tropas britânicas fotografam cadáveres. no campo de Bergen-Belsen, foram encontrados 60.000 homens,mulheres e crianças morrendo de fome e doenças crédito: ERIC SCHWAB / AFP
JÚLIO MOREIRA
Em 15 de abril de 1945, as tropas britânicas que adentraram o campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha, se depararam com 60 mil prisioneiros em condições críticas, milhares de corpos apodrecendo ao ar livre, montes de cadáveres nos pavilhões. A libertação do campo pelas tropas do general Bernard Montgomery revelaria ao mundo um dos maiores exemplos do que foi o projeto de extermínio e desumanização promovido pelo regime nazista.
O campo havia sido estabelecido em 1940 com outra finalidade. Naquele momento, era apenas um campo de prisioneiros de guerra — chamado Stalag XI-C ou Stalag 311 — que abrigava ses, belgas, italianos e, sobretudo, soldados soviéticos. No entanto, as condições já eram brutais: milhares desses prisioneiros morreram de fome, doenças e maus-tratos. Em abril de 1943, Bergen-Belsen foi transferido ao controle das SS e transformado oficialmente em campo de concentração. A partir daí, iniciou-se uma fase ainda mais sombria da sua história.
Sob comando das SS, Bergen-Belsen foi dividido em dois setores: o campo de “residência”, destinado a judeus que poderiam ser trocados por civis alemães detidos no exterior; e o campo de detenção, por onde aram dezenas de milhares de pessoas. No primeiro setor, os presos tinham, teoricamente, melhores condições, pois seriam moeda de troca diplomática. Mas a realidade não tardou a se deteriorar. Dos 14.700 judeus recebidos ali com essa finalidade, apenas 2.560 foram efetivamente libertados.
Bergen-Belsen não possuía câmaras de gás como Auschwitz, mas isso não significava que era menos letal. A combinação de superlotação, desnutrição severa, ausência de saneamento, falta de assistência médica e a disseminação de doenças como o tifo provocaram a morte de cerca de 50 mil pessoas entre 1943 e 1945. Somente em março de 1945, 18 mil prisioneiros morreram.
Havia apenas um forno crematório em funcionamento, o que tornava impossível lidar com a quantidade de mortos. Os corpos aram a ser amontoados ao redor dos alojamentos e enterrados em fossas comuns cavadas por prisioneiros enfraquecidos.
A tragédia não terminou com a chegada dos Aliados. Mesmo após a libertação do campo, o tifo e outras doenças continuaram matando. Nas semanas seguintes a 15 de abril, 13 mil prisioneiros morreram, muitos já fracos demais para resistir. O Exército britânico precisou de semanas para controlar a epidemia e limpar o local.
Em junho de 1945, por ordem do Exército, o campo foi incendiado. A justificativa era sanitária, mas o gesto teve também um peso simbólico: erradicar fisicamente um dos espaços mais degradantes da história moderna.
A descoberta de Bergen-Belsen teve forte repercussão na imprensa ocidental, principalmente no Reino Unido e nos Estados Unidos. As imagens feitas pelos soldados britânicos correram o mundo, revelando de forma crua as atrocidades nazistas. Para muitos, tratava-se da primeira confirmação visual de denúncias feitas ao longo da guerra, mas que haviam sido ignoradas, desacreditadas ou relativizadas.
As vítimas de Bergen-Belsen foram resultado direto da política de desumanização racial e repressão ideológica dos nazistas. Além dos judeus, morreram ali ciganos, testemunhas de Jeová, homossexuais, opositores políticos e criminosos comuns. Estima-se que, ao longo da guerra, também tenham perecido no campo 20 mil prisioneiros de guerra soviéticos, mortos entre 1940 e 1943.
Anne Frank, uma das vítimas reprodução
Anne Frank, uma das vítimas
Entre as vítimas do campo estava Anne Frank, a jovem judia que se tornou símbolo da luta contra o ódio racial e da resistência da esperança em tempos de escuridão. Nascida em Frankfurt, em 1929, Anne fugiu com sua família para Amsterdã em 1934. A partir de julho de 1942, viveu escondida no “Anexo Secreto”, onde escreveu o diário que a tornaria mundialmente conhecida.
Após serem descobertos, em agosto de 1944, Anne, Margot (sua irmã) e os pais foram enviados a Auschwitz. Em novembro, Anne e Margot foram transferidas para Bergen-Belsen. Lá, as duas contraíram tifo e morreram entre fevereiro e março de 1945, semanas antes da libertação do campo. Anne tinha apenas 15 anos.