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Mineração

Barragens em alerta: por que a temporada de chuvas agrava o risco em Minas?

Aumento do alerta em barragens de mineração em Arcos, no Centro-Oeste de MG, expõe ameaça para estruturas e traz memória de tragédias

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Com um maciço quatro metros mais alto do que o previsto em projeto de licenciamento e retendo mais de um terço acima do volume licenciado, a Barragem B2 da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) Cimentos, em Arcos, no Centro-Oeste de Minas Gerais, teve seu nível de alerta de estabilidade agravado justamente nos piores meses deste período chuvoso em Minas (outubro de 2024 a março de 2025), segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM). O quadro é uma amostra de como várias estruturas no estado tiveram sua condição de segurança agravada pela pressão trazida pelo aumento das precipitações, aliado às fortes tempestades resultantes de eventos extremos atribuídos às mudanças climáticas.


No caso da estrutura da CSN em Arcos, um rompimento pode desprender uma onda de sedimentos com potencial para colapsar a barragem abaixo, a B3, que também teve seu nível de emergência agravado, ameaçando cerca de 100 pessoas, além de fazendas de gado, plantações, usinas fotovoltaicas, duas rodovias, dois segmentos de uma ferrovia, o Rio Candongas – afluente do Rio São Francisco –, seus afluentes e matas galeria. A empresa afirma que as estruturas estão estáveis e terão reforços além do exigido.


A piora na condição de risco de reservatórios de rejeitos espalhados pelo estado justamente na temporada de chuvas evidencia situações consideradas por especialistas entre os mais graves gatilhos para rompimentos de barragens. Ameaça que traz à memória tragédias como as que atingiram Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019, que resultaram em um total de 291 vidas perdidas e em devastação socioambiental que ainda demanda reparação.

 


De acordo com levantamento da reportagem do Estado de Minas junto à ANM, entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, o número de barragens desativadas (inativas) aumentou 50%, ando de 26 estruturas para 39, a maioria justamente no mês de maior intensidade de chuvas, que foi janeiro. “O aumento do número de estruturas inativas se deve, principalmente, à ação de fiscalização da ANM, no sentido de checar e exigir dos empreendedores a atualização das informações constantes no Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração (SIGBM) e às mudanças naturais no status operacional das barragens, por questões como (o fim da) vida útil da barragem, ou por questões operacionais, por exemplo”, informou a ANM.


Segundo definição da ANM, uma barragem de mineração inativa ou desativada é uma “estrutura que não está recebendo aporte de rejeitos ou sedimentos oriundos de sua atividade fim, mantendo-se com características de uma barragem de mineração e que não se enquadra como barragem abandonada”.


As barragens desativadas pela fiscalização podem ser embargadas caso não sejam capazes de reter mais rejeitos ou sedimentos. “Se uma barragem, independentemente do período seco ou chuvoso, não ar receber aporte em seu reservatório, significa que não há segurança hidráulica e geotécnica, o que implica embargo imposto pela ANM”, frisa a agência. Nada menos do que 40 barragens se encontram embargadas em Minas Gerais neste período chuvoso.


Uma ameaça que permanece ativa


“Embora desativadas, essas barragens continuam apresentando riscos similares aos de uma barragem ativa, necessitando de manutenção constante, monitoramento por instrumentos etc. Em termos de segurança e prevenção, são barragens que demandam exatamente os mesmos cuidados das barragens ativas”, alerta o engenheiro e presidente do Instituto Fórum Permanente São Francisco (FPSF), Euler de Carvalho Cruz.


Em termos de segurança estrutural, o total de barragens de Minas Gerais em Nível de Alerta – classificadas dessa forma quando apresentam anomalias estruturais, mas sem risco imediato – até caiu entre dezembro e janeiro, de 19 para 13. Contudo, duas delas saíram dessa classificação exatamente porque sua situação piorou, entrando em Nível de Emergência 1 – quando as anomalias evoluem para danos que precisam ser controlados ou há falta de comprovação de estabilidade na barragem. Esse quantitativo ou de 20 para 22 no período.


O total de estruturas em pior situação se manteve, sendo quatro em Nível de Emergência 2, que indica danos não controlados após intervenção e necessidade de retirada da população abaixo da estrutura – e duas em Nível de Emergência 3, atingido quando a ruptura da barragem é considerada iminente.


Situação crítica em reservatórios de Arcos


O agravamento do alerta de instabilidade das barragens B2 e B3 da CSN Cimentos, em Arcos, no Centro-Oeste de Minas, é o quadro mais preocupante entre as estruturas monitoradas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) no estado nesta estação chuvosa de 2024/25. Segundo avaliação do engenheiro e presidente do Instituto Fórum Permanente São Francisco (FPSF), Euler de Carvalho Cruz, as estruturas combinam características preocupantes principalmente com o aumento de chuvas.


“Conforme informações da ANM, as duas estruturas apresentam várias condições de risco, incluindo possíveis falhas de projeto, dimensões e volumes superiores aos valores licenciados, falhas de manutenção e insurgência (vazamentos) de água sem medidas corretivas necessárias”, enumera.


Em termos de estabilidade, até dezembro as duas barragens estavam em Nível de Alerta, condição em que há anomalias estruturais, mas sem risco imediato. Contudo, em janeiro, as estruturas tiveram a situação agravada e entraram em Nível de Emergência 1, quando os problemas iniciais se transformam em danos que precisam ser controlados na barragem ou há falta de comprovação de estabilidade.


