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Siga noO senador Rodrigo Pacheco, entrevistado central dessa edição do D&J Minas, apresentou, no seu último dia de mandato como presidente do Congresso Nacional, o Projeto de Lei 4/2025, que envolve 1.097 artigos a serem criados ou alterados em relação ao Código Civil de 2002. Nessa entrevista exclusiva o parlamentar, que lançou a obra “Reforma do Código Civil – artigos sobre a atualização da Lei nº 10.406/2002”, fala sobre o que motivou a necessidade de mudança e sobre as principais alterações e os impactos que elas trarão na vida cotidiana do cidadão brasileiro, eis que, segundo ele, o PL 4/2025 “carrega diversas regras importantíssimas para a sociedade, tanto para o cidadão comum quanto para as empresas”.
Quando e como nasceu a ideia de se criar uma comissão de juristas para estudo de alterações no Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002)? Um Código de pouco mais de 20 anos não é um diploma legal ainda recente para carecer de alterações e atualizações?
Antes de tudo, é preciso lembrar que o Código Civil atual, apesar de ter se tornado norma jurídica em 2002, foi redigido por uma comissão de juristas, convocada no distante ano de 1969. A comissão foi liderada pelo professor Miguel Reale e contou com o gênio dos professores José Carlos Moreira Alves, Agostinho Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Chamoun, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro.
Tratava-se de juristas já renomados à época e que, portanto, incorporavam a mentalidade da sociedade do início da metade do século ado.
O texto-base elaborado por esses juristas é o que respaldou o Código Civil de 2002, com alterações não estruturais promovidas ao longo dos 27 anos de tramitação no Parlamento.
O que se percebe é que o Código Civil de 2002, na verdade, reflete a mentalidade, a cultura e a realidade do Brasil do século ado.
Por isso, temos no Código Civil de 2002 regras que pressupõem que os filhos sempre são comuns ao casal.
É o caso, por exemplo, do art. 551, parágrafo único, do Código Civil. Esse dispositivo estabelece que, ao doar um bem a um casal, a parte de um irá para o outro no caso de morte. Não irá para os herdeiros. A premissa é que, futuramente, com a morte do viúvo, os filhos comuns receberão o bem.
Esse dispositivo ignora que há inúmeros casos de casais com filhos de anteriores ou de outros relacionamentos. O fenômeno das famílias recompostas – essas fruto de novos relacionamentos – é uma realidade marcante atualmente, mas completamente ignorada na época da concepção do Código atual. Esses filhos serão prejudicados, pois nada herdarão.
Esse é apenas um dos exemplos de dispositivo que precisa de atualização, o que foi objeto de preocupação no projeto de Reforma. Foi estabelecido que caberá ao doador decidir se haverá ou não esse direito de acrescer. Essa liberdade contratual permitirá que, nos casos de famílias recompostas, o doador planeje a melhor forma de redistribuição do bem de acordo com a dinâmica familiar, privilegiando a autonomia de vontade.
Além de tudo isso, não podemos ignorar que essas duas últimas décadas foram das mais frenéticas da história, com a expansão da internet e com o surgimento de inúmeras demandas não contempladas no Código Civil de 2002.
É nesse contexto que, entre as sugestões de reforma, há a inclusão de um novo Livro no Código Civil, o Livro de Direito Digital.
E tudo foi feito com base nas melhores experiências do mundo, com inclusão de normas europeias, a exemplo do Digital Service Act.
Enfim, a necessidade de atualização do Código Civil é urgente, a bem da segurança jurídica da nossa sociedade atual, que não pode ficar à mercê de normas que não espelhem a realidade social e a dinâmica das relações pessoais da sociedade atual.
Foi isso que motivou a criação de uma comissão de juristas para a elaboração de um anteprojeto que veiculasse a melhor técnica jurídica. Caberá ao Congresso lapidar, com o senso da sociedade, o texto.
Como foi montada e como funcionou essa comissão? A sociedade civil, as instituições, as empresas e os sindicatos foram ouvidos a respeito?
Chamamos a atenção para uma característica marcante da comissão de juristas responsável pelo anteprojeto de atualização do Código Civil: a pluralidade misturada com a elevada técnica.
A comissão foi integrada por mais de 40 juristas, da mais alta técnica e experiência. Entre eles, estiveram ministros do Superior Tribunal de Justiça, desembargadores de Tribunais de Justiça, juiz e vice-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, professores das mais renomadas universidades brasileiras, autores dos mais importantes manuais de Direito Civil brasileiro, advogados do maior reconhecimento na comunidade jurídica e representantes da sociedade civil.
A presidência da comissão de juristas ficou com o ministro Luís Felipe Salomão e a vice-presidência com o ministro Marco Aurélio Bellizze, ambos do Superior Tribunal de Justiça.
A relatoria-geral coube aos professores Flávio Tartuce e Rosa Nery.
Os subrelatores foram os professores Rodrigo Mudrovitsch, José Fernando Simão, Carlos Eduardo Elias de Oliveira, Paula Forgioni, Marco Aurélio Bezerra de Melo, Pablo Stolze Gagliano, Mário Luiz Delgado e Laura Porto.
A comissão tomou o cuidado de ouvir não apenas os demais juristas do país, mas também a própria sociedade civil.
Foram realizadas quatro reuniões presenciais, abertas ao público, em cidades diferentes, com a presença dos integrantes da comissão, com o objetivo de ouvir contribuições dos membros da sociedade civil.
Foi aberta, ainda, consulta pública no site do Senado para envio de sugestões de qualquer cidadão. A comissão recebeu e analisou as inúmeras sugestões, especificamente mais de duas centenas.
