Oscar 2025: saiba o que é a irritante "fraude de categoria"
"Truque" das distribuidoras nas indicações permite que coprotagonistas concorram como coadjuvantes, como é o caso de Zoe Saldaña e Kieran Culkin neste ano
O papel de Zoe Saldaña (à dir.) em crédito: paris filmes/divulgação
Para concorrer ao Oscar, os artistas devem cumprir uma série de etapas. A decisão sobre a primeira delas cabe às distribuidoras dos filmes, que apontam quem no elenco é elegível às categorias da premiação.
No caso do brasileiro “Ainda estou aqui”, por exemplo, a Sony Pictures Classics inscreveu o longa em oito categorias e obteve três indicações – Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz (Fernanda Torres).
A liberdade dada aos estúdios permite que eles decidam estrategicamente as corridas de que querem participar, o que abre espaço para esquemas questionáveis.
Neste ano, por exemplo, duas campanhas foram vistas como tendo recorrido à chamada “fraude de categoria” – Zoe Saldaña (“Emilia Pérez”) e Kieran Culkin (“A verdadeira dor”) foram apresentados como coadjuvantes, quando, na verdade, têm papéis centrais em seus filmes, distribuídos, respectivamente, pela Netflix e Searchlight Pictures.
Ao deslocar atores com grande presença na trama para disputar os prêmios de coadjuvantes, as distribuidoras aumentam as chances de vitória, mas à custa de promover uma competição injusta, como apontam críticos do artifício.
'Ainda estou aqui' (Brasil e França) é dirigido por Walter Salles. Com Fernanda Torres (foto), Selton Mello e Fernanda Montenegro. Indicado a três Oscars em 2025. Nos anos 1970, auge da ditadura militar, o ex-deputado Rubens Paiva é levado por agentes do Exército, no Rio, e desaparece. Sua mulher, a dona de casa Eunice, luta por décadas para descobrir a verdade sobre o marido, que fora torturado e morto nas dependências do I Exército. Mãe de cinco filhos, ela se reinventa, torna-se advogada e, já madura, tem Alzheimer.
Sony Pictures/divulgação
'Anora' (EUA) é dirigido por Sean Baker. Com Mikey Madison (foto, centro), Yuriy Borisov e Karren Karagulian. Indicado a seis Oscars em 2025. Jovem profissional do sexo, Anora trabalha em Nova York. Ela se casa com o filho de um oligarca russo, mas os pais dele desaprovam o relacionamento e viajam aos EUA para cancelar o casamento. Universal Pictures/reprodução
'A substância' (EUA, França, Reino Unido e Irlanda do Norte) é dirigido por Coralie Fargeat. Com Demi Moore (foto), Margaret Qualley e Dennis Quaid. Indicado a cinco Oscars. Considerada velha, atriz famosa é demitida de programa de TV. Deprimida, submete-se a tratamento que lhe promete a versão mais jovem de si mesma, por meio de droga clandestina de replicação celular. Nesse processo, a ex-estrela vive momentos de terror.
Mubi/divulgação
'Conclave' (EUA e Reino Unido) é dirigido por Edward Berger. Com Ralph Fiennes (foto), Stanley Tucci, Isabella Rossellini e John Lithgow. Indicado a oito Oscars em 2025. Com a morte do papa, o cardeal Lawrence questiona a própria fé, enquanto conduz a escolha do novo pontífice, enfrentando intrigas, guerra política de líderes católicos, corrupção e os bastidores profanos do Vaticano.
Diamond Films/divulgação
'Duna: Parte 2' (EUA e Canadá) é dirigido por Denis Villeneuve. Com Timothée Chalamet e Zendaya (foto), Rebecca Ferguson, Florence Pugh e Javier Bardem. Indicado a cinco Oscars em 2025. Na era pós-web, seres humanos avançam pelo universo e clãs dividem o poder no império intergaláctico. O jovem Paul Atreides planeja se vingar dos conspiradores que destruíram sua família.
Nico Tavernise/divulgação
'Emilia Pérez' (França e México) é dirigido por Jacques Audiard. Com Karla Sofía Gascón (foto), Zoe Saldana e Selena Gomez. Falado em espanhol, foi indicado ao maior número de Oscars (13) em 2025. Advogada recebe convite de um chefe de cartel para ajudá-lo a se aposentar, sumir do radar das autoridades e de seu mundo. O que ele deseja, na realidade, é assumir sua verdadeira identidade trans, como Emilia Pérez.
