CINEMA

'Sinto como se tivesse nascido em Cannes', revela Juliette Binoche

Presidente do júri, atriz tem 40 anos de história com o festival. Premiada em 2010, ela diz que julgar é como atuar: 'Você tem de confiar no que está sentindo'

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Carlos Helí de Almeida

Especial para o EM


Ela tinha apenas 21 anos quando participou do Festival de Cannes pela primeira vez, com o drama “Rendez-vous” (1985). À época, Juliette Binoche era uma espécie de réplica de sua personagem no filme de André Téchiné: uma jovem atriz tentando encontrar o seu caminho na arte da interpretação.

Quarenta anos e muitas outras agens pelo maior evento cinematográfico do planeta, com o qual desenvolveu um caso de amor, ela retorna à mostra sa no comando do espetáculo, como presidente do júri que decidirá a Palma de Ouro deste ano – a primeira vez na história do evento em que o posto é ocupado por uma mulher por duas edições seguidas.

“Acho que o segredo de um bom júri e de uma boa avaliação é não antecipar nada. É como atuar: você sabe que tudo o que precisa está dentro de você, a sua experiência, o seu próprio ser. E você tem que confiar no que está sentindo”, ensina a musa do cinema francês, premiada com o Oscar (“O paciente inglês”) e em Cannes (“Cópia fiel”), na entrevista a seguir.

Faz 40 anos que você esteve pela primeira vez em Cannes. Acha que a organização do festival levou o marco em consideração para sua escolha como presidente do júri ou é apenas uma coincidência?
Acho que não fizeram essa ligação. A vida fez isso. (risos)

Quais são suas lembranças mais fortes daquela primeira vez?
Foi uma experiência alegre e divertida, porque eu não tinha a menor ideia do que acontecia no festival. Era uma época diferente, claro, mas fui atraída pelo entusiasmo de todos, pela curiosidade dos jornalistas que queriam falar comigo e me fotografar. Não esperava nada parecido, então fui levada por essa onda de alegria e energia. Um amigo veio me acompanhar no festival, e nós nos divertimos muito, rimos das coisas, da vaidade dos outros, apenas jogando o jogo de Cannes. Desde então, estive aqui várias vezes, e por diferentes motivos, mas sempre feliz, porque isso aqui é um microcosmo da sétima arte e faz parte da minha vida. Sinto como se pertencesse a Cannes, como se tivesse nascido aqui.

Alguma grande gafe?
Eu deveria escrever um livro sobre minhas agens pelo festival, porque há tantas histórias... (risos). Mas uma especial sobre o (hotel) Carlton. Lembro-me de que naquele ano choveu muito aqui, sem parar. E eu não tinha intimidade nenhuma com o chão do hotel, que é todo de mármore. Um dia, entrei lá e levei um tombo enorme, porque não esperava que fosse tão escorregadio. Mas gargalhei em alto e bom som, porque foi uma situação (risos). Este ano, estou hospedada no Carlton, então toda vez que o pela entrada principal, sempre me lembro daquela queda e da minha risada (risos).

Você foi presidente do júri no Festival de Berlim há seis anos. O que aprendeu com aquela primeira experiência?
Não diria que aprendi algo, exatamente. Acho que o que ficou foi a ligação com os outros membros do júri, que foi muito calorosa, fantástica. Ainda mantemos contato, nos vemos quando possível, trocamos e-mails, essas coisas. Então, aprendi que é possível formar uma família com os outros colegas do júri, o que é bem legal. A (atriz) Sandra Hüller (“Anatomia de uma queda”) estava conosco naquele ano na Berlinale. Havia uma atriz em um dos filmes da competição de quem ela havia gostado muito. Acho que fui um pouco pedante, na época, e o prêmio foi para outra artista. Eu me arrependo de não tê-la ouvido o suficiente.

Atriz Juliette Binoche com o cabelo desarrumado ao receber prêmio no festival de Cannes em 2010
Juliette Binoche e seu 'cabelo desgrenhado' em maio de 2010, ao receber o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes pelo filme 'Cópia fiel' Martin Bureau/AFP/23/5/2010

Você já se sentiu esnobada por um júri de festival por um papel que achava merecer o prêmio de Melhor Atriz?
Claro que já me senti assim, tenho que itir. É um pensamento ruim, mas isso é humano. Eu sou humana. É por isso que você tenta não acreditar que mereça o prêmio novamente (risos). Mas você tem que ar por essa experiência ao menos uma vez, e então, na segunda você tenta não pensar, não sentir nada, apenas voltar para casa e esperar o resultado. Costumo fazer isso, mas teve uma vez que ei por uma experiência horrível.

Quando?
Quando ganhei por “Cópia fiel” (2010), do Abbas Kiarostami. Voltar de casa para cá foi um pesadelo. Eles me avisaram que eu havia ganhado à uma da manhã do dia da premiação. O carro foi me pegar no lugar errado e depois que consegui chegar ao aeroporto, não havia ninguém lá do festival para me dar o bilhete do avião. Cheguei a interpelar um funcionário, dizendo que deveria embarcar no próximo voo porque teria de estar lá para a cerimônia de premiação, e o cara me olhou com jeito de “quem você pensa que é?” E o voo seguinte foi cancelado. Quando finalmente pousei em Nice, às 18h, para uma cerimônia que começava às 19h, fui escoltada por carros da polícia até Cannes. Como um filme de James Bond, foi assustador! Ao chegar ao hotel, não havia ninguém para me dar as chaves do quarto onde me arrumaria. Como era o mesmo que eu havia ocupado naquela semana, a gerência me deu a chave do quarto. Mas ela não funcionou. Desabei no chão e comecei a chorar. Então, um funcionário me ajudou a entrar no quarto, onde me arrumei apressadamente. É por isso que você vê a minha imagem daquela noite com o cabelo desgrenhado (risos).

Ano ado, você assumiu a presidência da Academia Europeia de Cinema, que premia os melhores do cinema do continente. Considera uma vitória das mulheres dentro da indústria?
É uma conquista importante, dentre muitas, porque cada uma delas permite que o mundo masculino se acalme mais e seja mais humilde. Porque o movimento feminino foi muito importante na nossa área, no sentido de conquista de maior equilíbrio de gênero. E o fato de muitas atrizes estarem se manifestando sobre o ado, contando o que acontecia nos anos 1980 e 1990, os abusos que sofreram, é muito importante também, para mudar a consciência sobre essa chamada “liberdade”.

Mas temos visto muitas reações dos homens recentemente, uma espécie de resistência à causa feminista…
Claro que há, porque o movimento questiona muito o ado, um tipo de poder que existiu por muito tempo. As mudanças que temos testemunhado são importantes. Ainda assim, sabemos que uma mulher agredida em casa vai à delegacia e é questionada até pela roupa que está vestindo. Quero dizer, é uma mentalidade ainda muito antiga e arraigada, será preciso muito tempo para mudá-la.

Temos o caso recente de Gérard Depardieu, por exemplo, que, mesmo esperando julgamento por uma acusação de agressão de uma cenógrafa, estava fazendo filme normalmente. Você consegue entender isso?
Vivemos em um país livre, sabe. É isso. Algumas pessoas negam seus crimes. Mas eu não posso dizer nada sobre este caso.

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