O horror nazista revelado ao mundo
Local foi um dos mais brutais campo de tortura e extermínio nazista. O sobrevivente Jacques Moalic relata horrores das marchas da morte, enquanto imagens da lib
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“A estrada para Auschwitz foi construída pelo ódio, mas pavimentada com indiferença”, escreveu o historiador Ian Kershaw. A frase resume com precisão a lógica de funcionamento de Buchenwald, um dos mais brutais e emblemáticos campos de concentração do regime nazista.
Localizado próximo à cidade de Weimar, na Alemanha, Buchenwald foi fundado em julho de 1937. Inicialmente destinado a prisioneiros políticos, rapidamente se transformou em um centro de repressão e extermínio. Entre 1937 e 1945, mais de 250 mil pessoas de mais de 30 nacionalidades aram por seus portões. Judeus, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová, prisioneiros de guerra soviéticos e opositores do regime foram submetidos à fome, trabalho forçado, doenças, espancamentos e execuções. Aproximadamente 56 mil pessoas morreram no campo principal, enquanto outras 20 mil perderam a vida no campo anexo de Mittelbau-Dora.
Segundo o biógrafo de Hitler, Ian Kershaw, “Buchenwald não era apenas um campo de concentração. Era um laboratório do terror estatal, onde o ódio era sistematizado e a crueldade se tornava rotina”. Entre os métodos mais cruéis de punição estava a chamada “árvore de pendurar” (Bock), usada para enforcar prisioneiros diante dos demais como forma de intimidação. Outro aspecto estarrecedor foi o uso de experimentos médicos em prisioneiros. Médicos da SS, como Carl Vaernet, realizaram testes pseudocientíficos que incluíam castrações, infecções propositais e cirurgias sem anestesia. Como definiu o historiador Richard J. Evans: “Os campos como Buchenwald foram usados para realizar uma ciência sem alma, uma medicina corrompida pela ideologia racial.”
A crueldade nazista também se estendia ao plano econômico. Empresas como Siemens e Daimler-Benz exploraram o trabalho forçado de prisioneiros de Buchenwald, obrigando-os a trabalhar até a exaustão. Muitos morriam de cansaço ou eram executados ao se tornarem improdutivos. O historiador Timothy Snyder destacou: “A economia de guerra nazista se apoiava na espinha quebrada dos campos como Buchenwald, onde o valor da vida era medido em quilos de trabalho extraído.”
Resistência e Libertação
Com a aproximação das tropas aliadas e o colapso iminente do Terceiro Reich, os nazistas iniciaram a evacuação de diversos campos. Muitos prisioneiros foram forçados a marchas da morte em direção ao interior da Alemanha. Em Buchenwald, a SS planejava eliminar os que permaneciam, mas foi surpreendida por uma das mais notáveis ações de resistência dentro do sistema concentracionário.
A organização clandestina de prisioneiros, o Comitê Internacional de Buchenwald — composto por comunistas alemães, ses, poloneses e outros — vinha se preparando para tomar o controle. Em 11 de abril de 1945, com os guardas começando a fugir, os prisioneiros se revoltaram. Assumiram torres de vigilância, desativaram parte das defesas e impediram a destruição do campo. Poucas horas depois, soldados do 3º Exército dos Estados Unidos chegaram e encontraram cerca de 21 mil sobreviventes à beira da morte.
O general Dwight D. Eisenhower, ao visitar o campo dias depois, declarou: “As coisas que vi lá ultraam o que qualquer homem pode tolerar… o mundo precisa saber o que aconteceu.” As imagens captadas naquela ocasião chocaram o mundo e serviram como provas fundamentais nos Julgamentos de Nuremberg.
O Testemunho de Jacques Moalic
Entre os sobreviventes estava Jacques Moalic, então um jovem combatente da Resistência sa. Preso em 1943, tentou escapar ao ser deportado, mas acabou sendo enviado a Buchenwald. No inferno do barracão 34, ele e outros prisioneiros alimentaram a esperança com as notícias do desembarque aliado na Normandia, em 6 de junho de 1944. “Nos campos de concentração, as pessoas diziam: seremos livres no Natal. Eu realmente não acreditava, mas estava certo”, conta hoje, aos 102 anos.
Em janeiro de 1945, Moalic foi transferido para o subcampo de Ohrdruf, onde foi forçado a cavar túneis dia e noite sob temperaturas de até -15°C. “Achei que morreria. Pela primeira vez, pensei que talvez não voltasse”, relata. Uma mudança de função — trabalhar com instalações elétricas — salvou sua vida.
Pouco depois, ele foi forçado a participar de uma das marchas da morte em direção a Buchenwald. “Caminhamos três ou quatro dias sob chuva, com gente caindo pelo caminho. Quem não conseguia seguir era fuzilado.” Moalic lembra de 72 cadáveres espalhados na subida até a estação de Weimar.
Hoje, Buchenwald é um memorial permanente. Suas ruínas, documentos e histórias — como a de Jacques Moalic — são testemunhos vivos de um regime que fez do ódio uma política de Estado. A rebelião dos prisioneiros, a brutalidade sistemática e o silêncio quebrado pelas imagens dos Aliados são peças fundamentais da memória do Holocausto. Lembrar e compreender sua história é essencial para garantir que crimes como esses jamais se repitam.
A Bruxa de Buchenwald
Ilse Koch, esposa do comandante de Buchenwald, ficou conhecida por sua crueldade no campo de concentração. Ela foi acusada de torturar prisioneiros, humilhá-los publicamente e selecionar vítimas com tatuagens para suposta fabricação de objetos com pele humana. Condenada por crimes de guerra em 1947, teve a pena reduzida, mas foi julgada novamente e sentenciada à prisão perpétua. Suicidou-se em 1967. Ilse tornou-se símbolo do sadismo feminino no nazismo.
“Caminhamos três ou quatro dias sob chuva, com gente caindo pelo caminho. Quem não conseguia seguir era fuzilado.”
Jacques moalic, sobrevivente de buchenwald