Pathé/divulgação
'Nickel Boys' (EUA) é dirigido por RaMell Ross. Com Ethan Herisse e Brandon Wilson (foto), Hamish Linklater e Aunjanue Ellis-Taylor. Indicado a dois Oscars em 2025. Nos anos 1960, Elwood e Turner, adolescentes afro-americanos, são enviados a um violento reformatório juvenil na Flórida, no ápice da implementação das leis segregacionistas nos EUA, onde enfrentam a face mais cruel do racismo.
Orion Pictures/divulgação
'O brutalista' (EUA, Reino Unido e Hungria) é dirigido por Brady Corbet. Com Adrien Brody (foto), Felicity Jones e Guy Pearce. Indicado a 10 Oscars em 2025. Arquiteto húngaro e a mulher migram para os EUA em 1947, deixando para trás a Europa castigada pela guerra. Na América, ele recebe a proposta de um magnata para criar projeto grandioso que impactará os EUA. Por vários anos, enfrenta revezes e decepções.
Universal Pictures/divulgação
'Um completo desconhecido' (EUA) é dirigido por James Mangold. Com Timothée Chalamet (foto), Edward Norton e Elle Fanning. Indicado a oito Oscars em 2025. Em 1961, Robert Allen Zimmerman, de 19 anos, chega a Nova York, vindo de Minnesota, com planos de se dedicar à música folk. Algum tempo depois, lança o álbum "The Freewheelin" (1963) e participa do Newport Fok Festival (1965). Adota o nome artístico de Bob Dylan e revoluciona a música dos EUA.
Searchlight Pictures/divulgação
'Wicked' (EUA) é dirigido por Jon M. Chu. Com Ariana Grande e Cynthia Erivo (foto), Jeff Goldblum e Michelle Yeoh. Indicado a 10 Oscars em 2025. Moça incompreendida, vítima de preconceito por causa da cor de sua pele, torna-se a Bruxa Má do Oeste. Na universidade, ela fica amiga da Bruxa Boa do Sul, loira seduzida pelo desejo de popularidade e poder. Porém, esta amizade enfrenta desafios diante dos valores que cada uma delas cultiva.
Universal Pictures/divulgação
Em “Emilia Pérez”, Saldaña interpreta Rita, advogada que ajuda um ex-chefe de cartel a ar pela cirurgia de redesignação sexual. Ela aparece em 58 minutos do filme, superando os 52 minutos da personagem-título, interpretada por Karla Sofía Gascón.
Já em “A verdadeira dor”, Culkin interpreta Benji Kaplan, que viaja com o primo David (Jesse Eisenberg) para a Polônia, num processo de elaboração do luto pela perda da avó, que escapou da perseguição nazista e se radicou nos Estados Unidos. Na jornada, os dois dividem igualmente a presença na trama, escrita por Eisenberg, que disputa Melhor Roteiro Original.
As motivações das distribuidoras para manipular as categorias são incertas, mas há variáveis que influenciam a tática. Quando um filme tem dois atores de destaque, dividi-los em categorias diferentes evita que um impeça a vitória do outro. Além disso, em algumas edições, os prêmios principais já têm favoritos à vitória, o que diminui a chance dos demais candidatos.
Fator idade
Recentemente, a idade também se tornou um elemento preocupante. Nas categorias masculinas, é comum que os atores recebam múltiplas indicações antes de ganharem a estatueta. Até hoje, Adrien Brody – que concorre neste ano por “O brutalista” – é o mais jovem a vencer como Melhor Ator, aos 29 anos, por sua atuação em “O pianista” (2002).
Por outro lado, no caso da mulheres, o Oscar costuma premiar atrizes mais jovens. Emma Stone venceu aos 28 anos, com sua primeira indicação, por “La la land: Cantando estações” (2016), assim como Gwyneth Paltrow, que ganhou aos 26, com “Shakespeare apaixonado” (1998) – ano em que a brasileira Fernanda Montenegro foi indicada. Audrey Hepburn tinha 23 anos ao vencer com “A princesa e o plebeu” (1953).
Com a ausência de critérios objetivos que caracterizam um coadjuvante, a “fraude de categoria” a despercebida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood e torna-se uma prática recorrente na premiação.
Em 1973, Marlon Brando foi escolhido para concorrer a Melhor Ator por “O poderoso chefão”, enquanto Al Pacino, cuja presença no filme é maior, foi relegado à segunda categoria e nem sequer compareceu à cerimônia.
Nos últimos anos, Alicia Vikander, de “A garota dinamarquesa” (2015); Mahershala Ali de “Green book: O guia” (2018), e Brad Pitt de “Era uma vez em…Hollywood” (2019) ganharam a estatueta na categoria dos coadjuvantes, apesar de terem papéis centrais em seus filmes. Pitt esperou 35 anos para vencer o primeiro Oscar como ator.
*Estagiária sob supervisão da editora Silvana Arantes