilização até o século XX se perdeu nas últimas décadas (pelo zoneamento, e por seus Planos Diretores setorizados e restritivos), e o resultado disso é o esvaziamento dos centros urbanos em grande parte das metrópoles mundiais, tornando a parte mais bem equipada de infraestrutura e mais dinâmica em zonas esvaziadas, degradadas, inseguras e desvalorizadas.
Como se o quadro já não fosse grave o suficiente, vieram a pandemia e seu “filhote”, o trabalho remoto que, juntos, deram o golpe de misericórdia. Atualmente, toda cidade que se preza, quebra a cuca e queima pestana desenvolvendo planos de readensamento das zonas centrais, seja com estímulo a novos prédios residenciais, seja por meio da reconfiguração de edifícios comerciais em moradias (retrofit).
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Cada metrópole tem a sua visão, refletindo o senso de urgência (ou a falta dele), a confiança numa parceria com o setor privado (ou a desconfiança), a cultura local de hiper regulação (ou uma visão desburocratizante) mas, de uma forma geral, os melhores resultados vêm quando o gestor e o legislador conseguiram montar, em conjunto, uma estrutura legal composta de 3 pilares: visão de longo prazo (para a cidade como um todo), uma estrutura legal clara (objetiva e enxuta), e incentivos reais e cruzados (benefícios de investimentos no Centro sendo revertidos, também, para outros setores da cidade).
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Uma visão bem estruturada e implantada com sucesso poderá ser desdobrada, com os ajustes necessários, para outros setores da cidade que padecem de problemas semelhantes, ou que ofereçam oportunidade de melhora, como o Barro Preto, o Prado, o Santa Efigênia e o vetor Leste, Nova Suíça, Caiçara, Padre Eustáquio e o vetor Oeste.
Já fui a favor do Cidade istrativa do Estado - tanto é que desenvolvi, como parte de uma grande equipe, um plano diretor de desenvolvimento do entorno do Centro istrativo (contratados pelo BID), por acreditar que Belo Horizonte superaria a perda mas, sobretudo, por acreditar que a transferência pudesse catalisar o desenvolvimento do vetor norte.
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Quase vinte anos depois, nem Belo Horizonte superou a perda (que, em minha avaliação, estimulou o êxodo dos maiores salários para Nova Lima), nem o vetor norte se desenvolveu. Pior (muito pior), todos os municípios do vetor norte continuam se vendo - e se comportando - como subúrbios de baixa densidade.
O Estado de São Paulo faz igual, mas de uma forma diferente, com um projeto escolhido em concurso público (só isso uma evolução e indicativo civilizatório e democrático) para centralizar operações, mas num bairro central degradado da cidade. Se será bom para a cidade, apenas o tempo dirá.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.