INSTRUMENTO GRÁFICO

Genograma: mapa das relações familiares que explicam a vida e seus desafios

Para o bem ou para o mal, ferramenta entende a complexidade das interações entre parentes, observando padrões de comportamento ados de geração para geração

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"Assim como nossa linguagem falada potencializa e organiza nossos processos de pensamento, os genogramas auxiliam os terapeutas a pensarem sistematicamente sobre como os acontecimentos e relações nas vidas de seus pacientes estão relacionados a padrões de saúde e doença". Assim a assistente social Mônica McGoldrick, discípula do psiquiatra Murray Bowen (quem propôs a utilização do genograma em terapia familiar sistêmica), fala sobre a ferramenta.

Como explicam as psicólogas Genilce Rodrigues Cunha e Luciana Pellegrino Veloso, o genograma é um recurso que estrutura de forma prática os padrões de interações familiares. "Parte da construção de um organograma por meio de uma linguagem padronizada, a fim de rastrear a história e os relacionamentos familiares e oferecer uma visão ampla do sistema transgeracional", esclarecem.

O genograma, elucidam, abrange, no mínimo, três gerações: a família de origem (biológica e/ou adotiva), a nuclear (pai, mãe e filho) e a extensa (além de pais e filhos, inclui outros parentes próximos, como avós, tios, primos e outros parentes), e permite a compreensão das interações de seus subsistemas (individual, parental, conjugal e fraternal).

Em explicação didática, como instrumento valioso para entender a complexidade das relações familiares e seus impactos na vida dos indivíduos, um genograma é uma ferramenta gráfica que retrata a estrutura e dinâmica de uma família, incluindo relações, comportamentos e padrões de comportamento.

Utiliza símbolos padronizados para representar membros da família, vínculos, conflitos, doenças e outros dados relevantes e, além de relações, pode incluir informações sobre profissão, escolaridade, problemas de saúde e conflitos.

Ontem e hoje

A principal função do genograma é facilitar a compreensão da história familiar e seus impactos na vida do indivíduo, permitindo a identificação de padrões transgeracionais e a análise da rede de apoio, mapeando relacionamentos e características que, de outra forma, poderiam ar despercebidos em um gráfico genealógico.

"Essa ferramenta vem sendo utilizada desde a década de 1940 e teve sua origem na medicina familiar, com a finalidade de acompanhar a história médica das pessoas internadas com esquizofrenia, registrando o maior número de informações possíveis", afirmam Genilce e Luciana. Nesse primeiro momento, foi possível perceber que, quando os pacientes recebiam visitas de seus familiares, nos dias seguintes, pioravam.

Murray Bowen, que trabalhava em um hospital psiquiátrico, pensou a esquizofrenia como o sintoma de um processo emocional que envolvia toda a família e começou a estudar as relações e estruturas familiares. Assim, o genograma é inspirado no heredograma, desenho usado na medicina genética para  fazer uma previsão dos genes que podem ser transmitidos entre os membros da família.

Murray Bowen queria encontrar uma forma de mostrar para seus alunos como eram ados de geração para geração alguns sintomas de problemas mentais, através das interações entre parentes, também reforçando com os profissionais como era importante ter uma visão ampla sobre a família. "E teve a brilhante ideia de usar o heredograma. Sua discípula direta, Mônica McGoldrick, foi quem ampliou e padronizou os traçados do genograma. Propôs a formatação teórica do genograma, com símbolos universais, vindos da genética, que permitiriam a leitura por profissionais com conhecimento técnico da ferramenta", ressaltam.

Com o seu desenvolvimento, os genogramas se tornaram uma fonte importante de hipóteses sobre como os problemas clínicos se desenvolvem no contexto da família ao longo do tempo, auxiliando nos processos terapêuticos. O genograma é utilizado por profissionais de saúde, psicólogos, terapeutas e outros, para planejar intervenções.

