
Na batalha sem inimigos, cavalhada em MG promove carnaval único no Brasil
Espetáculo, com 185 anos, funde fé e cultura. Cavaleiros e amazonas simulavam as batalhas entre cristãos e mouros durante a Guerra Santa
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Siga noSob o céu abrasador de Minas Gerais, onde o sol doura a terra e o vento sussurra histórias antigas, Bonfim transforma-se em um palco de magia efêmera. Ali, onde o ado e o presente se entrelaçam como fitas ao vento, acontece o “Carnaval a Cavalo” — que este ano completa 185 anos na cidade localizada a 92 quilômetros de Belo Horizonte. A cavalhada é uma das mais tradicionais manifestações culturais do país.
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É nos lombos de cavalos adornados que a tradição ganha asas, e as batalhas de confetes e serpentinas explodem em um turbilhão de cores, risos e lágrimas disfarçadas de alegria. Os 27 cavaleiros e as 13 amazonas chegam como heróis de um épico moderno. Seus cavalos, enfeitados com flores de papel e mantas bordadas, pisam o solo com orgulho, como se soubessem que carregam nas costas a alma de um povo. Nas mãos, os guerreiros e guerreiras levam sacos de confetes — fragmentos de arco-íris — e serpentinas que dançam como serpentes de seda. A multidão aguarda, com o coração acelerado, o momento em que o primeiro punhado de cores seja lançado ao vento.
Suspiro coletivo
Os confetes cortam o ar, uma tempestade de papel que brilha sob o sol. As serpentinas deslizam em redemoinhos, entrelaçando-se nas crinas dos cavalos, nos chapéus de palha, nos braços estendidos de crianças que tentam capturar a fugacidade. Não há inimigos aqui, apenas cúmplices de um jogo ancestral, onde cada impacto de confete é uma bênção, cada serpentina um laço invisível que une gerações.
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As crianças correm, encharcadas de cores, enquanto os mais velhos observam, com olhos úmidos, lembrando-se de quantas primaveras testemunharam essa batalha. Há algo de profundamente humano nesse espetáculo — uma metáfora viva de como a vida, ainda que breve, pode ser preenchida por momentos de pura beleza.
Quando o último confete cai, o silêncio parece ecoar mais alto que a música. O chão está coberto por um mosaico de papel, um tapete frágil que o vento logo levará. Nos rostos sujos de tinta e suor, vê-se a mesma expressão: a gratidão por pertencer a algo maior. Ali, naquele instante, todos são parte de uma história que não está nos livros, mas nos gestos, nas risadas, no modo como as mãos se unem para recolher os restos da festa, sabendo que, no próximo ano, a batalha recomeçará.
Tradição medieval
As roupas em veludo com bordados dourados são ‘armaduras’. As máscaras de tecido cobrem o rosto como um elmo. Sobre os cavalos ornados com fitilhos coloridos, cerca de 40 pessoas participam da tradicional festa, que acontece durante o carnaval, é única no Brasil e remonta às cavalhadas portuguesas, que simulavam as batalhas entre cristãos e mouros durante a Guerra Santa pela reconquista da Península Ibérica.
A tradição foi iniciada em 1840 pelo padre português Chiquinho, que trouxe as cavalhadas para o Brasil. Na época, dois grupos de cavaleiros, representando cristãos e mouros, desfilavam pela cidade vestidos com roupas coloridas e bordadas à mão. As batalhas simuladas eram acompanhadas por uma multidão de espectadores, que vibraram com as acrobacias e a destreza dos cavaleiros.
De acordo com Tiago Aguiar, atual presidente do ‘Carnaval a Cavalo’ de Bonfim, a ideia era trazer uma festa cristã para uma data pagã. A cavalhada vem se mantendo tradicionalmente na cidade de Bonfim ao longo dos anos. “A programação do Carnaval a Cavalo” ocorre no domingo (2/3), segunda e terça-feira, a partir das 14h30. Todos os cavaleiros e amazonas entram à praça central da cidade com as suas vestimentas, com seus cavalos, desfilando, trazendo a bandeira e fazendo essa representação junto ao público”, observa.
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Ornamentos
Por um tempo, a festa continuou a ser realizada nos moldes tradicionais, nos meses de maio ou junho. No entanto, um desacordo entre o padre e os organizadores da cavalhada levou à proibição da festa pela Igreja Católica. Sem a proteção da Igreja, a festa foi desvinculada da tradição católica e ou a ser festejada no carnaval. Os trajes continuaram semelhantes aos originais.
Público
Atualmente, os desfiles são uma mistura de religiosidade, fé e cultura que interagem e conquistam o público. Os participantes jogam serpentinas e confetes para a plateia, que retribui com gritos de alegria e aplausos. “Nós tivemos um público flutuante no ano ado de 15 mil pessoas por dia. A expectativa para esse ano é que o número de visitantes seja maior. Estão todos convidados para estar participando dessa festa linda e única que é o Carnaval a Cavalo, essa tradição que vem ando de pai para filho. Na terça-feira é a festa mais linda, no qual todos descem dos cavalos e fazem uma confraternização com o público na praça, imperdível”, finaliza Tiago Aguiar.
Enquanto houver cavalos galopando sob o céu mineiro, crianças correndo com punhados de arco-íris e anciãos sorrindo ao ver o ado renascer, a alma de Bonfim seguirá intacta: vibrante, resistente e infinitamente colorida.