
Tragédia em Mariana: vítimas ficam entre acordo no Brasil e ação em Londres
Para receber os recursos previstos no acordo, os envolvidos têm que se abster de ações que cobram a responsabilidade das empresas
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Siga noFOLHAPRESS - Os municípios e as famílias atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana (MG), têm pela frente uma decisão importante a tomar em relação à indenização pelo desastre. Nesta terça (5), a tragédia que matou 19 pessoas e despejou 43,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos no meio ambiente completa nove anos.
Para receber os recursos previstos no acordo de R$ 170 bilhões assinado por governos e mineradoras no Brasil, os envolvidos têm que se abster de ações que cobram a responsabilidade das empresas — no país e no exterior — sobre os danos já ressarcidos.
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Isso inclui o julgamento em Londres, em que o escritório inglês Pogust Goodhead propôs uma ação coletiva contra a BHP, mineradora anglo-australiana que controla, junto da brasileira Vale, a Samarco. A ação em curso prossegue até março, mas uma sentença só é aguardada para meados de 2025.
O valor de indenização nesse caso pode chegar a R$ 260 bilhões, e os recursos direcionados aos atingidos seriam, em tese, superiores ao que eles têm direito no acordo firmado no Brasil.
O julgamento na corte britânica, porém, tem destino incerto, e tanto mineradoras quanto o governo brasileiro avaliam que a repactuação já assinada tira força das ações contra as empresas no exterior.
No Brasil, Vale e BHP comprometeram-se a colocar R$ 100 bilhões em "dinheiro novo" para indenizar cerca de 300 mil famílias atingidas e 49 municípios —38 mineiros e 11 capixabas. Os recursos serão divididos entre indenização individual e ações para recuperação econômica e investimentos em saúde e saneamento nos territórios ao longo da bacia do Rio Doce.
A necessidade da escolha entre o acordo no Brasil e a ação na Inglaterra foi confirmada pelo ministro Jorge Messias, da AGU (Advocacia-Geral da União), que representou o governo federal nas negociações. Ele ressaltou que a é voluntária.
"Quem aderir [à repactuação] está optando pela Justiça brasileira. A Justiça de Londres está julgando o processo, ninguém sabe quando vai encerrar, e, se por acaso tiver ganho de causa, qual o valor arbitrado. O que nós estamos garantindo é um pagamento agora", afirmou Messias, no programa estatal Bom Dia, Ministro.
Entre os valores destinados às famílias, estão R$ 35 mil para aquelas que não conseguiram comprovar que foram diretamente afetadas pelo rompimento da barragem, além de outros R$ 95 mil a pescadores e agricultores.
A expectativa do governo é que cerca de 400 mil famílias recebam essa transferência direta, que seria feita em até 150 dias após a adesão ao acordo de repactuação. As famílias têm 90 dias para decidir sobre a indenização a partir da homologação do acordo na Justiça —que deve acontecer nos próximos dias.
Letícia Oliveira, integrante da coordenação nacional do Movimento Atingidos por Barragens (MAB), diz que a entidade está orientando as famílias afetadas sobre as duas possibilidades, mas afirma que o ideal seria que as pessoas aguardassem o processo em Londres.
"A gente orienta para tomar uma decisão sem pressão, mas às vezes as pessoas não conseguem esperar. A situação é tão séria nove anos depois [do desastre] que muitas pessoas não receberam nada, e não conseguem esperar", diz Oliveira.
Uma das atingidas que teria direito à indenização do acordo no Brasil é Simone Silva, liderança quilombola da Comunidade de Gesteira e que faz parte da Comissão de Atingidos de Barra Longa (MG).
Ela afirma que não irá a repactuação e irá esperar pela ação na corte britânica.
"Vou lutar para essa ação em Londres continuar, que nem é tanto por dinheiro, mas por justiça. Quantos dos nossos já morreram ao longo desse processo sem reparação —", questiona. Ela afirma que sua filha Sofya, hoje com 9 anos, tem sequelas de intoxicação por causa do acidente.
Já entre os municípios, a divisão também parece existir. O prefeito de Colatina (ES), Guerino Balestrassi (MDB), é vice-presidente do Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce) e afirma que muitas cidades são favoráveis ao acordo no Brasil.
Já Juliano Duarte (PSB), que foi eleito neste ano e irá assumir a gestão de Mariana a partir do ano que vem, afirma que os R$ 2,2 bilhões que seriam destinados ao município pelo acordo estão aquém do que a cidade deveria receber.
"Uma das críticas dos prefeitos é em relação ao prazo de pagamento, em até 20 anos. Esse valor deveria chegar de imediato. E Mariana irá receber um valor muito pequeno, sendo que foi o município mais atingido, com perda de receita e desemprego da população", afirmou o prefeito eleito.
Após a homologação do acordo de repactuação, as cidades têm até 120 dias para decidir se vão ou não. Duarte defende que os prefeitos não devem ter pressa para aderir ao acordo e aguardar nesse período o andamento da ação na Inglaterra.
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Procurado, o Pogust Goodhead afirmou que a ação inglesa tem como principal objetivo responsabilizar publicamente a BHP pela tragédia de Mariana e representa uma oportunidade única para que as vítimas possam contar suas histórias.
A BHP diz que sempre esteve comprometida com as ações de reparação e que o processo no Reino Unido duplica questões que já são cobertas pelo trabalho de reparação conduzido no Brasil, além de prejudicar os esforços de reparação que acontecem no país.