Na atualidade, continuam Genilce e Luciana, tem sido empregado em áreas como genealogia, medicina, psicologia, serviço social, enfermagem, direito, aconselhamento, mediação familiar, orientação de carreiras e negócios. "A ferramenta apresenta de forma esquemática, através de símbolos específicos, padrões de interações que permitem verificar repetições e compreender a trama familiar, tal como uma família específica funciona e como padrões relacionais podem ser herdados e transmitidos às gerações seguintes".

Herança

Considerando as linhagens paterna e materna, o genograma traz à luz elementos da dinâmica familiar, tais como lealdades, mitos, coalizões, alianças, triangulações e segredos, que dão sentido ao "jogo familiar". É possível rastrear, reforçam as especialistas, a complexidade do sistema familiar e observar como cada um dos membros interfere ou sofre as interferências das interações que compõem o sistema familiar, observando o contexto social e cultural no qual ele está inserido.

"Seu grande efeito terapêutico está em, a partir das intervenções do aplicador, oferecer à família, casal ou indivíduo, a possibilidade de, ao recontar sua história, ampliar a visão com novas perspectivas sobre o sistema e, assim, ressignificar ou transformar suas histórias e vivências", explicam.

O genograma é vivo e dinâmico - fornece um mapa estrutural da cada família, e pode ser atualizado sempre que ocorrerem mudanças: nascimentos, casamentos, mortes, separações, imigração, falências, prosperidade, entre outras. Também organiza o mapa dos padrões de relacionamentos e funcionamento familiar, das dificuldades e dos recursos para superar momentos de crise e a própria saúde do sistema familiar transgeracional.

Cartas na mesa

Considerando o genograma um recurso de intervenção complexa em sua elaboração, Genilce e Luciana notaram a necessidade de desenvolver algo que facilitasse sua construção, no momento do atendimento terapêutico, tornando a elaboração do genograma algo mais lúdico e didático. "Recebemos a proposta de desenvolver um instrumento para trabalhar o genograma", lembram.

Assim nasce o Baralho Interativo do Genograma (BIG), criado por elas como uma inovação dentro do tema, um elemento de apoio. "De certa forma, o baralho segue a tendência contemporânea da psicoeducação através de instrumentos didáticos que favoreçam a intervenção sistematizada, lúdica e dinâmica, além de promover a atitude colaborativa do paciente ao motivar o autoconhecimento", explicam.

O baralho é composto por 155 cartas e 37 cartões cujo manuseio é facilitado pela separação por temas e cores. Voltado a adolescentes e adultos, pode ser aplicado de forma individual ou coletiva, em sessões de casal e família em grupo, como, por exemplo, na orientação profissional e em outros contextos, conforme a demanda. "O baralho compila várias teorias que dão sustentação à leitura do genograma. É tão amplo que o profissional não necessita saber de genograma para usá-lo".

São dois baralhos que se complementam: Baralho Interativo do Genograma (BIG) e Baralho Interativo do Genograma - Temas Complementares (BIG-TC). O primeiro inclui cartas divididas em uma parte ilustrada com os símbolos e o o a o direcionado ao esquema de montagem do genograma, e outra parte com cartas perguntas que compõem os temas - sintoma, casal, família de origem e nuclear, e fechamento.

Já o BIG-TC tem cartas que contêm perguntas sobre assuntos que frequentemente permeiam os conflitos familiares: segredo, perda gestacional e neonatal, aborto, infertilidade, luto e morte, adoção, religiosidade, suicídio, animais de estimação, sexualidade, ofensa sexual, compulsão, transtornos alimentares, trabalho, escolha profissional, depressão, ansiedade, adolescência, envelhecer, adicção e codependência, autossabotagem, tecnologia, dinheiro, traição, divórcio e violência.

As perguntas são resultado de quase 30 anos de atuação profissional das autoras tanto na prática clínica, em seu trabalho como supervisoras e docentes, e na formação continuada em psicologia (cursos, imersões e supervisões).

