"Sua missão é proclamar o evangelho de Jesus Cristo"
Frei agostiniano da Arquidiocese de BH fala da proximidade com o papa Leão XIV, revela curiosidades sobre o santo padre e diz o que espera do seu pontificado
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Siga noFilósofo, teólogo, historiador, pesquisador, escritor e professor, o frei Luiz Antônio Pinheiro chegou a participar de uma audiência com o papa Francisco, no Vaticano, e desde 1985 conhece o cardeal Robert Prevost, dos Estados Unidos, que acaba de assumir o comando da Igreja Caqtólica, após a morte de seu antecessor. Convidado do EM Minas dessa semana, fala sobre a relação com o papa Leão XIV, com quem também teve a chance de se encontrar quando o religioso esteve em Belo Horizonte em 2004 e 2012, e em vários outros lugares.
Frei Luiz Antônio é co-coordenador do projeto História da Arquidiocese de Belo Horizonte e responsável pela Rede Lius Agostinianos, Colégio Santo Agostinho e Escolas Sociais – é Prior da Província Agostiniana Nossa Senhora da Consolação do Brasil e presidente da Sociedade Inteligência e Coração (SIC), mantenedora do colégio e obras sociais agostinianas.
Mestre em teologia e ciências patrísticas pelo Institutum Patristicum Augustianianum, de Roma, doutor em teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), e professor há mais de 30 anos, atuou no Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) e na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Em entrevista à jornalista Carolina Saraiva, o frei revela curiosidades sobre o novo papa, que também é o primeiro agostiniano da história, denominação que se refere a tudo o que está relacionado com Santo Agostinho, importante bispo, filósofo e teólogo cristão do século IV. Luiz Antônio Pinheiro conta como a ordem religiosa recebeu a notícia depois da conclusão do conclave.
Também mostra como é a personalidade do sumo pontífice, fã de ceviche e da culinária peruana, o que esperar de seu pontificado, se considera que se aproxima da linha de Francisco, e como será a relação com o presidente norte-americano, Donald Trump. "Ele é um homem da Igreja, é o grande líder da Igreja. Sua missão é proclamar o evangelho de Jesus Cristo, é trazer a unidade para a Igreja. Mas também é um homem do mundo, um cidadão que vai fazer muito bem para o mundo, para toda a humanidade, congregando causas em torno da paz, da justiça, da verdade e da fraternidade", diz o frei.
O senhor foi um dos que mais esteve em companhia do Papa Leão XIV quando ele esteve em Minas Gerais. Como foi receber a notícia desse conclave que o elegeu para o pontificado?
Para nós agostinianos, foi realmente uma surpresa e uma alegria imensa. Todos nós vibramos, o pessoal gritou, pulou de alegria, porque é o primeiro papa agostiniano da história. Eu o conheço desde 1985, quando estivemos em um simpósio em Lima, no Peru. Ele estava voltando de Roma, acabara de concluir o doutorado, tinha 30 anos. Eu também era jovenzinho, estudante. Foi o primeiro contato que eu tive com ele. Depois, tive a oportunidade outras tantas vezes, em Roma e outros lugares da América Latina e, particularmente aqui em Belo Horizonte, em duas ocasiões, em 2004 e 2012.
Há registros em Mário Campos, em dezembro de 2012, quando aconteceram os votos solenes de alguns freis nossos. Uma foto mostra o Frei Jefferson Felipe Cruz, que recebeu os votos com o prior geral da ordem, que é quando a pessoa entra definitivamente a pertencer à ordem agostiniana. Eu estava nessa ocasião, era o cerimoniário dessa cerimônia.
Outra foto mostra o papa em Belo Horizonte, nos 70 anos do Colégio Santo Agostinho, em 2004. Estávamos confraternizando depois da parte mais formal, ele está tomando uma cervejinha. O pessoal achou meio estranho, mas tudo faz parte. Um momento de alegria, com sobriedade tudo pode, e a gente pode celebrar juntos dessa maneira também.
Sobre a foto dele servindo um prato que foi especulado ser um frango com quiabo, aqui em Minas, foi na verdade no Peru, em uma missão da qual ele participou. Ele gosta muito da culinária peruana, como o ceviche, por exemplo, e uma série de outros pratos típicos do Peru.
