Alunos da UFMG protestam por direito a cantina popular
O funcionamento de apenas seis lanchonetes em 20 unidades acadêmicas, no campus Pampulha, provoca filas de quase 30 minutos
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Siga noEstudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ocuparam a cantina do CAD2, prédio destinado a aulas na instituição, em protesto à ausência de lanchonetes na instituição. O cantina em questão nunca foi utilizada desde a criação do edifício. Conforme levantamento realizado por movimentos estudantis, apenas seis das 20 unidades acadêmicas comercializam alimentos em todo o campus Pampulha, localizado na região homônima, em Belo Horizonte.
A universidade informou, anteontem (6/5), que a Pró-Reitoria de istração abriu novos processos licitatórios para restabelecer o funcionamento das cantinas. O problema, antigo, foi escancarado no retorno presencial após a pandemia, quando muitas empresas não aderiram ao processo licitatório e deixaram diversos prédios sem cantinas. Os vendedores ambulantes que atuavam na instituição, também foram proibidos de vender seus produtos, gerando escassez de alimentos na federal.
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Diante do problema, que se agravou com o fechamento da cantina da Faculdade de Letras (Fale), no início deste ano, o movimento estudantil Correnteza decidiu ocupar o espaço na quarta (30/4) para “cobrar direitos básicos”, como relatam. Ontem, foi a vez da cantina do CAD2 ser ocupada. No espaço, que nunca foi utilizado desde a criação do prédio, foi improvisada uma cantina popular, nomeada como Edson Luís, em homenagem ao estudante morto pela ditadura militar no Rio de Janeiro e que lutou pelo direito à alimentação.
Segundo integrantes do movimento, a proposta é mostrar à Reitoria da UFMG que é possível istrar uma cantina de forma simples e menos burocrática, além de cobrar preços íveis para alunos que, muitas vezes, não têm condições financeiras para arcar com lanches fora do horário em que as refeições do Restaurante Universitário são servidas.
“Quem sente fome, sabe que é muito ruim. É um absurdo a gente estar no país desse jeito, porque não é um problema só de dentro da universidade, mas é geral da nossa população. O aumento da fome é real. O Brasil é um dos maiores produtores de alimento do mundo e os estudantes, que estão produzindo ciência e fazendo com que o país se desenvolva, estão ando fome. A universidade pública, principalmente, é o impulsionador do nosso país, que produz tecnologias, produz tudo que é do bom e do melhor, mas quem faz tudo isso tem sido obrigado a ficar com fome”, disse o estudante de Letras e militante do movimento, Mateus Ferraz.
Improviso
Conforme Ferraz, os próprios alunos se organizaram e compraram os salgados prontos para revenda. Foram os integrantes do movimento que se revezaram para levar equipamentos e utensílios para a cantina popular e criaram, pela primeira vez, um espaço de convivência no prédio. De terça para quarta (7/5), os estudantes dormiram no local e pretendem permanecer até que haja diálogo com a Reitoria. Alunos do CAD2 reclamam da inexistência de uma cantina no local e outros nem sabiam da existência do espaço.
“Eu nem sabia que tinha aquele espaço ali, para começo de conversa. Tô descobrindo agora. Eu consumia pouco (na cantina da Letras). Consumia como grande parte dos alunos daqui, porque sempre foi muito caro, mas eu acho uma iniciativa interessante eles fazerem a cantina aqui, sinceramente, por ser mais perto e mais ível”, relata o estudante de Letras Vinícius Menezes da Fonseca, que considera consumir produtos no eventual novo espaço, e também registrou a importância de um preço justo.
Já o colega de curso, Bruno Bertoldo da Silva, espera que tenha mais opções nos dois prédios: “Eu consumia na Fale, tinha o hábito de ir lá sempre. Depois que fecharam, eu ei a ir na Fafich (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas) por uma questão de conveniência (ser mais próximo). Eu não tenho tantas aulas aqui no CAD2, então eu não sabia que tinha essa nova cantina popular. Eu conhecia o espaço, já tinha visto ele aberto. Acho interessante ter variedade. Ter uma cantina aqui e ter uma cantina também na Fale, porque o intervalo aqui é muito curto e quanto menos tempo você gastar entre uma e outra, é melhor. Então, se tiver nos dois lugares uma cantina regular, para mim, é maravilhoso.”
