BH: Hospital Risoleta Neves tenta equacionar superlotação e estagnação
Único hospital geral do eixo Norte e referência para pacientes de cidades vizinhas, unidade já precisou barrar a entrada de novos pacientes duas vezes este ano
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Siga noReferência para mais de 1,5 milhão de moradores do eixo norte da capital e da Região Metropolitana, o Risoleta Tolentino Neves, único hospital geral da região, enfrenta uma escalada na demanda por atendimentos graves. Superlotado, o hospital já precisou barrar a entrada de novos pacientes duas vezes só neste ano, antes mesmo do período de sobrecarga pelo aumento das doenças respiratórias, que levou o estado a decretar estado de emergência em saúde pública na sexta-feira (2/5).
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Na semana ada, a superlotação levou, mais uma vez, à suspensão parcial dos atendimentos no pronto-socorro do Risoleta Neves, que recebeu 66,5 mil pacientes em 2024. Com capacidade para 90 pacientes, a unidade registrou, na segunda-feira (28/4), 171 em atendimento simultâneo – quase o dobro do ado. Um dia depois, ainda operava acima da capacidade, com 124 pacientes. Foi a segunda vez neste ano que o hospital acionou o Plano de Capacidade Plena (P) e restringiu atendimentos a pacientes não críticos. A primeira foi em janeiro, quando a unidade ou três dias sem poder receber novos casos por conta da superlotação.
Com um perfil voltado para urgência e emergência de média e alta complexidade, o Risoleta é referência em traumas, doenças clínicas, cirúrgicas, neurológicas e vasculares, além do atendimento a gestantes de todos os níveis de risco. A superlotação vem se tornando um problema crônico na unidade, que desde 2023 tem picos de demanda que extrapolam a capacidade operacional de atendimento. “Desde o início de abril, o hospital registrou um aumento de 20% na demanda de pacientes com perfil de maior gravidade, o que impacta a capacidade de issão de pacientes não-críticos”, disse a instituição por meio de nota.
Por ser o único da Regional Venda Nova com portas abertas 24 horas para urgência e emergência, o Risoleta virou a principal referência para dezenas de bairros e municípios. Parte dessa pressão vem do colapso da rede em cidades vizinhas. Dados do Risoleta Neves mostram que 42,5% dos atendimentos realizados são de pacientes da Grande BH.
Foi o caso de Thiago Barbosa, de 35 anos, que chegou ao Risoleta Neves por volta das 3h de ontem (5/5) depois de ser encaminhado pela UPA Venda Nova. O médico de lá, ao avaliar seu quadro clínico, recomendou que ele fosse transferido. Com o encaminhamento em mãos, Thiago se dirigiu ao hospital e iniciou o processo de triagem conforme orientado. No entanto, um desencontro de informações acabou prolongando desnecessariamente sua espera por atendimento. Ele relata que, após ar pela recepção e dar entrada na unidade, foi orientado a aguardar na sala de espera. “Aparentemente me chamaram lá dentro, mas como eu estava aqui fora, acabei não ouvindo”, conta.
O equívoco só foi percebido horas depois, quando ele, já exausto com a demora, voltou a procurar a recepção. Foi então que descobriram que seu nome já havia sido chamado. Com o mal-entendido esclarecido, Thiago foi novamente encaminhado à triagem e, enfim, recebeu o atendimento, por volta das 11h, quando conversou com a reportagem. Apesar do transtorno inicial, ele reconhece a dedicação da equipe que o atendeu. “Depois que fui encaminhado lá pra dentro, o atendimento foi tranquilo. Os médicos, os profissionais de enfermagem, todo mundo foi atencioso”, afirma. Thiago também se surpreendeu com o volume de internações. “Lá dentro tem muita gente internada. Às vezes a gente acha que está tranquilo aqui fora, mas tem paciente que já está lá há uma semana”, relata.
Função regional
A istração do hospital atribui parte da sobrecarga à função regional que o Risoleta cumpre. “Devido ao vazio assistencial nessas cidades e às dificuldades de o à saúde, a população tem o Risoleta como principal referência, o que sobrecarrega ainda mais a assistência”, pontua a istração. Sobre o risco de novas suspensões ao longo do ano, a instituição ite que não há como prever. “Tudo depende do cenário. Por isso, temos mantido diálogo constante com os gestores estadual e municipal de saúde, em busca de soluções conjuntas para lidar com essa pressão”, afirmam. Entre as medidas já adotadas, estão a contratação de médicos emergencistas para casos mais complexos, o remanejamento de equipes conforme a demanda, a reorganização de espaços físicos no pronto-socorro e reuniões multidisciplinares para ajustar fluxos.