O ceviche é uma das comidas favoritas do papa Leão XIV?
Exatamente. Inclusive lá em Chiclayo, no Peru, onde ele morou recentemente como bispo, dois anos antes de ir para o Vaticano, tem um restaurante que já colocou 'menu do Papa Leão XIV'. O pessoal já está aproveitando, sabendo qual era o gosto dele com relação à culinária, que aliás é uma culinária excelente.
Voltando para a foto da cervejinha... Isso mostra que ele será um papa assim como a gente? E outra, pode-se tomar uma cervejinha?
Tudo que é feito com sobriedade, com equilíbrio, está ao nosso alcance. O importante é como nós lidamos com as situações. E o papa Leão XIV, o cardeal Prevo, frei Roberto Prevo, sempre foi uma pessoa muito próxima, muito afável, de fácil relacionamento com as pessoas, tem muito sentido de família. Tanto é que, sendo eleito papa, depois de dois dias foi visitar a Cúria Geral Agostiniana, onde ele ia quase diariamente para almoçar ou para rezar com os frades agostinianos.
O senhor o conheceu em 1985, no Peru. De lá para cá, como traça a personalidade dele? Como ele é?
É uma pessoa muito capacitada, muito humilde. Foi um homem de governo, seja nos Estados Unidos, na província de Chicago, que era a província que ele regia, depois como o prior geral da ordem de 2001 até 2013. Viajou por mais de 50 países onde os agostinianos estão presentes. E, apesar de toda a capacidade que ele tem, apesar de todos esses cargos de suma importância, sempre consegue cativar as pessoas, exatamente por esse jeito simples, muito espontâneo dele de estar presente.
Uma das coisas que mais me impressionaram foi em duas ocasiões, uma na Austrália, em 2008, depois outra no Peru, em 2010. Vi a facilidade que ele tem de se relacionar com os jovens. Me recordo no Peru, em uma palestra em que ele começou a falar de uma música do Michael Jackson, The Mirror... Imediatamente os jovens se identificaram com ele. Ou seja, ele capta a linguagem dos jovens, se transmite de uma maneira muito bonita.
E como é ser amigo do papa?
É muito interessante. Todos nós sempre o chamávamos de Robert, Bob, o diminutivo. Nós temos muito essa proximidade de família. Então, quem poderia imaginar que, aquele que foi tão próximo nosso, agora é o sumo pontífice da Igreja Católica. Realmente, uma benção, uma alegria para todos nós, indizível.
Como será o pontificado deste papa, que é agostiniano? O que se pode esperar? Ele vai seguir a linha do papa Francisco?
Ele tem dado vários indicativos. Principalmente na linha da paz, da justiça social, da verdade, coisas que ele tem insistido desde o primeiro pronunciamento. E trará certamente essa marca agostiniana da proximidade, do jeito de ser de família, da espontaneidade, da amizade, que é um dos aspectos que mais caracteriza o nosso jeito de ser comunitário. Então certamente isso marcará o pontificado dele. E, aliás, citando Santo Agostinho, em quase todos os discursos dele. Desde quando apareceu na sacada de São Pedro, ele tem citado Santo Agostinho.
Nós vimos também, logo nesses primeiros dias, que ele se colocou à disposição para intermediar conflitos, inclusive se colocar à disposição para as situações de países em guerra. O senhor acha que essa também será uma marca? Ele vai tentar interferir a favor da paz, inclusive nas guerras?
Eu acho que ele vai ser, ou já está sendo, um mediador da paz. Aliás, mesmo quando começa seu discurso – "a paz esteja convosco", a saudação de Jesus ressuscitado. Ele repetiu várias vezes a palavra paz, inclusive uma paz desarmada, uma paz desarmante – já está marcando a linha, o programa dele, nessa direção. Inclusive já se prontificou a ir à Ucrânia para mediar a paz e outras situações conflituosas. Então, eu imagino que isso daí será uma das grandes marcas do pontificado dele.
É um papa americano, indo na contramão do que se especulava sobre a escolha desse papa. Como que o senhor faz a leitura desse fato dele ser americano?
Eu acho que ele vai conseguir conciliar bastante os cardeais norte-americanos e os bispos norte-americanos que estão no momento muito difícil, principalmente com relação à política da imigração nos Estados Unidos. E ele se pronunciou muito fortemente a favor dos imigrantes. Aliás, em um discurso que fez recentemente, ele falou assim: "olha, os meus pais eram imigrantes e eu sou emigrado". Então, compreende muito bem essa situação.
