Morador do JK entra na Justiça para andar com cachorro pelo condomínio
Condomínio notificou morador afirmando que só era permitido animais no colo no espaço comum do famoso edifício de Belo Horizonte. Caso foi parar na justiça
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Siga noUm morador do Edifício JK, no centro de Belo Horizonte, entrou na Justiça para poder ar com o cachorro pelas áreas comuns do condomínio. Marco Antonio de Oliveira, de 62 anos, foi notificado por andar com dois cães na coleira pelo espaço do edifício.
Segundo Marco, em fevereiro, ele recebeu uma notificação extrajudicial do condomínio solicitando que ele fosse até o cartório para receber um documento. A notificação afirmava que o morador é “violador contumaz” das regras de o às áreas comuns do prédio com animais de estimação. O documento ainda afirma que a regra do condomínio é de que o animal deve ser, sempre, conduzido no colo e é obrigatório o uso de coleira, mesmo que o animal esteja no colo. Como justificativa da notificação, o condomínio afirma que ear com animais que não estejam no colo é contra o regulamento interno do edifício. Porém, segundo o regulamento interno do JK de 2019, “o morador que descer com o animal deverá trazê-lo no colo ou na corrente”.
Marco, que vive no JK há 34 anos, explica que eia com o próprio cachorro e com o animal de uma vizinha, e que, apesar de serem de porte pequeno, os dois têm, em média, 15kg cada, o que impossibilita carregar os animais no colo ao mesmo tempo.
“Recebi a notificação com muita surpresa. Já uso as escadas normalmente porque os elevadores estão sempre quebrados. Como ando com dois cachorros, carregar os dois é uma tarefa impossível. Outro ponto abusivo da notificação é o desconforto e perigo de lesão na coluna dos cachorros (caso os dois sejam carregados ao mesmo tempo”, explicou Marco.
Ao levar o regulamento de 2019 do condomínio à gerência do JK, Marco recebeu como resposta que a medida de carregar o cachorro no colo para ar pela área comum do prédio foi votada em assembleia, mas a ata da reunião nunca foi apresentada.
Além da notificação, o morador também recebeu o boleto do condomínio com um acréscimo de quase R$ 200 como “despesas de cartório”. Ao receber a documentação, Marco fez um boletim de ocorrência.
Ainda segundo o morador, ele não é o único a enfrentar problemas com a agem de animais pela área comum do condomínio. “Outros vizinhos também estão ando perrengue ou deixando de sair por não aguentar carregar o animal. Muitos se mudaram”.
Mesmo tentando conversar com o gerente do condomínio, Marco continuou sendo notificado sobre andar com os cachorros no colo. Ele entrou na justiça, mas, na audiência de conciliação, a parte do edifício não compareceu. Ao questionar o gerente do JK sobre a ausência na audiência, Marco recebeu como resposta: “Não perdemos tempo!”.
Até ter o resultado na justiça, o morador carrega o cachorro da vizinha no colo e o dele anda em cima de um skate na área comum do prédio. “O cachorro que eu saio é de uma idosa de mais de 80 anos e eles querem que ela carregue o animal que pesa 15 kg”.
A reportagem do Estado de Minas entrou em contato com o gerente do condomínio do Edifício JK, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto.
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O que diz a lei e a OAB
Segundo o advogado Kevin de Sousa, mestre em Direito com formação em Contratos pela Universidade de Harvard, especialista em Direito Imobiliário e Privado, o condomínio não pode obrigar o transporte do animal em áreas comuns do prédio exclusivamente no colo.
“A convenção do condomínio não pode limitar que o transporte do animal seja no colo. Não faz qualquer sentido no ponto jurídico. O condomínio pode proibir que o animal permaneça na área comum, mas a agem não pode ser limitada”.
Marco fez contato com a Comissão de Direitos dos Animais da OAB, que respondeu que o condomínio impor regras de transporte de animal no colo nas áreas comuns fere o direito de propriedade do morador, bem como o princípio da dignidade humana assegurados pela Constituição Federal.
