PATRIMÔNIO

Prefeitura de Diamantina afirma que asfaltamento foi autorizado pelo Iphan

istração municipal defende que a intervenção na Rua Jogo de Bola não compromete os critérios definidos pela Unesco

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A Prefeitura de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, afirmou no fim da tarde desta quarta-feira (30/04) que “em nenhum momento” o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) se manifestou a favor da retirada do asfaltamento da rua Jogo da Bola. A istração municipal ainda defendeu que a pavimentação não compromete os critérios definidos pela Unesco. 

A declaração ainda afirma que a decisão foi tomada considerando os impactos de drenagem e hidrológicos, e reiterou o compromisso de preservação, “em consonância com os valores reconhecidos pela Unesco”. 

A postagem da Prefeitura de Diamantina ainda apresenta uma nota do Iphan, que reitera o posicionamento de que a Rua Jogo da Bola se encontra fora do perímetro tombado e que não houve objeção ao asfaltamento por parte do Instituto.

“Embora não esteja em área protegida, o projeto de asfaltamento foi analisado com atenção devido a sua proximidade com o Sítio de Tombamento. Foi exigido recuo de pelo menos uma quadra, mantendo o calçamento em pedra na quadra final antes da divisa com a Rua Vicente Figueiredo, integrante da área tombada, de forma a preservar a ambiência do conjunto tombado”, explicou o Iphan. 

Entretanto, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), organização não governamental global associada à Unesco, solicitou a retirada imediata do asfalto para que a cidade não perdesse o título de Patrimônio Mundial pela Unesco.

Leonardo Barci Castriota, professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explicou que é possível reverter a obra e que, quanto mais recente, mais fácil remover o asfalto sem grandes danos à pavimentação original.

“A retirada do asfalto pode ser feita com equipamentos apropriados, desde que a execução respeite técnicas de conservação e evite danificar o pavimento original em pedra. A operação, no entanto,  exige mão de obra qualificada e pode ter custo elevado, especialmente se houver necessidade de recomposição das pedras, rejuntamento com cal, ou recuperação de alinhamentos”, avalia Castriota.

Título em risco

O centro histórico de Diamantina recebeu dois tombamentos. O primeiro foi feito em 1938 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em dezembro de 1999, a cidade foi reconhecida como Patrimônio Mundial pela Unesco.

Cerca de duas semanas depois do asfaltamento da Rua Jogo da Bola, o Icomos emitiu um alerta à prefeitura da cidade sobre os riscos que Diamantina corre com a pavimentação de ruas do centro histórico. No documento do Icomos solicita a imediata reversão da pavimentação das vias no centro histórico da cidade, de forma a “resguardar os valores e compromissos assumidos quanto à proteção do conjunto”. 

Na nota de alerta à istração municipal, enviada em 22 de abril, dez dias após o asfaltamento da Rua Jogo da Bola, o Icomos Brasil informou que a pavimentação realizada em ruas no centro histórico incide sobre a área delimitada pela Unesco como zona central de proteção e que os “valores considerados para o reconhecimento do título — Valor Universal Excepcional, autenticidade e integridade do bem — estão sendo ameaçados pela atual ação de pavimentação.” 

No comunicado, o Icomos Brasil destacou que o pavimento de pedras capistranas ainda subsiste sob o asfalto aplicado, mas não entrou em detalhes sobre a maneira em que a remoção deve ser feita e as condições em que o pavimento pré-existente seria encontrado. 

O Icomos Brasil informou que vai aguardar as providências cabíveis antes de comunicar à Unesco e antes de realizar a primeira ação prevista para casos como esse, que é a emissão de um alerta patrimonial. “Ações não conformes podem colocar o bem reconhecido na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo, o que pode levar, em última instância, à perda do título”, ressaltou o conselho. 

O parecer emitido pelo Iphan consta que a substituição do calçamento por asfalto foi permitida exclusivamente no trecho entre a esquina da Rua Juca Neves e a Avenida da Saudade, por estar fora da poligonal do tombamento federal. O documento também ressalta que no entorno de áreas tombadas o uso de materiais alternativos deve respeitar diretrizes específicas, como a preservação da ambiência urbana e a manutenção do aspecto irregular do piso, sempre que possível.

Rua Jogo da Bola 

A Rua Jogo da Bola foi pavimentada às vésperas da Semana Santa e dividiu opiniões entre moradores, especialistas e o poder público. A obra foi feita a poucos metros do Centro Histórico tombado pelo Iphan. Embora o trecho asfaltado esteja fora da poligonal oficial de tombamento, trata-se de uma área de entorno imediato, vizinha de ícones como a casa de Chica da Silva e a Escola Júlia Kubitschek, projetada por Oscar Niemeyer e, atualmente, em processo de inventário pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha).

Em vídeo publicado nas redes sociais, o prefeito Geferson Burgarelli, conhecido como Paquito (MDB), que também é vice-presidente da Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais, agradeceu aos trabalhadores envolvidos na obra, ressaltou que tudo foi feito em conformidade com os órgãos responsáveis e afirmou que a rua está fora da área oficialmente tombada. Ele ainda acenou com mais reformas em vias da cidade, como a Rua Rio Grande e outras do Centro Histórico. 

Memória e mobilidade

De um lado, há quem enxergue no asfalto uma solução para o desconforto do calçamento irregular, tanto para automóveis quanto para pedestres. De outro, especialistas apontam prejuízos à identidade cultural de uma cidade reconhecida como Patrimônio Mundial pela Unesco.