Segundo a ANM, a mudança ocorreu devido à apresentação pela CSN Cimentos “de Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) negativa (sem estabilidade garantida) referente à Revisão Periódica de Segurança de Barragem (RPSB)”. As duas estruturas estão em fase de descaracterização, o que significa que têm projetos para serem desmanchadas, acrescenta a agência.


O presidente do FPSF observa que as duas construções foram feitas há 50 anos e, de acordo com a ANM, já não existe o projeto original, com desenhos construtivos e cálculos, o que é fundamental para haver segurança sobre a estrutura. O mesmo ocorre com relação aos documentos de acompanhamento da construção, que possibilitam saber se ela foi feita de acordo com o projeto.


As duas estruturas em Arcos têm taludes (as barragens ou maciços propriamente ditos) íngremes, que são mais sujeitos a erosões e desmoronamentos. “A B2 está logo a montante (acima) da barragem B3. Se a B2 se romper, o material nela contido cai no reservatório da barragem B3, podendo provocar o rompimento dessa B3”, alerta Euler Cruz, acrescentando que a capacidade máxima de eliminar água do reservatório superior é cerca de 12 vezes maior que o do inferior.


Com quase 427 mil metros cúbicos (m3) de sedimentos e água, a Barragem B2 opera com um excesso de 77,8% em relação à sua capacidade máxima licenciada, segundo a ANM, que é de 240 mil m3. Um volume extra equivalente a mais de um terço do permitido.


A barragem abaixo, a B3, contém 733,4 mil m3 de sedimentos. Em ambas a ANM indicou a existência de “umidade ou surgência (infiltrações) nas áreas de jusante (paredes externas da barragem voltadas para o sentido da água que deixa o reservatório), além de paramentos, taludes ou ombreiras (estruturas que se apoiam no terreno e constituem o barramento construído) sem implantação das medidas corretivas necessárias”.


O dano potencial em caso de colapso


O rompimento de uma ou das duas estruturas da CSN em Arcos pode ser devastador. Em caso de colapso, a mancha de inundação, segundo trabalho elaborado por uma consultoria contratada pela empresa, mostra que a avalanche de água e rejeitos encobriria os trilhos de um ramal ligado à Ferrovia Centro Atlântica (FCA), descendo no sentido da rodovia MG-170 na localidade de Boca da Mata. A via estadual seria cortada. A massa de lama escoaria sobre fazendas, um haras e uma usina fotovoltaica, chegando até o Rio Candonga, um importante afluente do Rio São Francisco, dotado de densa vegetação de mata ciliar, que sofreria forte impacto.


O leito do Rio Candonga se tornaria o caminho pelo qual a devastação seguiria avançando por mais fazendas, sítios e pequenos povoados, até ar pela pequena ponte de 36 metros de comprimento e cinco metros de altura na BR-354, que liga as cidades de Formiga e Bambuí, podendo também interrompê-la. Essa onda aria mais uma vez sobre a FCA e depois de mais fazendas de gado e sítios arrasados, se espraiaria em uma região de pastos também dentro do município de Arcos, totalizando um trajeto de 14 quilômetros de destruição.


Segundo a ANM, a Categoria de Risco (CRI) e o Dano Potencial Associado das duas barragens são considerados altos. O impacto ambiental diretamente abaixo é classificado como pouco significativo, devido a não apresentar “área de interesse ambiental relevante ou áreas protegidas em legislação específica”. Apesar da ameaça a pessoas e propriedades, o impacto socioeconômico é avaliado como baixo, devido à “pequena concentração de instalações residenciais, agrícolas, industriais ou de infraestrutura de relevância socioeconômico-cultural na área afetada a jusante (abaixo) da barragem”.


O que diz a mineradora


A CSN Cimentos Brasil informa que as barragens B2 e B3 da unidade de Arcos estão em processo de descaracterização aprovado pelas autoridades e sustenta que não tiveram alterações em sua estabilidade ou problemas estruturais que possam trazer risco à sua segurança. “As barragens estão estáveis e seguem com seus fatores de segurança inalterados, conforme demonstram as auditorias externas semestrais, que emitiram Declaração de Estabilidade Positiva para ambas em setembro de 2024, assim como todas as demais auditorias e monitoramentos”, afirma.

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“A recategorização do nível de emergência das barragens para Nível 1 está relacionada à necessidade de realizar pequenas intervenções apontadas pela Revisão Periódica de Segurança de Barragens (RPSB), que ocorre a cada 3 anos, e que recomendou, de forma conservadora, a implementação de ações preventivas pontuais considerando um cenário de chuvas ainda mais severo, da ordem de 547mm em um único dia, quando o pico da média para a região é de 290mm em 30 dias”, afirma a CSN Cimentos.


“Para a barragem B2, foi recomendada obra para construção de um extravasor adicional, já devidamente concluída. Para a barragem B3 foi orientada a construção de uma mureta de 50cm, visando uma possível contenção de onda eólica, em caso de um evento extremo, o que está em fase final de execução. A previsão é de que as intervenções sejam concluídas no mês de março de 2025 e com isso as barragens retornam ao nível zero de emergência”, sustenta a empresa.

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