“Infelizmente, alguns condomínios, ou por desconhecerem a lei ou de maneira arbitrária e abusiva estipulam regras como exigir que os pets sejam carregados no colo nas áreas comuns até a rua externa do local quando sair do apartamento, proibindo o transporte deles no chão, muitas das vezes sob pena de multa. Ocorre que, em alguns casos, ocorrem situações como o fato de o morador não ar o peso do animal pelo seu tamanho, ou possui mais de um animal, ou possui idade avançada, ou algum problema de saúde que o impossibilite de transportar o animal no colo”, explica o documento assinado pela advogada e presidente da Comissão de Direito dos Animais da OAB, Daniela Recchioni Barroso.
A comissão ainda afirma que, mesmo que a convenção de condomínio ou o regimento interno preveja regras, o transporte do animal no colo não pode ser exigido e que as normas condominiais internas devem se adequar às leis e o direito de transitar pelas áreas comuns é inerente ao direito de propriedade de cada condômino, sendo esse uma garantia prevista na Constituição Federal.
“O que o condomínio pode fazer é exigir regras de boas maneiras e convivência, como, por exemplo, impor o uso obrigatório de coleiras e guias ou exigir que o morador limpe a sujeira do seu pet nas áreas comuns. O direito de ir e vir do guardião do animal estende-se ao seu pet. Assim, abordagens feitas por vizinhos, síndicos ou porteiros, aos condôminos que têm animais nas suas companhias, que os obrigue a transitar pelas escadas, proíba-lhes o uso do elevador, ou ainda que exijam o transporte no colo configuram constrangimento ilegal, do mesmo modo regras que proíbam o o de animais de visitantes”.
Problemas antigos
Projetado em 1952 pelo renomado arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012), o conjunto JK conta com 1.139 apartamentos em duas torres - sendo que a mais alta possui 34 andares e a menor outros 22 - criando uma verdadeira cidade vertical abrigando uma população estimada de 5 mil moradores.
Há cerca de dois anos, o conjunto JK recebeu o tombamento definitivo pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município (CDPCM-BH). Conquista celebrada pelos moradores como uma forma de proteger o Patrimônio de qualquer intervenção que possa descaracterizá-lo. Por outro lado, os problemas internos do edifício ainda incomodam os habitantes.
Apesar de fazer parte da história da cidade, o condomínio se mantém há anos nas manchetes da capital devido às reclamações de moradores e a uma série de decisões controversas da istração gerida pela síndica. Em dezembro de 2022, o conselho istrativo determinou a criação de um código de vestimenta para que os condôminos pudessem ser atendidos. "Se o senhor quiser ser atendido na istração, deverá comparecer com vestimentas adequadas ao ambiente de trabalho", avisa o comunicado.
Em dezembro de 2024, Maria Lima das Graças foi reeleita para seu 38º mandato, em eleição de chapa única. Em assembleia, também foi apresentado e aprovado temas como a aplicação de multa a quem 'tumultue' reuniões e de medidas judiciais ao morador que “difamar” a imagem do conjunto projetado por Oscar Niemeyer.
Segundo uma moradora do condomínio que preferiu não se identificar, a assembleia foi “confusa e abstrata”. Isso porque o momento foi marcado pela leitura rápida dos itens da ata pelo advogado do condomínio, Ércio Quaresma, sem que houvesse tempo de objeções. E, caso houvesse algum questionamento, a istração alegava que não poderia voltar um item para discussão.
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“Todas [as medidas] foram aprovadas porque a gente não tem como não aprovar. A síndica tem procurações de moradores, ela é a proprietária de vários imóveis, então ela mesma, sentada na mesa, aprovava os itens”, contou a mulher. A síndica também foi reeleita na assembleia ao 38º mandato, em eleição de chapa única, na qual o possível adversário precisaria apresentar um caução de R$ 4 milhões.