A rendição que dividiu o mundo
A queda do Terceiro Reich selou o fim do conflito na Europa e abriu caminho para a Guerra Fria
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Siga noJúlio Moreira
Entre os escombros de Berlim e o silêncio das cidades arrasadas, a Alemanha nazista assinava sua rendição em maio de 1945. O fim da Segunda Guerra Mundial na Europa estava selado. Mas o processo foi tudo, menos simples: fragmentado, confuso e politicamente carregado, o colapso do Terceiro Reich não apenas encerrou o maior conflito bélico da história, como abriu caminho para um novo antagonismo global. O que se seguiu não foi um mundo unido pela paz, mas uma Europa fraturada entre o Ocidente e a União Soviética — e uma Alemanha partida ao meio. A rendição da Alemanha foi um processo em camadas, que se estendeu de 2 a 11 de maio de 1945. A primeira grande frente a cair foi a italiana: ainda em abril, o general Heinrich von Vietinghoff negociou um cessar-fogo que entrou em vigor em 2 de maio, no mesmo dia em que Berlim foi tomada pelo Exército Vermelho.
No dia 4, tropas alemãs começaram a se render no norte da Alemanha e na Áustria. Em 5 de maio, os combatentes bávaros depam armas, e o novo governo provisório alemão, liderado pelo almirante Karl Dönitz a partir de Flensburg, autorizou a rendição formal. O general Alfred Jodl, chefe de operações do Alto Comando das Forças Armadas, foi enviado à cidade de Reims, na França, para negociar com os aliados ocidentais.
Na madrugada de 7 de maio, cercado por representantes Aliados e jornalistas, Jodl assinou a rendição incondicional da Alemanha. O cessar das hostilidades seria efetivo à meia-noite do dia 8. Mas a cerimônia, apressada e sem protagonismo soviético, provocou revolta no Kremlin.
Stalin impõe nova
O representante soviético em Reims, general Ivan Susloparov, assinou o documento com reservas – sem instruções claras de Moscou e sob intensa pressão dos Aliados. Poucas horas depois, uma ordem direta de Stalin chegou: o governo soviético não aceitaria a rendição como válida. O líder soviético exigia uma nova cerimônia, agora em solo alemão, sob controle e comando da União Soviética.
Temendo um rompimento entre os Aliados, os governos ocidentais concordaram. Uma nova rendição foi marcada para a noite de 8 de maio, no quartel-general soviético de Karlshorst, em Berlim Oriental. Desta vez, quem representou a Alemanha foi o marechal Wilhelm Keitel, chefe do OKW. Ao lado do marechal Georgy Zhukov, o documento foi assinado à luz de velas, após um blecaute, marcando simbolicamente o fim do Terceiro Reich no mesmo solo onde ele fora erguido.
As diferenças políticas se manifestaram até no calendário. Por causa do fuso horário, a rendição foi anunciada em Moscou na madrugada do dia 9 de maio. A União Soviética transformou essa data em feriado nacional: o Dia da Vitória. Já o Ocidente consagrou o 8 de maio como Victory in Europe Day (VE Day).
Essa divergência aparentemente técnica antecipava uma cisão muito mais profunda: a divisão ideológica do mundo. As nações aliadas, unidas contra o nazismo, rapidamente se tornaram rivais num novo tabuleiro geopolítico – a Guerra Fria.
Para o povo alemão, a rendição não veio com fogos nem desfiles. Veio com silêncio, medo e devastação. Cidades destruídas, milhões de mortos, famílias separadas, fome e caos humanitário. Muitos civis sentiram alívio com o fim do conflito, mas outros ainda alimentavam ilusões plantadas pela propaganda nazista. O sentimento predominante era o desamparo.
O avanço soviético no leste provocou uma onda de pânico. Civis fugiam para o oeste na tentativa de escapar de represálias. Suicídios em massa tornaram-se comuns, especialmente entre membros do Partido Nazista e oficiais que temiam julgamentos e punições.
Com a derrota alemã, os Aliados iniciaram o processo de desnazificação, visando erradicar a ideologia nazista das instituições, da cultura e da política. O marco mais visível desse esforço foram os Julgamentos de Nuremberg, onde líderes do regime foram condenados por crimes de guerra e contra a humanidade.
Além disso, milhões de cidadãos foram obrigados a preencher questionários detalhando seu envolvimento com o Terceiro Reich. O processo foi desigual: nas zonas ocidentais, o anticomunismo logo suavizou o rigor das investigações. Já na zona soviética, a desnazificação foi usada como ferramenta de controle político e ideológico.
O general alemão Stumpff, um dos representantes do Alto Comando Alemão, assina o ato definitivo de rendição alemã no quartel-general das forças soviéticas em Berlim
Duas alemanhas
A ocupação militar da Alemanha foi inicialmente pensada como algo temporário. O país foi dividido em quatro zonas – americana, britânica, sa e soviética. No entanto, a tensão crescente entre os blocos impossibilitou qualquer reunificação imediata.
Em 1949, a divisão tornou-se oficial:
República Federal da Alemanha (RFA): formada em maio, com capital em Bonn, sob regime democrático e capitalista, alinhada ao Ocidente.
República Democrática Alemã (RDA): criada em outubro, com capital em Berlim Oriental, sob regime comunista, alinhado à URSS.
Berlim, embora situada dentro da zona soviética, também foi dividida. Essa fragmentação culminaria, em 1961, com a construção do Muro de Berlim, o maior símbolo da Guerra Fria.
Uma vitória que dividiu
A rendição da Alemanha em maio de 1945 pôs fim a uma guerra que devastou o mundo, mas também inaugurou uma nova era de confrontos, desta vez ideológicos. Berlim, onde se assinou o fim da guerra, se transformou no epicentro da tensão global. E a Alemanha, derrotada e dividida, tornou-se o espelho da nova ordem mundial.
A paz veio, mas com fronteiras de arame, muros de concreto e silêncios longos. Seriam necessários mais 45 anos para que a Alemanha se reunificasse – e com ela, parte da esperança de um continente menos fragmentado.