Agora, foi muito curioso que ele falou em italiano – domina várias línguas – mas não falou em inglês. Ele falou em espanhol, saudando o povo da diocese dele lá de Chiclayo, no Peru, dando a entender que se identifica muito com a América Latina. Foi só no dia seguinte, com os cardeais, que ele começou o discurso em inglês, e isso também é muito significativo. Ele se faz identificar com o continente latino-americano.
Voltando um pouco mais sobre os Estados Unidos, um país em que a maioria é protestante, você acha que também será um desafio grande?
Essa é uma pergunta interessante. De fato, a maioria nos Estados Unidos, somando todas as confissões protestantes, é protestante. Mas, enquanto a Igreja única, enquanto denominação única, a Igreja Católica é a majoritária. Mas eu acho que ele vai estabelecer essa ponte, esse diálogo com essa situação de pluralidade nos Estados Unidos.
Aliás, ele tem usado também várias vezes esse ser ponte. Eu trago aqui uma coisa muito interessante: quando ele era bispo em Chiclayo, no Peru, havia mais de 20 mil venezuelanos naquela região. E ele organizou uma comissão, inclusive com representantes dos venezuelanos, para perguntar: "o que a Igreja pode fazer por vocês?". Eles disseram: "olha, nós precisamos de alimentação, precisamos de escola para nossas crianças, precisamos de documentos"... E ele fez a mediação com autoridades para que isso pudesse ser encaminhado. Então, aí tem claramente por onde ele pode ir também como papa a partir de agora.
Ele é um papa jovem. Você acredita que ele possa fazer novos jovens missionários procurarem também essa linha da igreja?
Depois que ele foi eleito, que apareceu um papa agostiniano, mais de 40 jovens entraram em contato conosco para saber o que significa ser agostiniano. Então, eu imagino que ele vai despertar na juventude esse interesse pela dimensão missionária. O jovem, quando realmente vê situações assim, exigentes, topa a parada. E isso só em Minas Gerais. Já é um sinal de que ele já está dando frutos. Nem bem começou e já está dando frutos nessa direção.
Então, espera-se que seja um pontificado muito proveitoso, de harmonia e paz?
Certamente. Ele vai enfrentar conflitos, eu imagino, seja no interior da Igreja, seja no meio do mundo. Mas eu acho que ele vai ter essa capacidade de mediação e de conciliação.
O senhor está em Belo Horizonte em Minas Gerais há 30 anos, mas o senhor é paulista...
Eu sou paulista do interior de São Paulo, de Brotas, uma cidadezinha pequena no centro-oeste paulista. Mas, depois do seminário menor que eu fiz em Bragança Paulista, toda a minha formação (filosofia e teologia) foi em Belo Horizonte, fora os cinco anos que eu estive em outros estados. Mas todo meu ministério, seja como professor, como padre, como educador, tem sido aqui em Belo Horizonte.
Agora vamos falar sobre os agostinianos, lembrando que o papa é agostiniano. O que é ser agostiniano e o que a gente pode esperar desse pontificado?
A Ordem de Santo Agostinho foi organizada no século XIII, mas traz a herança de Santo Agostinho, que é lá do século IV, do século V. As suas marcas características são a busca de Deus, a interioridade, a vida em comum, com acento especial sobre a amizade, e depois a disponibilidade para estar ao serviço da igreja onde for necessário.
Então, é por isso que nós temos, como atividades próprias nossas, desde colégios, paróquias, universidades, centros de formação, seminários, obras sociais de promoção humana. A partir daí, nós procuramos orientar a nossa vivência do Evangelho.
Certamente, o papa Leão XIV, que foi formado também nessa mentalidade, trará essa marca para a igreja no seu pontificado. De muita proximidade, de muita escuta, de muito diálogo, mas também de muita firmeza em questões em que for necessário ter esse posicionamento.
Quando o papa Leão XIV esteve em Belo Horizonte, veio para os 70 anos do Colégio Santo Agostinho, que já está quase fazendo 100 anos...
