MG: filhotes de lobo-guará sobrevivem após incêndios no Santuário do Caraça
Nascimento de dois canídeos durante incêndio alegra especialistas e reforça a necessidade de preservação e monitoramento da espécie
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Siga noApós os incêndios que atingiram o complexo Santuário do Caraça, localizado nas cidades de Catas Altas e Santa Bárbara, na Região Central de Minas Gerais, entre setembro e outubro do ano ado, especialistas se perguntavam se dois filhotes de lobo-guará conseguiriam sobreviver. A natureza surpreendeu: eles resistiram. O caso reforça a importância da preservação e do monitoramento da espécie, símbolo do cerrado e de Belo Horizonte.
O Santuário do Caraça chama atenção de nativos e turistas por vários motivos: a história, as belezas naturais que o cercam e, claro, por proporcionar o contato com os lobos-guarás. O casal de lobos que mais aparece nas escadarias do lugar para divertir os visitantes é Sampaia e Zico.
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Na época em que fortes incêndios florestais atingiram a região, Sampaia estava prenha, e os especialistas se perguntavam se os “lobinhos” conseguiriam sobreviver em um cenário devastador. A toca, feita pela mãe para dar à luz, foi destruída pelo fogo.
Douglas Henrique da Silva, biólogo e coordenador do santuário, conta que o incêndio acabou com mais de cinco hectares de mata, inclusive um território importante, muito utilizado pela espécie que habita a região do Caraça.
Sampaia e Zico, nascidos em 2023, já são adultos e, por esse motivo, possuem um colar de monitoramento. Durante o desastre, os movimentos dos dois conseguiram ser vistos pelos especialistas. Os colares são equipados com sistema de rádio e receptor de satélite; a cada hora, a localização dos animais é notificada.
Douglas destaca que imagens feitas por armadilhas fotográficas, outra ferramenta que ajuda no monitoramento dos canídeos, registraram os dois filhotes. Em 14 de fevereiro de 2025, eles apareceram no complexo acompanhados de Sampaia, comprovando a sobrevivência. Segundo o biólogo, hoje os filhotes têm por volta de seis meses.
Monitoramento dos lobos
Tanto o colar quanto as armadilhas fotográficas fazem parte do projeto “Turismo de observação do lobo-guará como ferramenta de conservação”, uma iniciativa do Instituto Pró-Carnívoros, viabilizado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio da Plataforma Semente.
Ricardo Boulhosa é pesquisador do instituto. Ele relata que parte de sua ocupação é capturar os animais. Até o momento, quatro animais (contando os pequenos) foram recolhidos e estão sendo monitorados. Assim que a equipe pega os lobos, eles am por uma série de exames, e há a coleta do sangue. Depois, são devolvidos para a natureza, onde estavam.
É nessa captura que os animais recebem as coleiras. Boulhosa assegura que o ório não machuca os guarás. “É um material muito leve. Elas (as coleiras) são programadas para abrir em determinado momento. Os lobos-guarás não ficam com elas durante a vida toda”, diz.
Ainda de acordo com o pesquisador, apenas adultos podem ser equipados com a coleira. Ele explica que como estão em processo de crescimento, o pescoço pode aumentar, e, então, corre-se o risco de machucá-los.
Também faz parte do trabalho de Ricardo conversar com a população ao redor, entender como as pessoas percebem esse animal ou se há algum conflito entre as pessoas e os lobos.
Essa parte do serviço chama-se “dimensões humanas” e é fundamental para conscientizar as pessoas a respeito do canídeo, tão importante para a fauna mineira. “Pode ser que aconteça algo com os moradores de Barão de Cocais (município das redondezas), que, por exemplo, que deixam as galinhas soltas na casa ou no sítio. Nesse caso, as galinhas podem muito bem se tornar presas dos lobos-guarás. É natural, mas muita gente não entende e acaba nutrindo um ódio pelos lobos”, explica.
Continuidade do projeto
O “Turismo de observação do lobo-guará como ferramenta de conservação” existe desde outubro de 2023. Até o momento, o contrato com a Plataforma Semente vai até outubro de 2025. E Douglas reforça como a iniciativa é importante. Ele e a equipe do Santuário do Caraça desejam que o projeto se prolongue por muito mais tempo.
O biólogo afirma ainda como é crucial o “patrocínio” do Ministério Público. “Graças a ela (Plataforma Semente) é que tivemos o a esses aparelhos tecnológicos”, informa.
“Com as ferramentas, conseguimos entender os comportamentos do lobo, a saúde, para onde vão depois que saem da área de preservação do Caraça, se sobrevivem depois daqui…”, continua Silva.
Para a espécie, os especialistas explicam que é comum que não haja muitos lobos em um lugar só. Anteriormente, já foram capturados pelos responsáveis do santuário oito animais: Francisco, o irmão Vicente, Petrina e Lourenço. Todos esses, ao crescer, saíram da área de preservação do Caraça.
Como não havia todas essas ferramentas de monitoramento quando eles ainda estavam no complexo, Douglas lamenta não saber por onde eles andam.
O lobo não é mau
Parte da conscientização que Douglas e Ricardo defendem é desmistificar lendas e inverdades que dizem sobre os guarás. A “Hora do lobo" acontece todas as noites no santuário. O objetivo é sensibilizar as comunidades do entorno e os hóspedes do santuário. “Dessa forma, as comunidades do entorno serão sensibilizadas da importância dessa espécie nativa dentro do Santuário do Caraça, mas também nas proximidades. Isso porque ele é importante, já que é um dispersor de sementes e um animal que controla alguns roedores, serpentes...”, destaca Silva.
O pesquisador Boulhosa afirma que, por causa da cultura ocidental, existe a crença entre os brasileiros de que todo lobo é mau. “Esse nome 'lobo', inclusive, não é um bom termo para a espécie. Isso é por causa do tamanho dele. Associamos o termo 'lobo' aos animais de origem europeia, dos filmes”, cita.
E não é o caso. Ricardo garante que os lobos-guarás são “animais tímidos”, quase nunca atacam seres humanos. Com as presas é diferente. Eles comem mesmo galinhas e carpas, por exemplo. Moradores já reclamaram dos animais terem invadido as residências para se alimentar.
O trabalho de conscientização promovido pelos especialistas também se preocupa em resolver questões como essas. “Vamos ensinar aos habitantes qual a melhor forma de lidar com os lobos, o que fazer caso um deles apareça nas casas ou sítios. Queremos promover educação ambiental”, comenta Ricardo.
Como ficam os filhotes
Os filhotes de Sampaia seguem vivos e sendo cuidados por profissionais como Douglas e Ricardo. Apesar de os pequenos guarás não poderem usar a coleira ainda, as armadilhas fotográficas capturam seus movimentos.
Por enquanto, eles não têm nome. Futuramente, a ideia é abrir uma votação para o público decidir suas alcunhas. “Quando colocamos nome nos animais, a gente cria um carinho maior. Acreditamos que vai ser importante para criar laços mais fortes entre os visitantes do Caraça e os lobos”, finaliza o biólogo.
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*Estagiária sob supervisão do subeditor Thiago Prata