Trinta anos de combate à escravidão: sem segurança, não há resgate
"Sem segurança, não há fiscalização. Sem fiscalização, há mais exploração, mais impunidade e mais violação de direitos"
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Siga noIvone Corgosinho Baumecker
Presidente da Delegacia Sindical em Minas Gerais do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (DS-MG/SINAIT)
No último 13 de maio, enquanto o país celebrava os 137 anos da abolição legal da escravidão com a da Lei Áurea, também se marcaram os 30 anos de uma política pública que efetivamente dá sentido a esse marco histórico: os Grupos Especiais de Fiscalização Móvel, responsáveis por mais de 66 mil resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão desde 1995.
Criado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o grupo móvel se tornou referência mundial no combate ao trabalho escravo contemporâneo. Em campo, a ação é coordenada por Auditores-Fiscais do Trabalho e conta com o apoio de instituições como o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal, a Defensoria Pública da União e, até o fim do ano ado, da Polícia Rodoviária Federal.
Apesar dos resultados expressivos, a continuidade dessa política está ameaçada. Para nós, auditores- fiscais do trabalho, a falta de segurança impacta diretamente nas operações, que estão sendo atrasadas ou canceladas. Isso significa trabalhadores escravizados não sendo resgatados, criminosos impunes e a violação sistemática de direitos humanos sendo perpetuada sob o olhar inerte do Estado.
Na data em questão, um ofício foi enviado a diversas autoridades — entre elas os ministros Luiz Marinho (Trabalho e Emprego), Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) e Macaé Evaristo (Direitos Humanos e Cidadania) — denunciando a gravidade da situação. O documento cobra providências urgentes para garantir a segurança das equipes em campo, o que é condição mínima para o exercício da atividade fiscal.
Não é a primeira vez que a fiscalização do trabalho sofre com a insegurança. A Chacina de Unaí, que tirou a vida de três auditores e um motorista em 2004, escancarou ao Brasil o risco de combater o trabalho escravo. Desde então, dezenas de outros casos de violência e ameaças foram registrados. Em 2012, uma equipe foi mantida refém por 12 horas em Sergipe. Em 2018, auditores foram perseguidos em Minas Gerais. Em 2023, houve ameaças diretas em Goiás e um episódio grave de tentativa de atropelamento em Roraima. A linha do tempo de agressões e intimidações mostra que esses riscos não são isolados, mas parte de um padrão que precisa ser interrompido com urgência.
Minas Gerais tem sido protagonista no enfrentamento a essa mazela. Em 2024, o estado liderou o ranking nacional de resgates, com 500 trabalhadores libertados em 42 fiscalizações — 25% do total nacional. Esse resultado só foi possível graças à atuação coordenada do grupo estadual de combate ao trabalho escravo, uma força-tarefa coordenada com articulação entre parceiros como o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal e a PRF. Contudo, esse esforço está ameaçado pela fragilidade estrutural da fiscalização, pelo déficit de pessoal e pela insegurança crescente dos agentes públicos.
É inissível que o Brasil, reconhecido internacionalmente por essa política pública, permita seu enfraquecimento por omissão. Proteger os auditores-fiscais do trabalho é proteger a política de combate ao trabalho escravo. Sem segurança, não há fiscalização. Sem fiscalização, há mais exploração, mais impunidade e mais violação de direitos.
A Delegacia Sindical em Minas Gerais, DS-MG/SINAIT, reforça o chamado à sociedade e às autoridades para que não deixem essa data ar como um marco simbólico vazio. Trinta anos de combate efetivo à escravidão contemporânea merecem mais que celebração: exigem compromisso renovado com a proteção de quem torna essa política possível.