Prejuízos
Há, ainda, outros problemas, como o preço elevado e a restrição de alimentos disponibilizados. A distância entre os prédios e as filas demoradas são os pontos mais criticados pelos estudantes. Alunos do CAD2 que optam por consumir os produtos da lanchonete da Fafich gastam apenas cerca de três minutos de deslocamento entre um prédio e outro, sem considerar o tempo gasto em deslocamento entre os andares do prédio, mas têm enfrentado até 25 minutos de espera nas filas, devido ao aumento da procura. A situação tem feito com que escolham entre comer ou perder parte de suas aulas, uma vez que o intervalo entre elas, normalmente, é de 20 minutos.
De acordo com a estudante de Letras e integrante da União Nacional dos Estudantes (UNE), Luiza Datas, os discentes vivem enfrentando uma crise de alimentação na instituição, pois cada vez mais o número de cantinas fechadas aumenta e os preços cobrados pelos produtos estão muito altos, fazendo com que estudantes com menos condições financeiras tenham ainda mais dificuldade de comer. O cenário é agravado no período noturno, já que as lanchonetes fecham às 21h e as aulas terminam às 22h30. Nesses casos, alguns estudantes ficam horas sem se alimentar até chegarem a suas casas.
“O horário é limitado, então a cantina funciona só até às 21h. As aulas, por exemplo, terminam às 21h30. A gente tá vivendo uma crise porque o próprio bandejão da UFMG também não comporta o volume de estudantes e tem um horário limitado também, então o que a gente tem procurado são formas dos estudantes se auto-organizarem e se alimentarem”, diz.
Posicionamentos
Em nota pública, a UFMG disse que, “em 2022, treze unidades tiveram os contratos rescindidos por interesse das contratadas diante do cenário de incerteza e das dificuldades econômicas. Por se tratar de uma instituição pública, a Universidade só pode ceder seus locais para uso comercial e seguindo a lei de licitações, bem como às demais normativas legais sobre o tema, inclusive sobre os valores a serem cobrados pelo uso dos espaços.” Porém, no relato dos movimentos estudantis, é necessário que a UFMG se manifeste para além disso.
“Precisamos que a UFMG se posicione, que as reitorias se posicionem e que o movimento também se posicione sobre esse tema, para que a gente possa pressionar, e mais do que isso: chamar a sociedade para essa ideia de que precisamos de investimento na educação. É isso que tem que ser prioritário, porque quando se investe em educação, a sociedade toda avança”, conclui Luiza Datas.
Além da cantina popular, os estudantes tentam se reorganizar para se alimentar. Atualmente, há grupos de venda de quitutes em toda a universidade nos quais os próprios alunos vendem seus produtos, além de feiras realizadas em diferentes unidades. Outra medida adotada foi o bandejão auto-organizado na moradia estudantil, no bairro Ouro Preto, na Região da Pampulha, em BH. Os moradores que não têm como se alimentar no domingo, já que os restaurantes universitários não funcionam, estão se organizando com doações.
Aluguéis caros
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Embora a UFMG tenha aberto uma nova licitação, es de cantinas no campus relatam problemas que, muitas vezes, os impedem de continuar oferecendo os serviços e produtos no campus. Na visão deles, o processo de licitação não é errado e a instituição segue à risca as regras do processo, mas muitos comerciantes não conseguem se manter no local, uma vez que o número de exigências e a instabilidade do lucro obtido na universidade podem prejudicar os estabelecimentos.
Segundo um que não quis se identificar, os aluguéis das cantinas podem ser mais caros do que os de comércios da Savassi, região considerada a mais cara da capital mineira. Além disso, é obrigatório que todos os funcionários sejam contratados e que não haja freelancers. No entanto, no período de férias, quando o movimento na universidade cai, é difícil bancar o quadro de contratados.
“A vantagem é que dentro da universidade o público é garantido, não tem grandes preocupações. Por outro lado, se trabalha doze meses, fatura oito, porque tem férias e tem que manter a folha de pagamento, o aluguel. Dependendo do processo de licitação, durante as férias o aluguel cai, mas chegaram a fazer licitações cobrando o valor cheio, o que é impossível de pegar”, conclui.