Na época do asfaltamento, a ex-secretária de Cultura, Márcia Bethânia classificou a obra como um “choque dolorido”. Para ela, o calçamento tradicional é parte da memória afetiva da população e da paisagem histórica de Diamantina. Ela ainda alertou para o risco de alagamentos, já que a cidade carece de infraestrutura adequada de drenagem, agravada pela impermeabilização do solo.

Márcia Bethânia considerou que, à luz da norma federal, a intervenção da Prefeitura de Diamantina desrespeita orientações claras. “A ausência de um plano contínuo de restauração do calçamento, com soluções de ibilidade, é sintoma de um abandono da política patrimonial urbana”, afirmou.

Também na ocasião, o historiador Erildo Nascimento de Jesus se posicionou contrário à medida tomada. Para ele, o calçamento em pedra é um bem cultural com valor histórico e simbólico, que integra a identidade local e até mesmo a produção artística. “Esse calçamento é parte da nossa identidade. É citado em músicas, como as de Milton Nascimento, e no próprio hino de Diamantina”, pontua.

Ele também criticou o método adotado, que, segundo ele, não removeu as pedras, mas apenas aplicou o asfalto por cima. O historiador propôs que as pedras sejam reaproveitadas em outras áreas da cidade.

Diante do imbróglio que teve início às vésperas da Semana Santa, o atual secretário municipal de Cultura e Patrimônio, Alberis Vinicius, afirmou que a decisão de asfaltar a via partiu de outras pastas da prefeitura e destacou que o calçamento removido era moderno, datado da década de 1950, sem vínculo direto com o período colonial. Segundo ele, a obra atende ao plano de governo e busca melhorar a mobilidade urbana e a ibilidade.

“Onde a gente puder reduzir esse calçamento, acho que é benéfico para a população”, afirmou o secretário, citando ainda que cidades históricas da Europa usam soluções semelhantes próximas a monumentos preservados. Ele enfatizou que a preservação do patrimônio deve valorizar não apenas a estética urbana, mas também as tradições imateriais.

Opinião pública

No vídeo publicado pela Prefeitura de Diamantina no Instagram anunciando a pavimentação asfáltica em trecho da Rua do Bicame, também com chão de pedras capistranas, os comentários ilustram a divisão na opinião pública. “Misericórdia dirigir nessas pedras. Na minha opinião, deve preservar somente o centro histórico. O resto já ou de evoluir”, disse um usuário. Outros elogiaram a medida, argumentando que a rua também vai ficar melhor para os pedestres transitarem, e pediram o asfaltamento de outras vias. 

Em contrapartida, outros usuários se manifestaram contrários, afirmando que a medida é prejudicial para o caráter histórico da cidade. “Que absurdo, na contramão da preservação da memória e da história (...)”, comentou um internauta.

Vídeos nas redes sociais também registraram o momento em que a Rua Jogo da Bola, após movimentada, foi tomada por enxurrada. “Foi apenas uma questão de tempo para provar que estávamos certos sobre o absurdo que foi esse asfalto”, comentou um usuário, referindo sobre a interferência na permeabilidade da via.

Porém, pessoas que defendem o asfaltamento de vias de Diamantina argumentam que a mesma situação acontece em ruas próximas e que seguem com o calçamento de pedras. “Sempre deu muita água nesse local. Posso afirmar que a culpa com certeza não é do asfalto”, escreveu.

Em outras cidades

Diamantina não é a única cidade histórica de Minas Gerais a intervir em vias próximas a áreas protegidas. Em Tiradentes, no Campo das Vertentes, um projeto de revitalização iniciado em 2015 trouxe à tona debates semelhantes. Lá, a pavimentação com paralelepípedos e a restauração de bens como o Chafariz de São José de Botas foram autorizadas pelo Iphan. A cidade adotou também a interdição de ruas históricas aos finais de semana para estimular o turismo a pé e preservar o patrimônio dos séculos 18 e 19.

O pioneirismo de Tiradentes foi usado como exemplo por outras cidades. Ouro Preto implementou em caráter experimental a interdição de vias como a São José e a Getúlio Vargas em fins de semana, com apoio de empresários locais e autorização temporária da prefeitura. No entanto, também houve resistência. No mesmo ano de 2015, a Justiça proibiu a Prefeitura de Ouro Preto de asfaltar ruas calçadas artesanalmente com pedras dentro do perímetro tombado, atendendo a uma liminar do Ministério Público de Minas Gerais. O Tribunal de Justiça entendeu que o capeamento violava diretrizes de preservação estabelecidas pelo Iphan.

Patrimônio mundial 

Diamantina é reconhecida como Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco desde 1999, graças à preservação de seu conjunto arquitetônico e urbanístico colonial, que reflete a ocupação portuguesa nas regiões mineradoras do século 18.

A cidade é considerada um exemplo singular de adaptação da arquitetura europeia ao interior do Brasil. Nesse contexto, intervenções urbanas como o asfaltamento da Rua Jogo da Bola despertam atenção e controvérsia, justamente por ocorrerem nas imediações de um sítio histórico de valor internacional.

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Com casarões centenários e ruas de pedra que contam histórias silenciosas, Diamantina é um território onde o tempo dialoga com o presente. O calçamento tradicional, presente não apenas no Centro Histórico, mas também em bairros e distritos, integra a paisagem cultural da cidade e carrega memórias da população local.

*Estagiárias sob a supervisão do subeditor Humberto Santos

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