Perfeitamente. Nós completamos 90 anos o ano ado – o colégio foi fundado em 1934. Temos uma longa trajetória. Hoje, constituímos a rede Lius Agostinianos, que tem os colégios na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Divinópolis, três escolas sociais totalmente gratuitas no estado do Rio de Janeiro, em São Paulo e Belo Horizonte.
E tem pais também começando a procurar as escolas agostinianas depois da eleição do papa?
Olha, eu espero que aumente o número dos alunos. Inclusive, ele disse: "eu sou filho de Santo Agostinho, eu sou agostiniano". Então, com muito orgulho, nós também dizemos: "somos filhos e filhas de Santo Agostinho, somos agostinianos". É um grande orgulho. Nós temos mais de 8 mil alunos, que fazem parte das nossas escolas e que se consideram também agostinianos.
Há uma expectativa pela vinda de Leão XIV ao Brasil novamente. Por que não, talvez em Belo Horizonte também?
Certamente. Ele já marcou na sua agenda que virá ao Peru. Imagino que virá a outros países da América Latina. Foi convidado, inclusive, para dar o retiro dos bispos este ano. Só não pode vir porque foi eleito papa, então agora mudou a agenda. Mas eu tenho certeza que ele virá em breve ao Brasil, e espero que venha a Belo Horizonte também.
E, se ele for ao Peru, o senhor estará lá?
Vamos ver, vai depender um pouquinho das nossas atividades e compromissos. Mas eu tenho certeza que estarei com ele em setembro, quando temos a nossa grande reunião, que é o Capítulo Geral, a máxima assembleia dos agostinianos. E, normalmente, em ocasiões como essa, o papa nos recebe. Será a oportunidade certamente de abraçá-lo e de cumprimentá-lo.
E será que nessa ocasião pode ter mais uma vez uma cervejinha?
Senão uma cerveja, pelo menos um bom vinho italiano. Em um ambiente assim fraterno, de amizade, tudo isso é bem-vindo.
Vamos falar sobre como ele apareceu a primeira vez, logo no primeiro discurso. Ali, já mostrou que era um papa simples, humilde, desde as vestes, seguindo também os os do papa Francisco, certo?
Ele é muito afável, muito próximo e relativamente tímido, mas se faz presente com as pessoas quando se sente bem à vontade. E você nota que ele estava visivelmente emocionado, mesmo sem derramar lágrimas. Um fato curioso: normalmente, os últimos papas, quando apareciam no balcão de São Pedro, falavam improvisadamente. Ele não – ele preparou o discurso. Tenho notícia de primeira mão, que fiquei sabendo do nosso assistente geral que esteve conosco no Peru na semana ada, que aquele discurso ele escreveu na chamada Sala do Pranto. Quando o candidato é eleito o papa e aceita, vai para aquela sala para se paramentar com as vestes papais. Invariavelmente, o candidato chora, porque fica emocionado. E foi ali que ele preparou aquele discurso de próprio punho, que inclusive agora vai ficar arquivado no arquivo central da Ordem Agostiniana lá em Roma.
Robert Prevost. O nome dele de batismo é dos Estados Unidos, de Chicago. Como será o relacionamento dele com o presidente Donald Trump? Muito se fala dele defendendo situações que o próprio presidente está em desacordo. Como é que o senhor acha que vai caminhar essa questão com os dois líderes?
Eu imagino que, em algum momento, haverá um encontro entre eles. Mas eu acho que ele vai marcar muito firmemente suas posições em prol da paz, em prol dos imigrantes. Já se pronunciou a respeito disso recentemente em uma entrevista. Acho que ele vai ser muito firme, mas vai procurar a conciliação, porque ele compreende também as dificuldades que existem em qualquer mudança, nas várias situações na organização dos países.
Podemos esperar um pontificado com um papa bastante humano, em busca de paz, em busca de conquistas, para a Igreja católica e para a humanidade?
Certamente. Ele é um homem da Igreja, é o grande líder da Igreja. Sua missão é proclamar o evangelho de Jesus Cristo, é trazer a unidade para a Igreja, mas também é um homem do mundo. Ele mesmo falou, junto ao corpo diplomático com que foi apresentado: "Eu sou um cidadão do mundo". Então, é um cidadão que vai fazer muito bem também para o mundo, para toda a humanidade, congregando aquelas causas em torno da paz, da justiça, da verdade, da fraternidade.