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LITERATURA

Sequela da COVID inspirou escritor a criar romance sobre memória

Ricardo Righi mistura realidade e ficção em "Paris Caraíva", cujo narrador tem problemas cognitivos, uma experiência que o autor viveu, como efeito da infecção 

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Procurador do Estado de Minas Gerais, Ricardo Righi concilia, desde 2008, o ofício público com a escrita – uma paixão que alimenta há muitos anos. Em seu recém-lançado segundo romance, “Paris Caraíva”, o esquecimento é o gancho para a memória e a realidade é e para a ficção.

A obra, que pode ser classificada como uma autoficção que deriva para a fabulação, tem como ponto de partida uma experiência real do autor: o período que ficou confinado em Paris, durante a pandemia.


Ele conta que, mesmo isolado, acabou contraindo COVID-19 e tendo sequelas cognitivas. A experiência transformou-se em literatura, ao dar lugar a um narrador que carrega o nome do autor, mas que se movimenta entre o real e o imaginado. “A cabeça muito ruim foi o mote dessa escrita”, afirma Righi.


A história começa com uma viagem de férias do personagem a Paris, onde havia estudado muitos anos antes. Formado em Direito pela UFMG, o autor, de fato, cursou o mestrado na Universidade de Paris 1 – Panthéon Sorbonne. O retorno à capital sa coincide com a chegada da pandemia. “É um exercício de autoficção, mas muito fantasioso, que pega essa coisa da perda da memória, das sequelas cognitivas, para servir de reflexão sobre o momento atual”, diz o escritor.


A obra abarca, também, análises estéticas de músicas, filmes e obras de arte em geral. “O isolamento provocado pela pandemia serviu para que eu buscasse referências familiares, e aí entra, em 'Paris Caraíva', a história de um quadro do meu avô, que trabalhou como pedreiro, atuou na construção do ateliê de Guignard e foi pintado por ele”, diz. Essa obra de arte teria ido parar em Caraíva, vila litorânea no Sul da Bahia, para onde o personagem vai em busca de resgatá-la.


Assim, a história começa em Paris, mas a por outras localidades. “O personagem é de Belo Horizonte. Ele sai, vai para Paris, depois ruma para Portugal, onde encontra uma personalidade da extrema-direita e vive um episódio de violência do qual, curiosamente, quem já leu o livro morre de rir. Tem muito de Belo Horizonte no livro e também um pouco de Brasília, finalizando em Caraíva, de uma forma aberta, porque não quis que o enredo chegasse a uma conclusão”, diz Righi.


Artifício

Ele diz que a obra se equilibra entre a realidade e a ficção. A história do quadro de seu avô, a despeito de alguns pontos de conexão com fatos ocorridos e histórias familiares que pesquisou, é uma invenção. “As pessoas acreditam, elas querem acreditar nessa história do quadro, mas é um artifício, uma forma de chamar a atenção do leitor para o fato de que ele pode acreditar ou não. A proposta foi escrever um romance que se vale dos recursos de uma obra de autoficção”, ressalta.


Righi observa que essas fronteiras borradas entre o vivido e o imaginado refletem uma tendência contemporânea da literatura, que trabalha com um “eu” que se ampara na verdade, mas está descolado dela. Segundo o autor, “Paris Caraíva” traz pessoas reais, figuras conhecidas da cena cultural de Belo Horizonte, amigos que consultou e perguntou se topariam ser personagens do livro. “Um deles fez uma ressalva, ficou com medo de que a atual esposa ficasse com ciúmes de seu ado. Mas entrou assim mesmo”, conta.


A partir de 2008, o procurador não só começou a escrever, como também a se dedicar ao estudo da literatura. “Refleti sobre o que seria a autoficção e, no final das contas, me parece que é impossível reproduzir a realidade numa obra literária. Você vai se aproximar dela, com suas dores, suas fantasias, mas de uma forma artificial. Chego nesse lugar por meio de autores que iro, como Enrique Vila-Matas, Javier Cercas, Annie Ernaux e Ricardo Lísias, entre outros.”


A relação que “Paris Caraíva” estabelece com a ancestralidade do autor se baseia em pesquisas que realizou durante o período de confinamento – o que o personagem da obra também faz. Ele conta que descobriu o nome de seu tataravô e também que seus anteados, quando chegaram em Belo Horizonte vindos de Juiz de Fora, se estabeleceram nas proximidades do Córrego do Feijão, onde hoje é a avenida Prudente de Morais. Muitos deles eram, de fato, pedreiros – como a figura do avô que aparece no livro.


Artes plásticas

“Eles construíram algumas casas que resistem de pé nas proximidades do Museu Histórico Abílio Barreto”, diz. Righi destaca que sempre se interessou por artes plásticas, o que o levou à leitura de duas biografias de Guignard.

“Guignard pintou um retrato do Juscelino Kubitschek, que foi quem o trouxe para dar aulas em Belo Horizonte, só que Juscelino detestou, se achou cabeçudo na representação e deu esse quadro de presente para uma outra pessoa, que também detestou. Aproveitei essas histórias para criar o enredo em torno do meu avô.”


Outras expressões artísticas povoam as páginas do livro. “O personagem compra um e para visitar museus em Paris, mas só consegue ir no primeiro dia, porque chega a pandemia. Isolado, ele se recorda de um quadro de Mark Rothko que supunha ser azul e amarelo, mas, quando vai pesquisar, descobre que é vermelho e preto. É uma pista de que o narrador, desmemoriado, não é tão confiável. Também faço um paralelo com a trilogia 'Antes do pôr do sol', 'Antes do amanhecer' e 'Antes da meia-noite', de Richard Linklater”, comenta.


Prova de português

Ricardo Righi diz que sempre gostou de escrever, mas lhe faltava confiança para enveredar pela seara da literatura. Num dado momento de seu percurso como procurador do Estado, sentiu-se insatisfeito e pensou que a carreira no Itamaraty seria uma boa alternativa. “Fiquei um ano estudando para fazer o concurso, que é dificílimo, e fui reprovado. Mas ei na prova de português. Isso me fez cair a ficha de que meu português é bom, desencantou a ideia de que eu poderia escrever”, conta.

“PARIS CARAÍVA”
• Ricardo Righi
• Editora e-galáxia (217 págs.)
• R$ 59,90

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