Atriz estreante brilha como protagonista do filme "Manas"
Jamilli Corrêa vive garota paraense que tenta escapar da violência doméstica no longa-metragem de Marianna Brennand, que estreia nesta quinta(15/5)
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Siga noA vida de Marcielle nunca foi fácil. Mas a de ninguém do Marajó, em especial as famílias ribeirinhas, é. Contudo, a garota de 13 anos sabe rir com a irmã mais nova, Carol; se divertir com sua melhor amiga, a esperta Cynthia; sonhar com os beijos de novela que assiste com a turma na venda da Jaci.
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Sua rede de dormir arrebentou, então o pai a chama para dormir na cama com ele. A esse convite, na verdade uma ordem, vem outro: caçar com ele. A vida de Marcielle nunca mais será a mesma.
Com estreia nesta quinta (15/5) nos cinemas, “Manas”, primeiro longa-metragem de ficção de Marianna Brennand, acompanha uma história que se tornou rotineira no Arquipélago do Marajó: a violência sexual contra menores. Mais de uma década atrás, Marianna soube por Fafá de Belém da exploração sexual de meninas e mulheres no Rio Tajapuru.
Saiu do encontro com o ímpeto de fazer um documentário – nessa seara, seu trabalho mais conhecido é o longa “Francisco Brennand” (2012), sobre o artista pernambucano, seu tio-avô. Começou a pesquisar e não demorou a se dar conta de que deveria abordar o tema de forma ficcional. “Não seria possível para mim pedir para que uma vítima de violência recontasse na frente das câmeras uma história de trauma.”
O enredo de “Manas”, com roteiro criado a várias mãos, partiu de relatos com conselheiros tutelares, assistentes sociais, psicólogos que atuam na região. Houve também o contato com duas pessoas em especial: a irmã Marie Henriqueta, conhecida ativista na luta pelos direitos humanos na região amazônica, e o delegado Rodrigo Amorim, superintendente regional do Marajó Oriental. A dupla serviu de inspiração para a delegada Aretha, personagem de Dira Paes.
Ciclo de abuso
“Visitei muitas comunidades ribeirinhas, muitas famílias, mas não tratei diretamente do assunto com elas, por respeito. A maior parte dos casos foi contada através das pessoas que trabalham na região e a gente foi tecendo a história e construindo os personagens, pois o ciclo de abuso e exploração sexual é muito parecido”, comenta Marianna.
A protagonista Jamilli Correa, que na época das filmagens (setembro de 2022) tinha 13 anos, tal como Marcielle, era uma novata total. Nascida em Belém, participou da última leva de testes feita pela equipe com meninas da região. Marianna diz que, no primeiro encontro com a menina, já sabia que o papel seria dela.
Marcielle é a junção do nome dos pais, Marcílio (Rômulo Braga, nascido em Brasília e criado em Belo Horizonte) e Danielle (Fátima Macedo). A primogênita, Cláudia, já deixou a casa. Grávida de mais um filho, Danielle tem outras três crianças, sendo Marcielle a mais velha.
A família toda vive numa palafita de um cômodo, sem luz. O pai caça para alimentar a prole. Rígido, não dá liberdade alguma à mais velha, pois teme que ela se torne uma balseira – as meninas que se prostituem nas balsas que cruzam o Rio Tajapuru.
Dentro de casa é onde o perigo mora, Marcielle logo percebe. E ninguém, nem a mesmo a mãe, pode ajudá-la. Os sonhos vão embora, e a menina muda radicalmente. A maneira com que Marianna conta essa narrativa, aliada à presença magnética de Jamilli Correa, que está praticamente todo o tempo em cena, fazem de “Manas” um dos filmes mais delicados, porém fortes, da temporada.
“Era muito importante fazer o filme sem que essas crianças (as que estão atuando) vivessem algum tipo de trauma. Como não permiti que lessem o roteiro, conversava sobre as cenas. E o René Guerra, preparador de elenco, trabalhou nesse sentido”, conta a diretora.
“A gente falava os diálogos antes de filmar, para que ficasse natural na voz delas. Claro que elas sabiam sobre o que era o filme, mas essas diretrizes não foram apontadas na hora da direção de cena. Além do mais, não tem violência explícita”, acrescenta Marianna.
Também para que Jamilli encontrasse o tom da personagem, a diretora filmou em ordem cronológica. Diante da impossibilidade de filmar no Marajó, pela distância e pela ausência de energia elétrica em boa parte da região, “Manas” foi rodado nas proximidades de Belém, no Rio Guamá.
As marés que tanto influenciam a vida ribeirinha também deram o tom do filme. “Eu queria que o rio representasse o interior da Marcielle. Quando a história começa, a maré está altíssima, e esse momento de muita água marca a infância dela brincando”, comenta a cineasta.
“Na medida em que vai sofrendo violência, a maré vai secando e você começa a ver troncos retorcidos de árvores, que representam esse interior machucado. O desenho de som também é assim. A construção começa realista, com os barulhos da floresta, do rio, dos pássaros, e depois começa a ficar mais psicológico, distorcido.”
Prêmio em Cannes
“Manas” estreou primeiramente na França, onde segue em cartaz em 22 cidades. Marianna Brennand acompanha a chegada do filme aos cinemas brasileiros de Cannes. A diretora recebe neste domingo (18/5) o Women In Motion Emerging Talent Award 2025, dedicado a jovens realizadoras.
A iniciativa, parceria da holding sa Kering com o Festival de Cannes, vai premiar Marianna com uma bolsa de 50 mil euros para o desenvolvimento de seu segundo longa-metragem de ficção, que também será sobre o universo feminino.
“MANAS”
(Brasil, 2024, 107min.). Direção: Marianna Brennand. Com Jamilli Correa, Rômulo Braga, Fátima Macedo e Dira Paes. O filme estreia nesta quinta (15/5), nos cines Cidade 4, às 14h10, 18h40; Contagem 7, às 13h50, 16h10, 18h30; Del Rey 4, às 16h30, 20h50; Diamond 2, às 19h20 (exceto sab e dom); Diamond 5, às 14h40 (qui e sex), 14h (sab e dom), 14h10 (seg a qua); Ponteio 3, às 16h30, 20h50; UNA Cine Belas Artes 2, às 16h (exceto hoje), 18h (somente hoje), 20h (exceto hoje).