O objetivo primordial da adoção é assegurar um desenvolvimento integral e saudável para crianças e adolescentes em situação de risco, abandono ou violência
De acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 33 mil crianças e adolescentes estão atualmente em abrigos e instituições públicas no Brasil. Entre eles, 4.499 estão prontos para adoção, aguardando por uma família e por um ambiente afetuoso para crescerem de maneira saudável.
Apesar do número de interessados em adotar no Brasil ser de 36.437, em 2023, há um desequilíbrio evidente. A maioria das crianças disponíveis para adoção (83%) tem mais de 10 anos, enquanto apenas 2,7% dos pretendentes estão dispostos a adotar nessa faixa etária, revelam os cálculos do CNJ.
A professora de Direito da Criança e do Adolescente do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Selma Sauerbronn detalha a importância e como funciona o processo de adoção, confira:
Quais são os requisitos legais para que uma pessoa ou casal possa adotar uma criança no Brasil? Quais são os principais os e procedimentos jurídicos envolvidos?
O pretendente à adoção deve possuir idade superior a 18 anos, independentemente do estado civil. De acordo como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é preciso haver uma diferença de idade de 16 anos, entre a pessoa pretendente à adoção e o adotando. O pretendente à adoção deve se cadastrar no cadastro de adoção, de pessoas que pretendem adotar, gerido pela Vara da Infância e da Juventude.
Assim, primeiro, aquele que pretende adotar deve se dirigir à vara da infância e juventude e iniciar um procedimento istrativo para se inscrever no cadastro para a adoção de crianças e adolescentes. Uma vez inscrito no cadastro de adoção, ele poderá postular uma adoção de criança e adolescente no Brasil. Dessa forma, ele estará apto a formular, efetivamente, eu pedido de adoção.
Como funciona o processo de habilitação para adoção?
Existem duas modalidades de habilitação. Uma para adoção nacional e outra para a internacional. Na adoção nacional, o pretendente se dirige à Vara da Infância e Juventude e informa que pretende ingressar no cadastro de adoção. Em seguida, será iniciado um procedimento istrativo, para o qual serão exigidos alguns documentos. Após formulado o pedido de ingresso no cadastro, a equipe multiprofissional elaborará o relatório técnico, envolvendo, inclusive visitas à residência do pretendente a adoção.
Estando tudo certo, na perspectiva legal, o juiz deferirá a habilitação do pretendente, incluindo o nome dele ou do casal no cadastro. A partir daí, é que o pretendente ou o casal poderão ser chamados para informar o interesse em adotar as crianças e adolescentes que se encontram devidamente cadastradas, dentro de uma ordem cronológica.
Em relação à adoção internacional, o pedido de habilitação deve ter início no país de residência habitual do pretendente à adoção ou do casal pretendente. Apreciados os requisitos nesse país, será enviado um relatório ao Brasil. Estando tudo 'ok' em relação aos requisitos da legislação brasileira, será deferida a habilitação e a inclusão do cadastro de pretendentes à adoção internacional, porém em lista separada.
Quais são os principais desafios legais enfrentados por famílias durante o processo de adoção no Brasil?
O principal desafio legal é quando os pais biológicos não concordam com a adoção, quando se tem alguma objeção à adoção. Ainda que haja objeção dos pais biológicos, é possível que a adoção, ao final, receba uma sentença favorável aos adotantes. É um desafio em relação ao processo, pois em virtude do litígio, há que se instalar o contraditório, assegurando-se ampla defesa dos pais biológicos. Outro desafio diz respeito à adaptação de criança e adolescente com idades avançadas lar adotivo.
Qual é o papel do Estado e das instituições governamentais no acompanhamento pós-adoção?
Após o trânsito em julgado de uma sentença que defere um pedido de adoção não há um acompanhamento específico. As instituições, no entanto, oferecem e semelhante aos disponibilizados legalmente às famílias com filhos biológicos. Após a adoção ser deferida, os pais adotivos assumem o poder familiar sobre os filhos adotivos.
Portanto, o apoio e auxílio quanto à criação e educação dos filhos adotivos seguem padrões normais, similares aos realizados com filhos biológicos. Um exemplo disso é o papel do Conselho Tutelar: eles são acionados em situações que requerem intervenção, da mesma forma que ocorre em relação aos filhos biológicos. Não há distinção nesse aspecto.
Como a legislação brasileira protege os direitos da criança durante o processo de adoção?
A proteção é o pilar central do Instituto da Adoção, atuando como salvaguarda para crianças e adolescentes cujos direitos fundamentais estejam sob ameaça ou violação. Seja por abandono da família biológica, maus tratos ou qualquer forma de agressão, a adoção representa uma medida protetiva. O objetivo primordial da adoção é assegurar um desenvolvimento integral e saudável para crianças e adolescentes em situação de risco, abandono ou violência.
Durante o processo de adoção, o sistema judicial assume obrigações, particularmente quanto à avaliação minuciosa do contexto familiar adotivo para aferir a sua adequação na criação e educação da criança ou adolescente que será adotado. Essa análise é conduzida por equipes multiprofissionais compostas por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos.
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Eles visitam o lar dos futuros pais adotivos para avaliar se a adoção é adequada àquele caso concreto. Assim, a proteção do sistema de justiça se manifesta por meio desse cuidadoso processo de avaliação, no sentido de garantir a proteção dos direitos daqueles que serão submetidos à adoção.
Quais são os principais casos em que a revogação da adoção pode ser considerada segundo a lei brasileira?
É fundamental ressaltar a distinção entre a entrega de crianças e adolescentes ao juiz para adoção e outras formas de cuidado. São contextos completamente distintos. Considerando a equivalência de direitos aos pais adotivos, tudo o que se aplica aos pais biológicos deve, em tese, aplicar-se aos pais adotivos. Por exemplo, se os pais biológicos têm a possibilidade de entregar seus filhos espontaneamente para a adoção, essa mesma possibilidade deve ser estendida aos pais adotivos. Da mesma forma, a destituição do poder familiar é uma possibilidade tanto para pais biológicos quanto para pais adotivos.
Isso não implica revogar a adoção, visto que o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que a adoção é um ato irrevogável. No entanto, a destituição do poder familiar para pais adotivos pode ocorrer em casos extremos, como maus-tratos, violência, agressão, abandono, entre outros. As mesmas condições que justificariam a destituição do poder familiar para os pais biológicos são aplicáveis aos pais adotivos. Portanto, a questão central é reconhecer as situações de destituição do poder familiar dos pais adotivos, sempre observando o interesse superior das crianças e dos adolescentes, com prioridade máxima.
Como lidar com questões jurídicas complexas que possam surgir após a conclusão do processo de adoção, como a busca por informações sobre a família biológica da criança?
Durante o processo de adoção, há um momento normatizado para a busca de integrantes da família extensa (tio, tia, avô, etc). Nessa fase, existe a possibilidade de buscar um integrante da família ou até dos pais biológicos. Lembrando que, mesmo após o processo de adoção, pode haver o interesse do adotado em descobrir suas origens, hipótese amparada pelo artigo 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Esse artigo garante o direito das crianças e adolescentes adotados de buscarem suas origens, mesmo após a conclusão do processo de adoção. Isso inclui verificar informações sobre seus pais biológicos, residência e possíveis irmãos, mas o desejo geralmente se concentra em conhecer os pais biológicos. Esse direito é essencial, ligado à dignidade da pessoa humana.