
Velhos e jovens em risco. O Brasil que lê, mas não compreende o mundo
Mais da metade dos 50+ no Brasil é analfabeta funcional. Um alerta que atravessa gerações e exige ação urgentes de governo, sociedade e mercado
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Dados recentes publicados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), revelam que três em cada 10 brasileiros são analfabetos funcionais. Isso significa que quase um terço dos brasileiros só consegue decifrar palavras soltas, frases muito curtas ou números familiares, como o preço do macarrão ou o número da residência. Para a população com 50 anos ou mais, o número de analfabetos funcionais é ainda mais alarmante: a dos 50% da população nesta faixa de idade.
Ser analfabeto funcional é depender do outro para o essencial. É não conseguir ler uma bula de remédio, entender um contrato, calcular o troco do supermercado - competências essenciais para o cotidiano e para o ambiente de trabalho contemporâneo. É um sinal de alerta para um país que se digitaliza a os largos, mas tropeça no básico.
Entre os 50+, o problema se agrava não só pela herança de um sistema educacional precário, devido a enorme desigualdade social que ainda perdura, mas também porque o mundo ao redor mudou rápido demais — e sem avisar. Aplicativos substituíram guichês, mensagens de voz tomaram o lugar de ligações, e até uma simples consulta médica exige senha, QR code e o à internet. Para quem tem dificuldade de ler e interpretar o básico, o cenário é de exclusão silenciosa. É como se a porta do século XXI estivesse escancarada, mas com uma tranca invisível para milhões de brasileiros.
Não pense que o desafio está aos mais velhos. Entre os mais jovens, os idosos do futuro, também há um abismo entre estar alfabetizado e compreender o que se lê. Navegam em telas com desenvoltura, mas muitas vezes não conseguem interpretar um texto mais denso, distinguir fato de opinião, refletir criticamente. Estamos diante de um enorme contingente populacional — de diferentes idades — que não foi preparado para o século em que vive. E o mais preocupante: ainda vai viver muito.
Não se trata apenas de saber ler ou clicar num botão. Trata-se de pertencer. De entender o mundo à sua volta, de fazer escolhas com autonomia, de não depender sempre de alguém para decifrar o básico. Um país que quer ser digital, inclusivo e inovador precisa olhar com mais coragem para essa desigualdade cognitiva que atravessa gerações. E mais: precisa envolver os próprios afetados nesse processo — não como peso, mas como parte da solução. Porque é impossível projetar o futuro deixando mais de um terço da população do lado de fora.
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E aqui vai um convite direto: a sociedade civil pode — e deve — entrar em campo. Iniciativas locais, redes de apoio, projetos de educação intergeracional têm papel crucial. E os empreendedores da chamada economia prateada também têm muito a contribuir — e a ganhar.
Que tal investir em produtos e serviços que não apenas atendam a esse público, mas que ajudem a prepará-lo para o presente e o futuro? Soluções tecnológicas íveis, programas de letramento digital, metodologias inclusivas de ensino são mais que responsabilidade social — são uma nova fronteira de inovação e mercado. A revolução da longevidade só será real se for, também, uma revolução da compreensão.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.