Como outros fiéis em outras cidades, eles vêm de todas as partes do sertão, trazendo, além de sua devoção e pedidos de graças, relatos de devastação ambiental e das agruras que têm sofrido com lavouras e criações, diante das secas prolongadas, das tempestades devastadoras e das ondas de calor implacáveis em meio a eventos climáticos extremos.
Dos 55 municípios e alguns distritos levantados pela equipe de reportagem do Estado de Minas entre os citados no livro “Grande sertão: veredas” ou percorridos por Guimarães Rosa para escrevê-lo, Santo Antônio de Pádua é padroeiro de nove. Em seguida, com maior número de cidades que lhe rendem devoção, aparece Nossa Senhora da Conceição, padroeira de outras oito.
No total, os católicos do sertão de Guimarães Rosa direcionam sua fé a 23 padroeiros. Uma devoção que os ajuda a enfrentar as agruras e a degradação de suas terras e das tradições de suas comunidades, como mostra a 11ª reportagem da série “Veredas mortas” – referência ao primeiro título proposto pelo escritor para sua obra maior, há 70 anos, e que na atualidade evoca um perigo real e cada vez maior por aquelas bandas.
Mas chegar ao distrito no município de Chapada Gaúcha, só ível por estrada de terra em péssimas condições, já representa uma “via crucis”: são 38 quilômetros, que podem consumir mais de hora e meia. Nada disso desanima os fiéis, em multidão que chega a 60 mil pessoas nos três dias principais da festa, quando tomam a pracinha da Igreja Santo Antônio, as barraquinhas e ruas dos arredores do povoado às margens do Rio Acari.
“A gente vem para a festa para mostrar a nossa fé em Santo Antônio. Ver se tem uma salvação para esse mundo. É violência e poluição na cidade. E aqui a gente vê o povo indo embora. As coisas se acabando...”, diz a lavradora Maria do Carmo Oliveira dos Santos, de 60 anos, moradora de Januária, no Norte de Minas.
A água evaporou para a lembrança
A fartura de água e a arada que ela atraía, no entanto, ficaram na memória. “A gente não pode plantar arroz ou feijão mais sem irrigar com água de poço. A vereda secou e os rios não aguentam todo mundo tirando água”, afirma a produtora rural. “Tenho saudades daquela época. Meus filhos não vão ver mais os buritizais que a gente viu. Quantas paisagens bonitas acabaram...”, suspira Selma.
Identidade em agonia
“Muitas vezes, é o desmatar de forma ilegal ou a falta de um manejo sustentável que acabam com tudo. Trabalham a terra de qualquer forma, não se preocupam de fazer aceiros (corredores para impedir que o fogo e de uma área para outra)”, afirma o padre. Uma degradação progressiva e que se reflete em toda a região, observa Rodrigo Pacheco.
“O fogo, a seca e os desmates estão enfraquecendo o sertão. As árvores vão se perdendo e a gente vai vendo a morte do sertão e de tantas veredas, deixando os buritis como cemitérios. Quando eu cheguei aqui, era muita água. Ia muito na vereda da cachoeira da Arara Vermelha, que deságua no Rio Catarina. Dói o coração ver a quantidade de água só diminuir depois do grande incêndio que queimou a vereda”, testemunha o religioso.
A fibra e a fé do sertanejo, por outro lado, são motivo de esperança, segundo o sacerdote. “O que traz esperança é saber que a fé do sertanejo pode resistir a tudo isso e mudar. Veja a fé desses homens e mulheres vindos de tão longe. Trazidos pela sua fé”, diz, enquanto indica os devotos. “É o que precisa ser usado para defender o meio ambiente. Deus tudo pode e o sertanejo, com a sua simplicidade, suas manifestações culturais, tem esperança de que tudo vai mudar. Também acredito. Existe uma harmonia. Um sertão em todo mundo que precisa ser salvo”, afirma Rodrigo Pacheco.
A fonte da fé
Acompanhe a série
Esta reportagem integra a série “Veredas mortas”, do Estado de Minas, que toma emprestado o título inicialmente pensado por Guimarães Rosa para sua obra-prima, depois batizada “Grande sertão: Veredas”. As reportagens começaram a ser publicadas no domingo (14) e a íntegra das reportagens, galerias de fotos e vídeos estão disponíveis em nosso site.