Ponto de partida

"Ao fazer o estudo do genograma, partimos do paciente identificado para a leitura. O baralho pode  compilar o estudo dos estressores que peram as gerações e o impacto que causam nessas gerações, os conteúdos de exploração do genograma e os ciclos vitais ", elucidam. Auxiliando na aplicação da ferramenta e para permitir uma melhor visualização dos conteúdos a serem explorados, o baralho tem cartões que sinalizam seis ciclos vitais, 27 conteúdos de exploração do genograma e quatro tipos de estressores que podem perar a história da pessoa, casal ou família.

A título de esclarecimento, o ciclo vital familiar é um conceito que descreve as diferentes fases pelas quais a família a ao longo do tempo, e cada um deles representa seus próprios desafios. Algumas fases comuns são: jovens adultos solteiros (período de formação e desenvolvimento pessoal), casamento (início de uma nova unidade familiar), famílias com filhos pequenos (adaptação à paternidade e maternidade), famílias com filhos adolescentes (desafios e oportunidades relacionados à adolescência), lançando os filhos (mudanças na dinâmica familiar com a saída dos filhos de casa), e famílias no estágio tardio de vida (adaptação à aposentadoria e à velhice).

"O genograma é uma ferramenta eficaz para avaliar as famílias sob a perspectiva do ciclo vital, acompanhando a espiral desde o nascimento, ando pelo desenvolvimento até a morte", contam. Vai ajudar a compreender os legados familiares e os padrões de repetição, permitindo rastrear detalhes da história familiar em torno de pontos chave ao longo do tempo.

"Na hora de fazer o genograma, vamos pegando esses cartões, mostrando ao paciente e explicando o que aquilo significa. As cartas falam em qual estágio do ciclo de vida ele está, qual o impacto daquele estressor que ele está vivenciando, e como esse estressor a de uma geração para outra. Vamos considerando aspectos sobre o que o cliente nos conta. Se ele não fala, não há como descobrir".

Genilce e Luciana exemplificam a imigração de um anteado como um estressor. "Podemos identificar como foi a imigração para o familiar, o quanto isso impacta a sua família ou a sua história até o presente momento". Outro exemplo particular, revela Genilce, é sobre seus bisavós paternos. Eram fazendeiros, muito ricos, e depois vieram à falência por questões políticas e a situação socioeconômica da época. "Pude entender como isso impactou a forma como meu pai nos ensinou a lidar com dinheiro".

Hipóteses

O objetivo do baralho é auxiliar o profissional nos atendimentos clínicos, e o BIG pode ser usado tanto por aqueles que dominam a ferramenta do genograma, e para os que desconhecem esse recurso, mas que podem se beneficiar com o uso das cartas para fazer intervenções, como dizem Genilce e Luciana. Como o genograma tem ampla possibilidade de exploração, é importante, ressaltam, esmiuçar o tema trazido pelo paciente, com perguntas a partir do levantamento de hipóteses acerca dos conteúdos.

Em algumas lacunas que ficam evidenciadas na leitura do genograma, estão os segredos, o que não é dito, coisas sobre as quais o cliente não tem consciência. "São coisas que, à medida em que vamos trabalhando com o genograma, surgem no processo terapêutico, e evidenciam como agir com a revelação de um segredo".

O aplicador, em comum acordo com o paciente, família ou casal, deverá decidir o que explorar na construção do genograma. Todos devem ter clareza sobre o objetivo do uso da ferramenta. "As hipóteses não são verdades - podem ser confirmadas, refutadas ou reformuladas, mas precisam ser elaboradas para nortearem o profissional nessa exploração. São bússolas em um mar de probabilidades, fazendo com que o aplicador não se perca, e que indicam que caminho o paciente pode escolher para seguir. Ajudam e elucidam pontos obscuros, pouco explorados, despercebidos ou negados acerca da história individual e familiar".

Por que?