Nem todos os atendimentos, porém, são marcados por espera prolongada. Moradora do Bairro Nova York, em Venda Nova, Márcia Teixeira Costa, de 42 anos, já se habituou a ar pela triagem do Hospital Risoleta Neves agora que está tratando uma lesão no pé direito. “Cheguei cedo hoje (segunda-feira) e já estou sendo liberada. Não fiquei nem três horas aqui, foi rapidinho”, contou à reportagem, por volta das 11h. A percepção positiva, no entanto, contrasta com a experiência da semana anterior, quando a unidade estava lotada. “Na sexta-feira ada, cheguei às 11h e só saí às 5h”, lembra.
Ela também se lembra de casos mais extremos que presenciou no hospital, como o de um rapaz que aguardava cirurgia e já estava ali desde o dia anterior, “ando mal de fome”. “Ele estava sentado esperando, coitado, já estava até tonto de tanta fome. Fiquei com dó, mas não sei o que aconteceu depois, porque fui atendida e fui embora”, conta. Mesmo com episódios assim, a auxiliar de serviços gerais mantém uma visão positiva sobre o hospital. “Todas as vezes que vim aqui foi rápido. No ano ado, tive um problema no joelho e também fui atendida sem demora. Sempre que precisei, fui bem cuidada”, diz.
Márcia reforça o elogio ao atendimento, mesmo reconhecendo que o fluxo nem sempre é simples. “Fui à UPA, me mandaram pra cá, e aqui eu saí com diagnóstico, tratamento, tudo certinho. Então, pra mim, funciona”, afirma. E ainda acrescenta, com bom humor: “Quando tá cheio, demora mesmo. Mas isso é em qualquer hospital. Até em particular tem isso. A gente reclama, mas é o sistema que tá sobrecarregado”, relata.
De referência à crise
Inaugurado em 1998 como pronto-socorro de Venda Nova, o Risoleta ou mais de uma década com obras paradas, até ser inaugurado sob proposta de ser a referência de urgência e emergência do vetor norte, em um modelo semelhante ao HPS João XXIII, na Região Centro-Sul de BH. “Chegou a ser apelidado de 'João 24'", lembra o endocrinologista pediátrico e diretor do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG), Cristiano Túlio Maciel Albuquerque. Em 2006, a gestão ou da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por meio da Fundep, e desde então é mantido por um convênio tripartite entre União, estado e município.
Nos primeiros anos sob nova gestão, o hospital foi, de fato, um centro de excelência. O financiamento tripartite permitiu a contratação de professores e ex-alunos da UFMG, com remunerações um pouco acima da média do SUS, conta o diretor do Sinmed. O resultado foi um corpo clínico qualificado e uma estrutura assistencial que se destacava no sistema público. No entanto, segundo Cristiano Túlio Maciel Albuquerque, endocrinologista pediátrico e diretor de mobilização do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG), esse modelo de sucesso se perdeu com o tempo.
A crise que hoje afeta o Risoleta tem origem, para ele, na estagnação dos rees. “Os investimentos iniciais não foram atualizados”, explica Cristiano. Embora o hospital ainda receba a maior fatia do orçamento estadual destinada a uma única unidade, os recursos não são mais suficientes para sustentar a demanda e a estrutura da instituição. “Hoje, o Risoleta funciona com um déficit mensal de mais de R$ 2 milhões”, afirma. A diferença vem sendo coberta com emendas parlamentares e recursos pontuais captados em Brasília, mas isso não resolve a instabilidade: “É um hospital que não se sustenta, não fecha a conta”, resume o médico.
Além do rombo financeiro, a falta de reajustes adequados aos salários fez com que o hospital perdesse muitos dos bons profissionais que ajudaram a consolidar sua reputação. Os que permanecem enfrentam uma sobrecarga crescente. “Ou os reajustes são abaixo da inflação, ou só cobrem a inflação. Assim, o hospital vai perdendo gente qualificada e não consegue repor”, relata Cristiano. A ausência de investimento em infraestrutura também se tornou crítica. Algumas obras pontuais foram feitas com emendas parlamentares, mas a estrutura física e a organização das equipes seguem comprometidas.
Sobre o cenário financeiro, a direção do hospital confirmou as dificuldades e destacou que tem buscado alternativas para garantir a sustentabilidade da unidade, que é 100% SUS e possui caráter filantrópico. "Além disso, o Hospital busca recursos junto aos parlamentares por meio de emendas, mas, ainda assim, são valores insuficientes para cobrir os gastos na assistência na alta complexidade", destacou.
