
"Ferrari" mostra empresário às voltas com traição, tragédias e dívidas
Filme sobre o fundador da montadora italiana, que tem o brasileiro Gabriel Leone como o piloto Alfonso de Portago, estreia nesta quinta-feira (22/2) nos cinemas
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Siga noLogo no início, Laura (personagem de Penélope Cruz) aponta uma pistola em direção ao marido, Enzo Ferrari (Adam Driver, com aparência quase irreconhecível), e, com determinação e frieza, aperta o gatilho, errando o alvo por pouco. A incorreção do tiro foi intencional, seguida de um aviso claro e preciso: “Não me importo com quem você come, desde que esteja aqui quando a empregada trouxer o café da manhã”. O marido havia dormido fora de casa.
A cena do longa “Ferrari”, de Michael Mann, em cartaz nos cinemas a partir desta quinta-feira (22/2), deixa claro o cotidiano caótico do casal dono de uma das montadoras mais emblemáticas da história. Ex-piloto de corrida italiano, Enzo abandona as pistas de automobilismo ainda jovem para, junto com Laura, fundar sua própria escuderia (Ferrari), em 1929.
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Inconsequente na gestão dos bens da empresa, ele a para a esposa as funções istrativas, limitando-se a dar ordens para o desenvolvimento e a manutenção dos carros.
À semelhança do casamento de seus fundadores, a Ferrari vive momentos de crise. O mais profundo deles ocorre no final da década de 1950, período que Mann escolheu para se debruçar no longa-metragem, feito com base na biografia “Enzo Ferrari: The man and the machine” (“Enzo Ferrari: O homem e a máquina”, em tradução livre), de Brock Yates.
Morte na curva
Ameaçado pela escuderia Maserati, que vinha se destacando nas competições e conquistando cada vez mais prestígio; Enzo a a cobrar mais de sua equipe, exigindo que seu principal piloto, Eugenio Castellotti, acelere nas curvas para completar as voltas em menos tempo. O resultado da intransigência do chefe, contudo, é a morte de Castellotti, aos 26 anos, durante um treino.
A tragédia não é ignorada pela imprensa local, que acentua o papel de Ferrari no episódio. No entanto, a fama e a influência do italiano não parecem sair abaladas.
Enzo continua à frente da Ferrari e, para substituir Castellotti, contrata o jovem piloto Alfonso de Portago (papel do brasileiro Gabriel Leone). Inicialmente, não vê potencial no rapaz, mas, com uma importante competição batendo à porta (a extinta Mille Miglia, realizada nas estradas e ruas de cidades italianas, em 1957), não há alternativa, senão De Portago.
Desastre da Mille Miglia
O novo piloto, tentando ganhar a confiança do chefe, começa a se dedicar com afinco aos treinos e, quando finalmente chega o dia da competição, tem para si que será campeão. O que De Portago não imaginaria é que uma pedra na pista seria responsável por estourar o pneu de seu carro, arremessando automóvel e piloto contra um poste e esmagando nove pessoas que assistiam à corrida – embora o filme não aborde esse aspecto, foi em resultado dessa tragédia que o governo italiano proibiu as corridas em vias públicas.
O desastre da Mille Miglia contribuiu para que a Ferrari fosse se afundando em dívidas e atraísse o interesse de outras marcas, como Ford e Fiat. Esta última acabou incorporando a empresa de Enzo em 1969.
Em paralelo, outras duas tramas se desenvolvem no filme: de uma lado, Laura continua tocando as finanças da Ferrari, descobrindo, aos poucos, os casos extraconjugais do marido e os rombos na empresa; de outro, a amante de Enzo, Lina Lardi (personagem de Shailene Woodley), vive uma vida recatada, criando o filho que teve com o dono da Ferrari, Piero (que só depois de adulto ou a usar o sobrenome do pai).
Infidelidade, crise financeira, anomalias contábeis, discussões sobre fusões da Ferrari com a Fiat e o caráter dúbio de Enzo são questões em que o filme toca, mas de maneira muito superficial. A atenção de Mann parece estar mais voltada para as longas e impactantes cenas de corrida e a reconstituição dos carros da década de 1950.
Polêmicas à parte
Além disso, temas delicados à Ferrari, como o serviço que prestou ao governo fascista italiano durante a Segunda Guerra Mundial – a empresa, além de fornecer veículos ao exército italiano, também os reparava –, sequer foram citados.
“Ferrari”, aliás, escorrega em questões históricas, cometendo grande injustiça ao atribuir a Laura o veto ao uso do sobrenome do pai por Piero. O que foi colocado na cinebiografia como gesto de ciúmes da esposa de Enzo não ou de cumprimento da lei do país à época. Como o divórcio era proibido, os filhos de relacionamentos extraconjugais não eram legalmente reconhecidos.
As duas horas e 11 minutos de duração do filme só não se tornam enfadonhas pelo excelente desempenho do elenco, sobretudo Adam Driver e Penélope Cruz. Enquanto Enzo assume uma personalidade um tanto ou quanto indômita em público, mas carinhosa junto ao pequeno Piero; Laura se mostra uma típica italiana de pavio curto, mas sem cair em clichês, sendo uma mulher que guarda todos os seus rancores para soltá-los na hora e na medidas certas.
Enzo Ferrari se tornou um mito mundialmente cultuado pelos amantes de carros. O filme de Michael Mann (“O aviador”, “Colateral”, “O informante”, entre outros) fica mais próximo de uma reverência ao ex-piloto do que de uma cinebiografia consistente, algo inusitado para um diretor com uma carreira como a dele.
“FERRARI”
(EUA/Reino Unido/Itália/China, 2023, 130min.). Direção: Michael Mann. Com Adam Driver, Penélope Cruz e Gabriel Leone. Classificação: 16 anos) - Em cartaz a partir desta quinta-feira (22/2), no Centro Cultural Unimed-BH Minas e nos shoppings BH, Big, Boulevard, Cidade, Contagem, Del Rey, Diamond, Estação, Itaú, Minas, Monte Carmo, Norte, Pátio, Ponteio e Via.