Cafeteria de BH é alvo de inquérito para investigação de caso de racismo
'Clara percepção de que fui discriminada por ser uma mulher preta ocupando um espaço elitizado', relata a denunciante. O empreendimento nega motivação racista
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Siga noA Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) instaurou um inquérito, nessa terça-feira (27/5), para investigar um suposto caso de racismo contra uma cliente em uma padaria e cafeteria na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. A denúncia foi feita pela designer de produtos Nayara Cristina Machado, de 29 anos, que relata ter sido vítima de preconceito nessa segunda (26/5), quando foi abordada pela gerente do Fofo de Belas Padaria & Brunch. O estabelecimento afirma que a abordagem tinha como objetivo uma mudança de mesa para o espaço comportar outros clientes.
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Ela relata que foi abordada de maneira “ivo-agressiva” pela gerente do local, que teria dito que aquele não era um espaço para trabalho e questionado quanto tempo Nayara demoraria na mesa. A designer de produtos diz que foi a única pessoa do estabelecimento abordada, apesar de outros clientes, que seriam brancos, também estarem utilizando notebook nas mesas.
“Saí do local abalada, com a clara percepção de que fui discriminada por ser uma mulher preta ocupando um espaço elitizado”, declara Nayara.
O inquérito vai investigar o crime previsto no 8º artigo da Lei de Racismo: impedir ou recusar atendimento em estabelecimentos comerciais abertos ao público por motivo de raça ou cor. A investigação está em andamento na Delegacia Especializada em Repressão a Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias em Belo Horizonte.
Denúncia
“A abordagem foi feita de forma constrangedora, descuidada e infantilizada, sem qualquer política visível ou aviso prévio do estabelecimento sobre tempo de permanência nas mesas ou uso de notebooks”, relata Nayara.
Ela conta que estava no local pela primeira vez, onde teria consumido e participado de uma reunião remota utilizando o notebook. Nayara afirma que chegou ao local às 14h e a reunião, a qual teria participado utilizando fones de ouvido, durou cerca de 1 hora e 15 minutos. A ação da gerente teria ocorrido por volta das 18h.
Para Nayara, ter sido a única abordada “reforça o caráter seletivo da ação”. Ela conta que se sentiu “profundamente constrangida, expulsa e segregada”. No entanto, só teria percebido o tom da atitude quando uma cliente ao lado a questionou, indignada, se a gerente estava limitando o tempo dela na mesa.
A designer de produtos relata ainda que o desconforto dela também foi visível para outros clientes, que confrontaram a gerente sobre a atitude. Em resposta, a funcionária teria dito à Nayara que “se quisesse poderia sentar no fundo do estabelecimento". Em vídeo publicado no Instagram relatando o que ocorreu, ela contou que todos do local ficaram olhando para ela, e que a gerente fez parecer que Nayara estava "fazendo um barraco".
"É notório que eles não estão dispostos a assumir nenhum dano psicológico e moral que me foi causado", desabafou a designer de produtos. Ela conta que registrou o boletim de ocorrência nessa terça-feira (27/5).
Outro lado
Sócio do Fofo de Belas, João Paulo Machado, de 41 anos, afirma que o empreendimento tinha como conduta, até então, solicitar a clientes a troca de mesas para comportar mais pessoas de maneira mais confortável. Isso teria sido, segundo ele, a razão para Nayara ser abordada pela gerente.
João Paulo Machado afirma que “pode ter havido uma indelicadeza, uma grosseria” por parte da funcionária, mas que a abordagem dela não teve cunho discriminatório. “Nunca houve casos de falar de racismo (no estabelecimento). A gente tem vários funcionários negros e clientes negros, nunca foi uma pauta. Isso não existe lá dentro, em relação a qualquer minoria”, diz.
Ele relata que a mesa ao lado de Nayara estaria sendo ocupada por três clientes, mas seria designada para dois, um sentado no sofá e um na cadeira da frente. De acordo com o sócio do Fofo de Belas, o terceiro consumidor havia colocado uma cadeira na lateral da mesa para se sentar. No entanto, João Paulo Machado reconhece que as pessoas sentadas ao lado não solicitaram mais uma mesa ou sequer reclamaram do pouco espaço, e que a gerente que tomou a iniciativa.
O sócio afirma que entende a reação de Nayara, mas acredita que ela foi motivada pelo próprio pensamento da cliente. “Não posso discutir isso, porque cada um recebe a coisa de um jeito e por ela ser uma menina negra. Ela mesmo fala no vídeo que chegou lá para trabalhar, já achando que ia estar incomodando. Ela já fala no vídeo que ela chega um pouco com essa mentalidade”, diz.
O empresário se refere ao vídeo publicado por Nayara no Instagram, em que ela diz que o bairro e o café são elitizados, e que antes mesmo de abrir o computador, ela fez o pedido para que os funcionários não acusassem ela de não estar consumindo. “Esse foi o pensamento que eu tive quando sentei ali, talvez outras pessoas não teriam, mas a gente precisa ter, infelizmente”, declarou.
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Sobre pedir para clientes mudarem de mesa, João Paulo Machado diz que o Fofo de Belas não vai ter mais essa conduta. “Nunca mais vou fazer isso na minha vida. Já é uma prática indelicada, sei que é muito difícil, eu não gostaria de ser pedido, mas é uma coisa que a gente já definiu que não vai existir mais isso”, disse o sócio do estabelecimento ao Estado de Minas.
Sobre utilizar a padaria como espaço de trabalho, o sócio do empreendimento diz que não há problema, mas que o Fofo de Belas não é um coworking e não se promove como um.
De acordo com Rodrigo Paiva, coordenador de operações do empreendimento, a gerente envolvida no caso não vai conceder entrevistas ou declarações porque está “muito abalada”. Ele também informou que está ciente dos pormenores da situação e que uma assessoria jurídica já foi contratada.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Humberto Santos