Se o diagnóstico é feito em fase inicial, há cura com qualidade de vida
Com a estimativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca) de quase 72 mil novos casos de câncer de próstata a cada ano para o triênio 2023-2025, é de se esperar que as orientações de especialistas sejam as mesmas que para outros tipos de tumores: quanto antes a detecção, maiores as chances de tratamento e, possivelmente, cura.
Só que tanto no Brasil quanto em outros países do mundo, como nos Estados Unidos, não há indicação oficial para o chamado rastreamento do tumor de próstata nos homens.
A Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde publicou uma nota técnica no último dia 25 em que faz a recomendação pelo não rastreamento populacional do câncer de próstata. É importante destacar que essa recomendação não é nova, e o Ministério da Saúde já adota essa prática desde 2015.
Da mesma maneira, o CDC americano (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) não recomenda o rastreio de câncer de próstata em homens no país com o exame PSA.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), por outro lado, adota uma posição em que reconhece que as barreiras para a implementação de um programa efetivo de rastreio são a alta frequência de tumores indolentes (que não evoluem clinicamente) conforme o aumento da idade e uma alta morbidade (danos à saúde, que podem ser incapacitantes) relacionada aos procedimentos utilizados para tratamento de câncer de próstata.
Já o Conselho da União Europeia publicou, em dezembro de 2022, um documento em que afirma que os países devem avaliar a viabilidade e efetividade do rastreio populacional de câncer de próstata e a implementação de programas organizados para detecção precoce.
DOENÇA
O câncer de próstata ocorre por uma multiplicação anormal das células da próstata, formando o que os médicos chamam de hiperplasia prostática. Ele pode aparecer em quatro estágios ou fases, do menos agressivo ao mais agressivo.
Em geral, na fase inicial o câncer de próstata é assintomático e não altera a vida do paciente. Já na fase avançada, ele pode causar dores, vontade de urinar o tempo todo, inclusive à noite (chamado de nictúria), sangue ao urinar e disfunção erétil.
Os fatores de risco associados ao câncer de próstata são, em primeiro lugar, a idade, seguida de histórico familiar, tabagismo, sobrepeso e obesidade.
Além do exame de toque retal, a detecção de câncer de próstata é dada por alterações no chamado PSA livre (antígeno prostático específico).
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Segundo o Ministério da Saúde, embora seja importante o diagnóstico precoce para detecção do câncer em estágios iniciais, revisões sistemáticas recentes (estudos que sintetizam o conhecimento produzido até então e apresentam novos dados ou interpretação de um assunto) identificaram que o rastreio aumenta significativamente o número de novos casos, mas sem redução significativa da mortalidade.
Eles citam um estudo de 2019 conduzido na Europa que acompanhou milhares de pacientes por 16 anos e não encontrou uma redução significativa na mortalidade específica por câncer de próstata associada ao rastreamento populacional.
Em outras palavras, faz-se o que muitos médicos chamam de "sobrediagnóstico": a detecção de tumores que não necessariamente trazem impacto na vida do paciente. "Por meio da tentativa de fazer o diagnóstico precoce, com o rastreamento, existe um elevado número de novos diagnósticos de câncer que não gera problemas significativos ou problemas à saúde no decorrer da vida do paciente", afirma o coordenador da Atenção à Saúde do Homem do Ministério da Saúde, Celmário Brandão.
De acordo com ele, o ministério se baseia em evidências que apontam que não há um benefício do ponto de vista de redução da mortalidade. "Há uma associação forte com problemas relacionados ao o aos serviços, ao o aos exames e depois ao chamado "sobretratamento", que é o tratamento de pessoas sem necessidade porque elas morrem de outras causas, não de câncer de próstata", explica.
RECOMENDAÇÃO
A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), por outro lado, mantém a recomendação de rastreio populacional em homens a partir de 50 anos ou, em caso de histórico familiar, a partir dos 45, explica o professor de Uro-oncologia da Unicamp e gerente médico do A.C. Camargo, Walter Henriques da Costa. "Entendemos que há diferenças populacionais importantes entre o Brasil e esses países, por exemplo, que requerem um olhar mais diferenciado para a situação brasileira, onde há uma incidência elevada de casos diagnosticados já em estágios avançados da doença."
De acordo com Costa, os dados utilizados pelo Ministério da Saúde são considerados o que há de mais rigoroso em termos de evidência científica atual, mas há também estudos consistentes feitos em países como a Suécia que encontraram um benefício do rastreamento naquela população. "No caso do Brasil, a desigualdade no o dos pacientes exclusivos do Sistema Único de Saúde (SUS) em relação à saúde privada também é uma outra barreira, e cerca de 35% dos casos já são detectados na fase avançada", afirma.
Brandão reforça que o ministério não recomenda o rastreio porque entende que ações de promoção e prevenção à saúde do homem são mais eficazes quando implementadas o ano todo, e não somente no Novembro Azul. "Estados e municípios devem aproveitar esse momento para trazer conscientização sobre o cuidado integral à saúde do homem, e não apenas realizar o máximo de exames para detecção de câncer de próstata no mês", diz.
De maneira similar, Costa acredita que um cuidado individualizado é essencial. "Acreditamos na busca do melhor diagnóstico para cada paciente. Não adianta diagnosticar câncer de próstata em um paciente idoso, com várias comorbidades, que não tem uma expectativa de vida alta e provavelmente irá enfrentar uma ansiedade gerada pela descoberta do tumor. Já homens saudáveis, com mais de 70, 80 anos, e que ainda irão viver mais, é possível que a descoberta possa ajudar na chamada vigilância ativa", diz.