Foram, ainda, ouvidas diversas instituições.
Como se vê, o trabalho da comissão não foi fruto da mente de um ou de dois juristas. Mas sim de um rosário representativo dos mais diversos interesses da sociedade.
Das conclusões dos trabalhos dessa comissão resultou o Projeto de Lei 4/2025, apresentado pelo Sr. no último dia de seu mandato como presidente do Congresso Nacional. Quais as principais mudanças para a vida do cidadão que, se aprovadas, as novas alterações do Código Civil trarão? E para empreendedores e empresas?
O Projeto de Lei de reforma do Código Civil carrega diversas regras importantíssimas para a sociedade, tanto para o cidadão comum quanto para as empresas.
Um exemplo é a cláusula do pôr-do-sol (sunset clause) em pactos antenupciais. Por meio dessa cláusula, o casal poderá estipular que, durante os primeiros anos de casamento, vigorará um regime de bens e, após esse período, ará a viger outro regime. É uma cláusula importante para permitir que a comunicação de bens entre os cônjuges ocorra gradativamente, à medida que o relacionamento evolui.
Outro exemplo é a maior liberdade para a realização de negócios fiduciários, inclusive para fins de gestão. Uma pessoa, por exemplo, poderia transferir bens para uma empresa gestora, com a obrigação de que esta istre o bem e ree os rendimentos a um terceiro. Um pai poderia se valer disso para garantir que um filho com limitações de trabalho receba rendimentos periódicos dos bens transferidos pela empresa gestora.
Como se vê, o Projeto coloca à mesa ferramentas jurídicas que facilitarão a vida dos cidadãos e aprimorarão o mercado, a sociedade e a economia.
Como se dará a tramitação do PL 04/2025 a partir de agora? Qual prazo estima-se para a conclusão do processo legislativo?
O Projeto de Lei foi apresentado, mas ainda não foi distribuído. A tendência é que seja designada uma comissão especial de senadores para análise da proposição no Senado Federal.
Estimamos que o Senado conseguirá, ainda neste ano, amadurecer e discutir o tema para aprovar o texto do Projeto e encaminhá-lo para a Câmara dos Deputados, que apreciará a matéria no próximo ano. Essa é nossa expectativa.
O importante é que, ao final, teremos uma atualização do Código Civil com a capacidade de colaborar para mais segurança jurídica aos cidadãos.
Existe a expectativa de mudanças nas alterações propostas? E quanto tais mudanças podem interferir no prazo de tramitação?
O Congresso debaterá as atualizações sugeridas pela comissão de juristas.
Mas há um detalhe importante: a maior parte do Projeto – talvez cerca de 80% dele – não representa nenhuma inovação propriamente dita. Trata-se apenas de colocar, no texto legal, aquilo que a doutrina e a jurisprudência majoritárias já item atualmente. Isso é fundamental, porque dará maior estabilidade e previsibilidade às regras jurídicas, impedindo que o cidadão seja surpreendido por mudanças de posicionamentos.
Isso significa que grande parte do Projeto não gerará muitos debates, mas apenas atrairá eventuais retoques redacionais.
Os debates do Parlamento concentrar-se-ão em parcela pequena do Projeto, que efetivamente inova. E, ao que nos parece, a solução do projeto foi bem razoável e deverá sofrer poucas alterações no Parlamento.
O importante é que o debate transcorrerá abertamente, como acontece desde o nascedouro na comissão de juristas, e se sucederá, sem sombra de dúvidas, em um ambiente tão plural e democrático como é o nosso Parlamento.
O Sr. coordenou o livro “Reforma do Código Civil – artigos sobre a atualização da Lei nº 10.406/2002”, lançado no salão negro do Senado Federal, há cerca de 3 semanas. Qual o objetivo dessa obra?
Essa obra reuniu artigos dos membros da comissão de juristas e percorreu os principais aspectos do anteprojeto de atualização do Código Civil.
Cuida-se de uma referência para toda a comunidade jurídica compreender as atualizações e poder colaborar para o debate mais democrático e plural durante a tramitação legislativa. Esse é o objetivo da obra. Afinal, com mais conhecimento, os debates serão mais qualificados.
Se aprovado o PL 4/2025 com a redação apresentada, quantos artigos do Código Civil serão alterados, criados ou extintos? E que leis federais serão afetadas diretamente?
É preciso tomar cuidado com a mera referência numérica. Inúmeros dispositivos que serão atingidos envolvem mera atualização de palavras ou de correções. Outros vários dispositivos apenas estão a sofrer deslocamento geográfico de seu conteúdo para sistematização, com vistas à almejada operabilidade.
E outra parcela substancial de dispositivos, como já mencionamos, representa apenas a cristalização, em texto, daquilo que a doutrina e a jurisprudência pacíficas já item hoje, mesmo sem respaldo textual no Código Civil.
Feito esse esclarecimento, o Projeto envolverá, no total, 1.097 artigos do Código Civil: 100 da Parte Geral, 62 de Direito das Obrigações, 199 de Direito dos Contratos, 13 sobre Atos Unilaterais e Títulos de Crédito, 40 de Responsabilidade Civil, 122 de Direito Empresarial, 166 de Direito das Coisas, 196 de Direito de Família, 116 de Direito das Sucessões e 83 de Direito Digital.
Além disso, algumas leis federais extravagantes serão alcançadas por conexão, como a Lei de Registros Públicos. Mas isso é absolutamente secundário. O foco é o que ajustaremos no Código Civil.