Ética médica: o que profissionais podem (ou não) fazer nas redes sociais
Caso das estudantes que expam paciente transplantada reabre debate sobre condutas éticas na era digital e relembra episódios como o de Marília Mendonça
compartilhe
Siga noO vídeo de duas estudantes de medicina que expam, no TikTok, detalhes do histórico clínico de uma paciente rara — Vitória Chaves da Silva, 26 anos, submetida a três transplantes de coração e um de rim — reacendeu um alerta no meio médico: até onde vai o direito de compartilhar experiências e quando começa a violação de privacidade?
- Alagoano viveu 34 anos depois de receber transplante de coração; veja
- A revolucionária e polêmica técnica de reviver órgãos para transplantes
Mesmo sem citar o nome da paciente, a raridade do caso e a identificação da instituição permitiram que Vitória fosse reconhecida. Dias após a publicação, ela faleceu, ampliando a dor da família e os questionamentos éticos sobre a exposição. As estudantes pediram desculpas às famílias e aos seus seguidores.
Para a advogada Nycolle Soares, advogada especialista em direito da saúde e sócia do escritório Lara Martins Advogados, sócia e CEO do Lara Martins Advogados, no caso das estudantes, não bastava apenas omitir o nome do paciente para garantir que ela não fosse identificada.
“Como se trata de um caso único, mesmo sem falar o nome da pessoa, foi possível identificar quem era. Por isso, quando se fala em tratamento de saúde, o primeiro o é falar de forma anonimizada. É um termo da legislação que se refere a não identificar a pessoa”, explica a especialista.
Leia Mais
A exposição, segundo ela, rompe limites fundamentais da conduta médica e da proteção de dados sensíveis. “As informações relacionadas a tratamentos de saúde, quando utilizadas para algum tipo de publicação em rede social ou qualquer outro veículo de comunicação, devem ser utilizadas, antes de tudo, com ética, mas com a finalidade de propagar conhecimento, fazer esclarecimentos à população — e jamais de maneira como um escárnio.”
A advogada faz questão de reforçar que o ambiente digital não é um lugar à parte da lei. “Retirar da plataforma não significa eliminar o conteúdo”, acrescenta. “Esse conteúdo foi baixado, muito provavelmente muitas pessoas possuem esse vídeo salvo nos seus computadores, nos seus smartphones. Então, a ideia de que a gente faz algo na internet e apaga depois é uma ilusão”.
O caso se junta a outros episódios de exposições indevidas que abalaram o país. “Esse caso, principalmente em decorrência do óbito da paciente, me lembra de dois outros emblemáticos: Cristiano Araújo e Marília Mendonça. No caso da cantora, onde houve uma série de vídeos e conteúdos que foram relacionados a momentos do salvamento dos corpos e das pessoas que estavam na aeronave”, diz Nycolle.
Além da exposição, as estudantes ainda divulgaram uma acusação não comprovada de que a paciente teria descumprido a medicação — algo veementemente negado pela família.
- É possível identificar abuso ou má conduta do médico em exames ginecológicos?
- As sutis diretrizes do novo Código de Ética Médica
“Com essa conduta, você também banaliza o próprio programa de transplante, que é um programa que foi um ganho enorme do nosso país e que serve de referência para o mundo inteiro”, alerta a advogada, ao lembrar que as consequências de falas das estudantes podem atingir não só os envolvidos diretamente, mas também comprometer políticas públicas e a confiança no sistema de saúde.
“A paciente não seria submetida a transplante se ela não tivesse o devido acompanhamento, se os médicos não atestassem que ela poderia, que ela precisaria daquele transplante”, informa Nycolle.
O caso está sendo investigado pela Polícia Civil de São Paulo como injúria, e o Ministério Público já acompanha a apuração. A defesa das estudantes alegou que a intenção era apenas demonstrar surpresa diante de um caso raro. E elas já se pediram desculpas à família e seguidores.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia