Pouco mais de cinco meses após a reabertura do primeiro trecho revitalizado, a Rua Sapucaí, um dos cartões-postais de Belo Horizonte, já exibe marcas de pichação e depredação. Bancos de alvenaria, postes de iluminação e até lunetas instaladas para contemplação dos murais do Projeto Cura foram alvos de intervenções não planejadas.

A prática, que divide opiniões entre moradores, comerciantes e especialistas, reacende o debate sobre a ocupação do espaço público e os limites entre arte, resistência e vandalismo. O projeto de requalificação da Rua Sapucaí, no Bairro Floresta, região Centro-Sul, faz parte do programa Centro de Todo Mundo, da Prefeitura de Belo Horizonte, que busca revitalizar áreas centrais da cidade. As obras começaram no ano ado e estão previstas para serem concluídas no primeiro semestre de 2025, com um investimento de R$ 4,6 milhões.

No trecho da rua já liberado, em setembro do ano ado, foram instalados novos bancos de alvenaria, ladrilhos hidráulicos e pedra portuguesa. No entanto, antes mesmo da conclusão das intervenções, as pichações já estão presentes. Os bancos recém-instalados estão cobertos por letras entrelaçadas. Até as lunetas, instaladas para irar a vista, e as luminárias dos postes antigos foram pichadas.

Às pichações, somam-se também o desgaste precoce dos bancos e do piso que, conforme apurado pelo Estado de Minas, já apresenta danos, possivelmente causados por skatistas que utilizam a área para manobras. Em duas lixeiras, há poemas escritos à caneta por grafiteiros, semelhante às obras do artista Felipe Arco, que foi processado pela prática em 2017 e denunciado à Polícia Civil.

A obra continua no segundo e terceiro quarteirões da rua. Finalizadas as intervenções, a Rua Sapucaí será convertida em um boulevard — trecho sem carros, voltado a lazer, diversão e gastronomia, à exemplo do quarteirão fechado da Praça da Savassi, na Região Centro-Sul de BH.

Em coletiva de imprensa na manhã desta quinta-feira (27/2), o prefeito em exercício Álvaro Damião (União Brasil) fez um apelo para que a população ajude a preservar o espaço. “Vamos cuidar daquilo que a prefeitura está fazendo”, disse. Ele estendeu o pedido também a outros espaços públicos, como o recém-instalado banheiro autolimpante da Praça da Estação e os pontos de ônibus.

A legislação brasileira classifica a pichação como crime ambiental, conforme a Lei 9.605/98, artigo 65. A pena pode variar de multa — entre R$ 800 e R$ 3,8 mil — até um ano de prisão. Se a pichação for feita em monumentos ou bens tombados, a multa pode chegar a R$ 14,4 mil no caso de reincidência.

Entre resistência e vandalismo

Para a arquiteta e urbanista Cláudia Pires, ex-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil em Minas Gerais (IAB-MG), não há como tratar a pichação como algo natural em um espaço recém-requalificado. “Você está fazendo uma requalificação do espaço público, não pode, a partir de uma decisão pessoal, vandalizar o lugar”, pontua Cláudia. 

Para ela, ainda que os movimentos de pixo sejam uma forma de resistência, essa ação na Sapucaí não se encaixa nesse contexto e demonstra “desprezo pelo patrimônio público”. Ao mesmo tempo, a especialista também critica a falta de diálogo entre a istração municipal e a população nas intervenções do programa Centro de Todo Mundo.

A prática da pichação desperta reações distintas entre quem frequenta e trabalha na Rua Sapucaí. Ali, onde a arte urbana tem espaço garantido com os murais do Circuito de Arte Urbana (Cura), muitos enxergam as intervenções como uma continuidade dessa tradição. Há quem veja a pichação como forma legítima de expressão, como é o caso do morador Ryan Nascimento, de 29 anos. “Quem vem aqui já espera isso”, diz. Ele acredita que é uma forma das pessoas que ocupam o espaço mostrarem que estavam ali. 

A profissional de TI Aline Souza, de 28 anos, acredita que os escritos nos bancos agregam à paisagem. "É uma forma de expressão", diz. O empresário Alfredo Lanna, sócio em estabelecimentos na Sapucaí, ressalta que muitos dos artistas do Cura começaram no pixo. “O pixo está ali como já está em todas as cidades, da rua às galerias de arte e grifes importadas. A Sapucaí continuará linda só de termos milhares de pessoas ando e frequentando semanalmente”, conclui Alfredo. 

Ainda que muitos vejam as pichações como arte, há aqueles que se preocupam com os impactos na estética e na valorização do espaço. Daura Maria, de 60, que trabalha em um comércio na Sapucaí, desaprova a pichação nos bancos recém-instalados e defende que o visual da Sapucaí fica comprometido. “Acho muito triste. Especialmente porque os bancos foram inaugurados agora”, lamenta.

Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia

O grupo de amigos Guilherme Costa, de 18 anos, Angelina Mendes, de 18, Pedro Henrique Ramos, de 19, e Brenda Costa, de 19, também reprova a prática. Eles enxergam a pichação como um ato de destruição e destacam que a lei brasileira a considera crime. No entanto, reconhecem que não há como impedir completamente a prática. Procurada pela reportagem, a PBH informou que a Superintendência de Limpeza Urbana fará uma vistoria no local e irá providenciar a remoção das pichações.

*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice

compartilhe