Pediatria
A situação na pediatria é especialmente grave. Cristiano relata que o setor chegou a acionar o Ministério Público, e uma vistoria recente do Conselho Regional de Medicina identificou sérios problemas. A equipe mínima recomendada é de seis pediatras por plantão, mas há dias em que apenas dois médicos estão presentes. “Tem dia que só tem um, e já houve dias em que não havia nenhum pediatra”, alerta. O hospital não funciona com porta aberta para casos pediátricos —atende apenas situações graves encaminhadas por maternidades e unidades de terapia intensiva.
Justamente na pediatria, os efeitos da onda de doenças respiratórias mais se concentram. Entre janeiro e abril, Minas registrou 2.587 internações de bebês com até 1 ano. A maioria por bronquiolite, que exige e de oxigênio e cuidado intensivo. Em BH, foram 2.669 internações por SRAG apenas neste ano — o maior número do estado. Só na semana de 20 a 26 de abril, 196 bebês deram entrada na rede — quase o triplo do registrado no fim de março.
Procurada pela reportagem, a diretoria do Risoleta Neves ressaltou que a unidade não é referência em pediatria. "A assistência pediátrica ofertada no hospital é exclusivamente para os bebês nascidos na maternidade, que demandam cuidado na neonatologia", informou em nota. Escreva melhor essa frase: Só no ano ado, o Risoleta realizou 2.031 partos, o que representa uma média de cinco nascendo por dia na maternidade da unidade.
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Cristiano lembra que o pico dessas enfermidades ainda nem chegou e os leitos já estão lotados. Diante disso, o hospital tem adotado medidas emergenciais, como o pagamento de horas extras, contratos temporários e até a contratação de empresas terceirizadas por meio de pessoas jurídicas, uma prática que, segundo o sindicato, é vista com preocupação. “Isso já ocorre na anestesia e é a proposta da gestão para pediatria. A gente não apoia”, reforça o médico.
A sobrecarga já afeta os profissionais. “Temos relatos de médicos com estresse, esgotados, e isso acaba gerando afastamentos”, diz Cristiano. Uma reunião entre representantes do sindicato e da gestão do hospital foi marcada para o dia 14. “Eles estão com a capacidade de atendimento no limite e não conseguem reter os profissionais, têm uma rotatividade muito grande”, completa Cristiano.
À reportagem, a direção do Hospital Risoleta Neves informou que mantém diálogo constante com os sindicatos que representam os trabalhadores da instituição. Segundo a istração, esse relacionamento é pautado pela transparência e pelo compromisso com a escuta das demandas da categoria, "buscando o equilíbrio das relações de trabalho na instituição".
O que diz o Governo de Minas
Questionada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) afirmou que a Região Metropolitana de Belo Horizonte conta com uma estrutura hospitalar "robusta", composta por 32 hospitais vinculados à política estadual Valora Minas, 16 unidades integradas à Rede Resposta para urgência e emergência e 33 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs 24h). Toda essa rede é financiada de forma tripartite, com recursos da União, do Estado e dos municípios.
A pasta também reconheceu o papel estratégico do Hospital Risoleta Tolentino Neves na Grande BH. Segundo a SES-MG, o hospital é contemplado pelo programa Valora Minas, com rees que chegam a R$ 21,6 milhões por ano. Além disso, há uma previsão de recomposição de recursos que pode alcançar R$ 107 milhões até 2027, conforme metas pactuadas com a unidade. O Risoleta também integra o Opera Mais, Minas Gerais, iniciativa que busca acelerar o o às cirurgias eletivas no estado.
Entre os projetos de expansão da rede de atendimento, a SES-MG destacou a futura construção do Complexo de Saúde Hospital Padre Eustáquio (HoPE), anunciada em dezembro do ano ado. Previsto para ser a "unidade pública mais moderna do país", o HoPE contará com mais de 500 leitos voltados para internações clínicas, cirúrgicas, UTIs e atendimentos ambulatoriais. "O complexo oferecerá linhas de cuidado em oncologia, infectologia, pediatria, hematologia, maternidade e saúde da mulher, integrando serviços de média e alta complexidade. A obra será realizada por meio de Parceria Público-Privada (PPP), com gestão pública dos serviços assistenciais e previsão de início das obras em 2026", ressaltou em nota.
Na mesma linha de fortalecimento regional, o município de Vespasiano, também na Grande BH, tem plano para a construção de uma nova UPA e ampliação do Hospital de Deus, destaca a SES-MG. Com a intervenção, a unidade deverá ganhar 10 novos leitos de UTI, reforçando a capacidade de atendimento hospitalar local.