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Estado de Minas CIDADE FEMINISTA

Ruas, bares e ônibus: leitoras apontam locais de BH hostis para mulheres 4r6m5z

Enquete revela quais espaços públicos de Belo Horizonte moradoras consideram inseguros para elas e relatam casos de assédio


03/10/2021 04:00 - atualizado 01/10/2021 09:44

Pessoas usando a arela de entrada do metrô de Belo Horizonte no Bairro Lagoinha
Moradoras de BH relatam em enquete que situações consideram hostis na capital mineira (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

“A rua é hostil, a cultura é hostil. Bairro de rico ou de pobre, nada muda”. Essa sensação é recorrente entre mulheres ouvidas pelo Estado de Minas em enquete que coletou centenas de depoimentos como esse para tentar traçar um mapa dos espaços de Belo Horizonte, públicos ou não, que elas consideram hostis para elas.

A maioria das respostas cita ruas, praças e transporte público, corroborando que, de uma forma geral, o espaço público é inseguro. Mas há também referências a bares, casas noturnas e lojas, entre outros - o que confirma as reflexões da pesquisadora canadense Leslie Kern no livro “Cidade feminista: a luta pelo espaço em um mundo desenhado por homens”: nos espaços públicos ou privados as mulheres se sentem inseguras.

A enquete feita no perfil do EM no Instagram ficou disponível na ferramenta stories por 24 horas, com duas perguntas: “Você considera Belo Horizonte uma cidade hostil para mulheres">
Ver galeria . 10 Fotos Confira alguns dos mais de 240 relatos de situações de violências sofridas em espaços urbanos enviadas por leitoras do Estado de Minas em enquete on-lineRamon Lisboa/EM/D.A Press
Confira alguns dos mais de 240 relatos de situações de violências sofridas em espaços urbanos enviadas por leitoras do Estado de Minas em enquete on-line (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press )


A primeira pergunta da enquete teve resultados muito próximos entre quem considera BH uma cidade hostil para mulheres e quem acha que não. As respostas “sim”, ou seja, de que a capital mineira é ameaçadora a elas, teve 1.451 votos, o que representou 50,6% do total.

Enquanto 1.413 pessoas (49,4%) disseram “não”. No entanto, vale ressaltar que muitos homens também responderam a essa caixa de perguntas da enquete feita no stories, o que altera o resultado. A enquete demonstrou que a visão deles sobre situações hostis para mulheres dentro de cidades é diferente dos casos que elas vivem e relataram.

Pessoas embarca em ponto de ônibus no Centro de Belo Horizonte
"Nos ônibus, os homens fica tentando tocar a gente quando está cheio" (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)


Os estudos demográficos mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a população de Belo Horizonte tem mais de 1,34 milhão de mulheres (53,8% do total), enquanto os homens são 1,15 milhão de homens (46,2%).

Espaços de BH hostis para mulheres 2x2e4q

Mais de 240 mulheres participaram da segunda parte da enquete, que pediu para elas descreverem locais da capital mineira que consideravam hostis e por qual motivo. Os relatos mostram uma sensação constante de insegurança à noite, mas também de dia. Os assédios ocorrem de várias maneiras: olhares, falas, gestos, buzinas de carros e toques. “Muitos homens se sentem no direito de falar e olhar sem respeito algum”, relatou uma leitora.



O simples fato de estar sozinha em um local gera um temor constante. “Estando sozinha, qualquer espaço público é hostil: ônibus, praças, shopping, consultório”, disse outra leitora. Vias públicas, praças (entre elas a da Estação, rodoviária, Praça 7, da Savassi e Liberdade) e transportes, públicos ou por aplicativos, apareceram em dezenas de respostas.

Mas não são apenas os espaços urbanos que as leitoras consideram hostis. Comportamentos machistas e abusivos foram relatados na enquete. “Muitos homens se sentem no direito de falar e olhar sem respeito algum”. “Todas as ruas têm homens fazendo comentários nojentos”. “No Centro tem muito homem que mexe no cabelo de mulheres que estão ando. Já aconteceu comigo, infelizmente”, relataram.

Desrespeito na capital dos bares 2x2g2x

E, apesar de BH ser considerada a “capital dos bares”, as leitoras afirmaram que se sentem desconfortáveis de ar em frente a bares e restaurantes e que esses e outros locais de lazer, como casas noturnas, são hostis para mulheres. “Amo sair em BH, mas fico com medo de sair sozinha”, desabafou uma leitora.

Pessoas em bares da região do Bairro Funcionários, em Belo Horizonte
"Savassi à noite, sobretudo se formos beber ou sair sem a presença de um homem. Já tive muitas experiências de assédio na região" (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)


Outra, afirmou que nesses locais “acontecem vários assédios que não são denunciados”. “Se tiver boteco, tem de atravessar a rua. Se tiver obra, borracharia, homem, tem que atravessar”, relatou outra moradora da capital.

Entre as leitoras que citaram situações de violência contra a liberdade das mulheres, a Savassi foi citada como um local hostil. “Sobretudo se formos beber ou sairmos sem a presença de um homem. Já tive muitas experiências de assédio na região”, contou uma leitora.

