Já abordei a questão da mobilidade e das calçadas em texto anterior nesta coluna, publicado em 29 julho de 2021, destacando os inúmeros desafios enfrentados pelos pedestres, em especial os idosos, nas cidades brasileiras. Três anos depois, pouco — ou quase nada — mudou de verdade. Seguimos pulando poças, desviando de buracos, de degraus sorrateiros e de uma cultura que prioriza o asfalto dos carros, não o caminhar das pessoas. Ainda é um caminho longo, mas aos poucos vão surgindo iniciativas, projetos e, principalmente, gente disposta a transformar esse cenário. E é aí que mora a esperança.

O grande debate é o lobby do asfalto versus o lobby das calçadas, cita Raul Juste Lores, que mantém um canal no YouTube intitulado "São Paulo nas Alturas", especializado em arquitetura, urbanismo e paisagismo. “Todo ano a gente vê as nossas ruas sendo asfaltadas e recapeadas, gasta-se muito dinheiro no asfalto. O poder público nos últimos 60 anos diz para a sociedade: a gente cuida do asfalto, calçada é cada um por si. Cada proprietário, cada inquilino, cada comércio, cada morador cuida de sua calçada e isso não deu certo”, lembra o jornalista em mais uma de suas reflexões certeiras.

No dia 23 de março de 2025, os habitantes de Paris aprovaram mais uma iniciativa para desencorajar o uso de carros na cidade. Após proibir aplicativos de patinete elétrico e triplicar a cobrança de estacionamento para veículos do tipo SUV, a prefeitura anunciou agora a transformação de 500 ruas em vias arborizadas e exclusivas para pedestres — um banimento definitivo de carros que reforça o compromisso da capital sa com um espaço público mais humano, verde e caminhável.

Enquanto isso, nas nossas cidades, a simples caminhada ainda se assemelha a uma prova de obstáculos para idosos, carrinhos de bebê e pessoas portadoras de deficiência, assim como para qualquer cidadão que simplesmente queira circular livremente. O contraste com cidades mais preparadas - muitas vezes no chamado “primeiro mundo” - que priorizam calçadas amplas, planas e arborizadas não é mera diferença de desenvolvimento econômico, mas de civilidade. Ninguém precisa olhar para o pavimento o tempo inteiro, desviando de armadilhas urbanas.

As prefeituras precisam assumir a responsabilidade pela padronização e manutenção das calçadas, enquanto a sociedade deve cobrar e valorizar esse compromisso. Não se trata de copiar modelos estrangeiros, mas de adaptar soluções à nossa realidade, para que a rua, como espaço de convivência, permita que mais pessoas possam viver com autonomia, conforto e segurança.

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É nessa direção que precisamos caminhar - literalmente. Com projetos que considerem iluminação, pavimentação de qualidade, drenagem adequada, superfícies permeáveis, sinalização clara e manutenção constante. Para que, um dia, possamos ear pelas ruas das nossas cidades sem medo, sem dor, sem desrespeito. E com o olhar no horizonte, não no chão com o receio de tropeçar, mais uma vez.

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