Ser terapeuta é saber perguntar. Na hora de construir uma hipótese, a direção começa pelo que o cliente manifesta. "Trabalhamos em cima de hipóteses que criamos para nos nortear. O paciente é quem vai dizer que sim ou não, se aquilo faz sentido para ele. É a narrativa do cliente. O que ele quer saber? Por que eu não tenho um relacionamento sólido, por exemplo? Por que que nenhum casamento meu vai para frente? Aí vamos pesquisar as relações conjugais dessa família, quais padrões elas apresentam, o que esse cliente aprendeu com os pais sobre relações conjugais, ou o que na história desses anteados impactou nas escolhas amorosas que essa pessoa faz", descrevem Genilce e Luciana.

Outra suposição: por que a pessoa não consegue prosperar financeiramente? A busca no genograma será sobre como os anteados se relacionavam com dinheiro. "Partimos das aprendizagens que ela teve com seus pais que, por sua vez, tiveram com os pais deles, e assim por diante".

O genograma também considera todo o movimento que aquela família está vivenciando, os ciclos e processos da vida. Entre as variações no ciclo de vida familiar, o genograma considera, por exemplo: ciclo de vida de famílias pobres; famílias com recém-nascido ou gemelares; gravidez na adolescência; o jovem solteiro com necessidades especiais; pais e mães solo; o filho adulto que não sai do ninho ou que não se casa e não tem filhos; casal sem filhos, por escolha ou não, por perda ou infertilidade; casal homossexual, transexual, trisal, etc; divórcio, pós-divórcio, recasamento ou não e viuvez precoce.

"Por exemplo, o luto vivenciado por uma mulher que tem filhos pequenos quando o marido morre. Pode ser bem diferente se ela vivenciasse a perda no estágio tardio de vida ou quando ela estivesse com os filhos adultos. Como isso vai impactar na família de onde ela veio? Isso porque vai exigir dessa família um maior apoio a essa filha que ficou viúva. Tudo isso vai impactar a família como um todo".

O genograma, continuam Genilce e Luciana, também estimula a curiosidade do paciente sobre sua história e origem familiar, além de promover insights acerca da funcionalidade e disfuncionalidade familiar, bem como sobre pontos de vulnerabilidade e força de superação, o que pode ajudar em futuros posicionamentos e tomadas de decisões.

O que sustenta o genograma é a ideia de que, "se eu não conheço a minha história, eu vou continuar reproduzindo". "Somos menos livres do que acreditamos. Uma lealdade invisível nos leva a repetir, queiramos ou não, situações agradáveis ou acontecimentos traumáticos. Continuamos a cadeia das gerações e pagamos as dívidas do ado", diz a psicóloga e psicoterapeuta sa Anne Ancelin Schützenberger.

Se adequada, a exploração do genograma, para Genilce e Luciana, pode ser gratificante."Para o aplicador, ele presencia a possível tomada de consciência de cada pessoa sobre os 'nós' familiares e, para os  pacientes, favorece a conscientização dos padrões de funcionamento que poderão influenciar a manutenção  ou a ruptura de padrões relacionais. Torna-se possível resgatar a identidade do indivíduo enquanto parte integrante de sua família, seu papel e seu lugar na hierarquia familiar, permitindo a diferenciação do eu e seu próprio protagonismo". Como evidencia o slogan das psicólogas: "a arte de fazer perguntas introduz movimento".

O BIG foi lançado em agosto de 2023 na Livraria do Psicólogo e Educador, em Belo Horizonte, onde acontece, em 20 e 21 de junho, a oficina Descomplicando o genograma com o uso do BIG 2.0, com carga horária de 12 horas. Na sexta-feira, acontece entre 9h e 18h e, no sábado, de 9h às 13h. É voltada para psicólogos, estudantes de psicologia e terapeutas com formação em terapia familiar sistêmica. A participação de profissionais custa R$ 285, para estudantes R$ 195, e para associados da Associação Brasileira de Terapia Familiar (Abratef) e a Associação de Terapia Familiar e casais de Minas Gerais (ATF Minas), R$ 228. O endereço é Avenida do Contorno, 1390, na Floresta.

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