Outras leitoras relataram não se sentirem protegidas de ofensas e abusos nem mesmo quando estão próximas a integrantes das forças de segurança. “Não consigo sair de casa com as pernas à mostra e com decote. Mesmo usando calça, sou assediada. Até mesmo por policiais militares. Em frente à minha casa eu sofri assédio e eles estavam na viatura”, relatou uma leitora. “Delegacias de polícia são um lugar hostil para mulheres”, respondeu outra leitora.

Marcas da agressão  4c1z3e

As agressões, muitas vezes, violam o corpo e a privacidade de mulheres. Uma leitora relatou um estupro que sofreu aos 14 anos, quando estava na região central de BH. Anos se aram e “nada foi feito” contra o agressor.  Ao contrário dele, a jovem sofre com as cicatrizes da violência.

“Eu tinha acabado de sair de um shopping e aqueles hippies da Praça 7, que sempre nos abordam, me chamaram para beber alguma coisa. Eu, na minha inocência, fui”, contou. 

"A gente não é ouvida nem acolhida, hora nenhuma. A gente pode estar totalmente fragilizada e eles vão te tratar como um nada e te por como culpada" 2t2s64

relato de mulher vítima de estupro no Centro de BH 3h1q3



Por ingenuidade, a leitora relatou que seguiu o agressor que havia dito que compraria “drogas (cannabis sativa)”. Porém, foi levada para debaixo do Viaduto Santa Tereza. 

“A única frase que eu lembro dele me falando era: ‘Vem aqui para a gente fazer um sexo gostoso’ e eu fiquei apavorada e queria ir embora. Eu tentei correr, mas tropecei. Então, ele me agarrou”. “Eu não tinha entendido o que estava acontecendo. Fiquei apavorada. E ele conseguiu sair como se ele tivesse me feito um favor”.

As marcas da agressão continuam. “Não consigo ter relacionamentos saudáveis por isso. Tenho um medo muito grande”. Aos 18 anos, sofreu outro abuso sexual. 

Após o segundo estupro, ela foi ao hospital para tomar o coquetel que diminiu as chances de DST. Mas, em vez de encontrar apoio, foi tratada com descaso. “Fui muito maltratada. E eu estava desesperada. Me trataram como se eu fosse irresponsável”.

Dificuldade ao denunciar o crime 6j2v4b

Além do choque do abuso, ela lidou com a pressão ao registrar queixa. “O processo foi arquivado, pois ouviram a versão do cidadão e levaram em conta o que ele falou e ponto”. “A gente não é ouvida nem acolhida, hora nenhuma. A gente pode estar totalmente fragilizada e eles vão te tratar como um nada e te por como culpada”. 

A leitora afirma que BH não é uma cidade que traz proteção para a mulher. “E por mais que seja espaço público, não é iluminado, não tem segurança, não é protegido. Não tem nada”, completa. 

Anos após a agressão, ela diz que a cidade não está menos hostil, mas que a forma de agredir e silenciar mulheres mudou. “Vejo que tem muitos grupos de mulheres que sofreram abusos em namoro, mas por um cara ser mais ‘conhecido’, as pessoas ‘am pano’. Tipo: ‘Ele te bateu na frente da sua filha?. Ok, mas ele é meu amigo’. Relativizam, sabe">(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)

 
Um grande problema do combate à importunação sexual é a subnotificação. “A violência contra mulheres e meninas tem uma característica diferente do roubo e do furto, que é a subnotificação. Então, a gente tem bastante dificuldade de sustentar políticas públicas em cima de dados oficiais”. Alguns motivos que levam as mulheres a não notificar os assédios sofridos são a vergonha, o medo e a culpa que recaem sobre as vítimas devido à estrutura machista da sociedade que acarreta na impunibilidade dos infratores.
 
Para garantir a divulgação do botão do assédio, já foram realizadas mais de 230 ações de conscientização. A Guarda Municipal aborda os usuários explicando o funcionamento do dispositivo e entrega de uma cartilha sobre importunação sexual uma vez por semana em estações de grande movimento. “O mês que a gente faz mais campanhas ou consegue abarcar um maior número de pessoas abordadas refletem nos números”, conta a policial. 

Estudo para facilitar denúncias  g4025

Aline acredita que a iniciativa pode ser potencializada na medida que melhora a situação da pandemia. “Acreditamos que poderemos visitar outros espaços além do transporte coletivo e falar com grandes empresas que têm uma concentração alta de mulheres em seus quadros. Quem sabe no futuro a gente consiga disponibilizar o acionamento via aplicativo de celular sem que a mulher precise se expor”, comenta Aline.
 
Em 2019, o projeto recebeu o Selo de Práticas Inovadoras do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), um sinal de reconhecimento nacional de que a sociedade está carente de políticas públicas de proteção para meninas e mulheres, e que as mesmas são extremamente necessárias.

A We Go, Organização Mundial de Cidades Inteligentes e Sustentáveis, da Coreia do Sul, concedeu o segundo lugar ao projeto num prêmio internacional sobre o tema. As premiações são importantes para a divulgação de práticas que transformem as cidades em ambientes mais saudáveis, com compartilhamento de experiências e disseminação de ideias.

*Estagiárias sob supervisão do subeditor Rafael Alves 

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