Sebastião Salgado, Tião querido, adeus e obrigado!
O repórter fotográfico do EM Alexandre Guzanshe conta como a iração por Sebastião Salgado, conterrâneo de Aimorés, influenciou sua escolha profissional
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Siga noEu não queria escrever este texto. Mas a vida da gente prega surpresas. Estava começando a almoçar, ontem, quando uma tia muito querida de Aimorés mandou a notícia no grupo da família. Sebastião Salgado morreu. Fiquei em choque. Eu não esperava por essa notícia, não agora. A gente nunca espera.
Sempre achei que Salgado fosse imortal. Mas a vida é assim. Este meu conterrâneo foi uma grande inspiração para mim. Todo jovem fotógrafo já teve esse sonho: botar o pé na estrada com uma pá de câmeras e lentes e mostrar a realidade do mundo.
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E foi isso que Tião fez, um dos maiores de todos os tempos, pra mim, o maior. Uma das minhas recordações mais remotas foi de minha mãe e meu pai falando que Aimorés tinha um fotojornalista famoso que morava na França.
Meus pais já sabiam do meu desejo pelo jornalismo e pela fotografia. Eu era um adolescente, um sonhador, ainda naquela fase de escolher o que se tornar na vida, e acabei não dando muita bola para aquela fala de meus pais.
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Um pouco mais adiante, Sebastião Salgado recebeu uma singela homenagem na Câmara Municipal de Aimorés. Ele conheceu o mundo todo, mas, de vez em quando, aparecia na cidade. Era o momento certo de eu me aproximar dele. Mas, quando cheguei à Câmara, não consegui chegar perto. Fiquei do lado de fora, só ouvindo suas palavras de agradecimento.
Neste dia, depois de escutá-lo, tomei a decisão: vou ser um jornalista, vou ser um fotógrafo. Foi um dia muito feliz pra ele, conforme me revelou anos mais tarde. Salgado sempre esteve em Aimorés. Mas, devido às suas viagens exaustivas, quando regressava, preferia ficar recluso, na casa de seus pais, ou, anos mais tarde, na sede do Instituto Terra, local que construiu ao lado da esposa Lélia.
Nós, aimoreenses, às vezes nem sabíamos de suas estadas na cidade. Uma outra história curiosa que me foi contada por uma amiga em comum foi um eio dele de bicicleta pela cidade. Ele pegou a velha bicicleta do seu Tião (pai dele), mandou reformar e seu primeiro eio foi camuflado. Era um cidadão qualquer pelas ruas de Aimorés.
Incógnito
Essa nossa amiga me contou que ele chegou todo eufórico da sua andança, por ter podido ear na antiga bicicleta de seu pai pelas ruas de Aimorés, ter conversado com várias pessoas e não ser reconhecido. Esse era o Tião. Um homem simples, generoso e que, ultimamente, deu de presente para o Vale do Rio Doce, para a nossa cidade, o Instituto Terra.
Tive outros encontros com Salgado, seja em reportagens que fiz, seja em encontros fortuitos em Aimorés. Ele sempre muito educado, atencioso. Quando eu mencionava que também sou de Aimorés, ele me perguntava: “Você é de que família?”.
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Ao ouvir a resposta, Tião me perguntava pelos meus avós, meus tios, minha mãe. Parecia que era um vizinho nosso. Ele nunca esqueceu do povo de Aimorés. Vai fazer muita falta pra nossa cidade, vai fazer falta pro nosso Rio Doce e vai fazer falta imensa pra fotografia. Sebastião Salgado, um plantador de árvores, o maior fotógrafo de todos e um grande ser humano. Vá em paz e muito obrigado!