SOBRECARGA
No Brasil, mulheres dedicam o dobro do tempo às tarefas domésticas
Desigualdade na divisão com os homens se reflete na criação dos filhos. Educadora parental alerta para os impactos da sobrecarga na saúde mental das mães
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26/05/2025 12:06
- atualizado em 26/05/2025 12:18
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As mulheres dedicam quase o dobro de horas às tarefas domésticas e/ou cuidados de pessoas em comparação com os homens. É o que revela o estudo “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, divulgado pelo IBGE em 2024. Segundo os dados, elas consomem 21,3 horas semanais nos afazeres do lar contra 11,7 horas dos homens. O panorama desigual reforça uma crença ainda presente na sociedade brasileira: a de que cuidar é uma atribuição essencialmente feminina, especialmente no que diz respeito à criação dos filhos.
“A desigualdade na divisão das responsabilidades parentais no Brasil tem raízes culturais profundas. A sociedade ainda carrega padrões patriarcais que colocam a mulher no papel de cuidadora principal do lar e dos filhos, enquanto o homem é visto como provedor. Mesmo com avanços nas pautas de igualdade de gênero, a expectativa social e os julgamentos silenciosos recaem sobre a mãe, que muitas vezes se sente pressionada a ‘dar conta de tudo’”, reflete Fernanda Teles, psicóloga, educadora parental e sócia-diretora do Seminário Internacional de Mães.
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De acordo com a psicóloga, o desequilíbrio na divisão dos cuidados parentais gera consequências profundas para as mulheres e o desenvolvimento dos filhos. “Quando a mãe é sobrecarregada, ela tende a viver em constante estado de exaustão física e emocional, o que afeta diretamente sua saúde mental, autoestima e a capacidade de se realizar profissionalmente. Essa sobrecarga também compromete a qualidade da presença com os filhos — presença que a parentalidade positiva valoriza como mais importante do que quantidade. Para os filhos, a falta de envolvimento paterno pode gerar um modelo afetivo limitado, dificultando o desenvolvimento da empatia e da autorresponsabilidade. Já a relação com o pai se torna distante, o que empobrece os vínculos afetivos e a percepção da criança sobre o papel masculino na família”, alerta.
A parentalidade consciente propõe a desconstrução desses papéis com empatia e diálogo honesto e vulnerável entre os parceiros, como explica Fernanda Teles. “A equidade começa na consciência da corresponsabilidade. É fundamental que os parceiros compreendam que educar é uma tarefa compartilhada, que exige presença emocional, disposição para aprender e compromisso com o bem-estar da criança”, afirma.
A educadora parental ressalta que a mudança também precisa chegar às políticas públicas e ao ambiente de trabalho, a exemplo da equiparação da licença-paternidade. “Os primeiros meses de vida da criança são cruciais para a criação de vínculos afetivos e para que os pais aprendam juntos a cuidar. Quando o pai tem a oportunidade de estar presente desde o início, ele se sente mais confiante, conectado e comprometido com o cuidado diário, o que impacta positivamente na dinâmica familiar. Além disso, a equiparação promove igualdade no ambiente de trabalho, diminuindo o estigma sobre a contratação de mulheres em idade fértil”, pontua.
Na prática, algumas estratégias simples ajudam a equilibrar as funções: “reuniões familiares semanais para alinhar tarefas e ouvir todos os membros; distribuição equitativa das responsabilidades, levando em conta talentos e disponibilidade, mas evitando sobrecarga de uma das partes; formação contínua, como cursos e rodas de conversa sobre parentalidade, ajudando ambos os cuidadores a crescerem juntos nessa jornada”, descreve Fernanda Teles.
Modo de ação
Para Fernanda Teles, a sociedade contemporânea exige que a mulher esteja constantemente em modo de ação, controle e desempenho, características associadas à energia do masculino. “Esse estado contínuo de fazer, resolver e sustentar tudo sozinha desconecta a mulher de sua essência, criatividade, intuição e capacidade de nutrir, inclusive a si mesma. Quando a mulher se afasta de quem é em sua totalidade, ela adoece emocionalmente, se culpa por não dar conta e vive em constante sensação de inadequação. É como se estivesse sempre correndo, mas sem saber exatamente para onde. O reencontro com sua essência a por desacelerar, criar espaços de escuta interna e permitir-se ar suas forças genuínas: sensibilidade, empatia, acolhimento, presença”, observa.
Em seu projeto “Jardim Secreto”, a psicóloga oferece ferramentas práticas para ajudar as mulheres a planejar metas e realizar sonhos sem se sobrecarregar. “Acreditamos que a mulher precisa ser lembrada de que não precisa fazer tudo sozinha. Ela merece e pode viver em equilíbrio, com apoio, afeto e autenticidade. Para isso, é urgente resgatar uma nova forma de viver: menos cobrança, mais verdade. Menos força para resistir, mais força para florescer”, conclui.