Livro mostra como a cozinheira negra meteu a colher na história do Brasil
Taís de Sant'Anna Machado, autora de 'Um pé na cozinha', destaca o papel de resistência de mulheres que criaram sociabilidades a partir do saber culinário
Baianas do acarajé são herdeiras das "tias" que criaram sociabilidade negra nas ruas e quintais de
Salvador e do Rio de Janeiro
Rosilda Cruz/SecultBA/reprodução
Espaço fundamental para o funcionamento da sociedade e para a manutenção da vida, a cozinha abriga trabalhadoras que ninguém vê. É desse apagamento que parte a socióloga Taís de Sant'Anna Machado para escrever “Um pé na cozinha”.
O subtítulo do livro, que nasceu de sua tese de doutorado, vai direto ao ponto. É um olhar sócio-histórico para o trabalho de cozinheiras negras no Brasil. “Essas mulheres têm um dos trabalhos mais radicais de todos, que é garantir que a população sobreviva”, defende a pesquisadora. “E mesmo assim são invisibilizadas.”
Racismo
A autora diz ter começado a pesquisa determinada a provar que o racismo antinegros era uma das marcas mais importantes do trabalho na cozinha profissional. No percurso, se deparou com histórias e documentos que confirmavam a hipótese, mas também entrevistou muitas cozinheiras que ressaltavam que o racismo não era tudo.
“Elas queriam falar sobre diversos outros pontos da vida delas e de conquistas que pareciam inimagináveis a partir desse trabalho, desde comprar um vestido de festa até colocar um filho na escola”, lembra.
Tensionar esses dois âmbitos é parte fundamental da pesquisa da socióloga, que quer desmontar a ideia da cozinha como espaço de miscigenação perfeita no qual o afeto predomina, deslocando o olhar para a ação política que o ofício culinário permitiu.
Machado expõe a cozinha como lugar violento para a maioria das mulheres negras desde o Brasil escravista, mas estabelece como inegável que elas sempre tenham sido capazes de uma atuação perspicaz e de uma agência expressiva.
Costurando histórias coletivas, movimentos sociais registrados na historiografia, conceitos dos estudos críticos em alimentação e histórias individuais de cozinheiras negras, a doutora em sociologia pela Universidade de Brasília constrói camadas nessa ambivalência. Se, por um lado, registra as condições exaustivas e indignas do trabalho, por outro, lista exemplos de como as cozinheiras foram e são articuladoras da comunidade.
“A ideia não é romantizar a experiência das cozinheiras, elas enfrentaram condições impossíveis de sobrevivência”, diz. “Mas é incomum que a gente enxergue o trabalho de resistência exercido por essas pessoas. A conversa sempre esteve na cozinha e isso dava possibilidade de tramar, de se movimentar. A gente foi confinada ali. E o que gente construiu nesse confinamento">
Capa do livro Um pé na cozinha é ilustrada com quatro mulheres negras, vestidas como cozinheira doméstica, chef de cozinha e tia baiana
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