Assistir a um vídeo pornô pode até parecer um gesto inofensivo, algo só para entretenimento e prazer. Mas, não é. O consumidor desses conteúdos não só contribui com uma indústria bilionária, que lucra com a exploração do papel da mulher e até de crianças, como aprende que aquilo é sexo.
“A pornografia afeta o sexo em tudo. Quando falamos que a indústria da moda influencia a nossa roupa, todo mundo concorda. Quando falo que a indústria do sexo influencia no nosso sexo, as pessoas falam 'não'. Mas, sim. Os nossos padrões do que é legal ou não no sexo foram moldados pela indústria pornográfica”, afirma Izabella Forzani, advogada e a da página Recuse a Clicar, que atua na conscientização sobre os impactos da pornografia na sociedade.
"Sempre que me perguntam sobre essa possibilidade de se empoderar através da nudez eu percebo quanto o feminismo e o próprio termo empoderamento foram deslocados do seu caráter político e coletivo"
Izabella Forzani, advogada e a da página Recuse a Clicar
No Brasil, 22 milhões de pessoas assumem consumir pornografia, segundo pesquisa divulgada pelo canal Sexy Hot. A maioria (76%) são homens e 24% mulheres. Os números também revelam que mais da metade desse público (58%) é composta por jovens abaixo dos 35 anos. Durante a pandemia, os os a vídeos pornográficos dispararam.
Levantamento do Pornhub, site mais visitado no mundo, mostra que na primeira quinzena de março, mês que marcou o início do isolamento social em várias cidades brasileiras, o número de pessoas que viram vídeos no Pornhub subiu 13% em relação ao começo de fevereiro. A média diária de os no Brasil aumentou desde então e, até meados de julho, o uso apenas desse site de pornografia já havia crescido quase 40%. A taxa de aumento varia conforme o país, em maior ou menor escala, mas a alta foi geral.
Prazer ou performance?
Quantas vezes você já reproduziu posições desconfortáveis ou usou de agressividade como inspiração no sexo só por que viu em um vídeo pornô? Agora, você já se perguntou e perguntou para sua parceira se aquela performance toda dá e proporciona prazer? Pois é, por trás dos malabarismos de posições sexuais do pornô se escondem armadilhas que só distanciam os enredos eróticos da vida real.
“O filme pornô ensina uma performance sexual que é péssima. O homem aprende a sentir prazer ao gozar com a sua própria performance. O homem transa com a performance dele. É um monólogo narcísico. E a mulher finge muito para devolver o espelho de masculinidade dele para ele se sentir bom, para ele continuar a desejando. E, normalmente, o que se ensina no filme pornô não proporciona prazer à mulher”, afirma Valeska Zanello, professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília.
Erotização da violência
O pornô também erotiza a ausência do consentimento feminino. “É extremamente comum vídeos que mostram a 'forçação' de barra, simulações de estupro ou com homens que pressionam até a mulher ceder. Além disso tudo, ainda tem vídeos que mostram relações com mulheres drogadas, bêbadas, dormindo e, até mesmo, mortas”, comenta Izabella Forzani, do Recuse a Clicar.
Artigo publicado no Journal on Sexual Exploitation and Violence aponta que o infinito fornecimento de novas imagens que podem ser clicadas em segundos fundiram os conceitos de sexo e violência.
"Nós mulheres não aprendemos a desejar. Aprendemos a nos tornar desejáveis. E a gente sente prazer não pelo desejo que a gente tem pelo homem. Mas, pelo desejo que estamos provocando nele. Mulheres sentem prazer ao serem desejadas"
Valeska Zanello, professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília
Pesquisas sobre filmes populares da pornografia revelaram que em 88% das cenas havia agressão verbal ou física, geralmente contra a mulher. “Acho muito sintomático que hoje meninas adorem apanhar no sexo. Será que é realmente natural? Ou será que são meninas e meninos que foram criados a partir de sexo violento que temos na pornografia">
Outro efeito devastador da pornografia é como ela objetifica a mulher. No roteiro de um filme pornô, a mulher na maioria absoluta dos casos só existe para dar prazer ao homem. É submissa, tem seus desejos ignorados, é violentada e infantilizada. Na lógica da educação sexual às avessas, a mulher também pode aprender com a pornografia a reproduzir performances e, muitas vezes, a fingir prazer dentro desse cenário violento. E nesse jogo de encenação, a mulher incorpora o papel de ser um objeto.
“Nós mulheres não aprendemos a desejar. Aprendemos a nos tornar desejáveis. E a gente sente prazer não pelo desejo que a gente tem pelo homem. Mas, pelo desejo que estamos provocando nele. Mulheres sentem prazer ao serem desejadas”, afirma a doutora em psicologia Valeska Zanello. “Mulheres aprendem a sentir prazer em serem consideradas objeto muito desejado. A auto-objetificação é resultado desse processo”, acrescenta.
Do vício à conscientização
O primeiro contato do fisioterapeuta André Bazzo, 28 anos, com a pornografia foi ainda na infância, aos 11 anos, por meio de revistas. Aos 13 anos, quando chegou a internet banda larga em sua casa, a primeira coisa que ele fez foi pesquisar por pornografia. Começou vendo vídeos se sexo casual, mas as pesquisas por vídeos “mais leves” aumentaram a frequência até o momento em que ele se deparou com imagens que representavam - se não eram verdadeiras de fato - um sexo cada vez mais violento.
A pornografia tinha se tornado um vício e André viu sua vida sexual desmoronar. As relações com as parceiras eram sempre frustrantes por não corresponderem ao sexo representado nas telas. “Eu já não conseguia ejacular transando com outras pessoas, só me masturbando. Cheguei num ponto que, mesmo me masturbando com vídeo, eu já não conseguia mais sentir prazer e ejacular”, conta o jovem.
Mas não era só a vida sexual que andava mal. André percebeu que os efeitos nocivos da pornografia afetava também a sua saúde. “Parece que tem uma névoa que deixa sempre a gente pra baixo. Só quem ou por isso vai entender, mas é como se eu sempre estivesse a 50%, 60% da capacidade do cérebro. Nunca a 100%. Parece que tinha sempre alguma coisa me puxando para baixo”, explica Bazzo. Foram 15 anos de consumo diário de pornografia. A ficha de André só caiu sobre os problemas que vinha enfrentando tinha relação com a pornografia durante a pandemia.
Alerta para a realidade
Em março de 2020, durante uma live com colegas de um grupo de dança, ele confidenciou os problemas sexuais que vinha enfrentando. Um participante chamou a atenção dele para a questão dos efeitos do vício em pornografia. “Pensei: ‘Será">