
Ao pavimentar amplo o de vozes plurais às múltiplas ágoras do debate público, as mídias digitais sugeriam estar a um o da utopia clássica, inclusiva, da participação política direta. Mas, na dimensão da comunicação, o sonho da democracia direta, que eleva a cidadania plena aos canais da conversação pública, tornou-se no Brasil “um pesadelo social e psíquico”. Muito distante da situação da comunicação pura, prevalece a perversa lógica que infla o “debate envenenado”, fadado ao “diálogo impossível”, à promoção de uma polarização política-afetiva. Tal natureza contaminada do “debate público” agrava a conflagração de um país que teve, principalmente ao longo da última década, a unidade de sua comunidade imaginada solapada em torno de seus dois principais pilares: a cultura popular e os valores democráticos, costurados no pacto da transição democrática, em repúdio à ditadura militar e à militarização da arena política.
O argumento está em “O diálogo possível, por uma reconstrução do debate público brasileiro” (Todavia), de Francisco Bosco, ensaísta, doutor em teoria da literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, autor de diversas obras, entre elas “A vítima tem sempre razão?, Lutas identitárias e o novo espaço público brasileiro” (Todavia, 2017). O autor, que lançará a obra em Belo Horizonte no sábado (18/6), considera a dinâmica de formação e funcionamento dos grupos nas redes sociais o principal fator impeditivo à construção das condições mínimas para a conversação pública entre pessoas que pensam diferentemente.
Ao mesmo tempo em que, no âmbito afetivo, os grupos “acolhem”, exigindo lealdade de posições, na esfera intelectual, desconstroem qualquer margem cognitiva para a assimilação de argumentos outros que aqueles propagados internamente. Assim, estimulam e perpetuam uma polarização político-afetiva nociva à construção de referências comuns necessárias à noção de uma nação. “Em nome do prazer narcísico de pertencimento a um grupo, existe a tendência a recusar o enfrentamento honesto da realidade. Se os fenômenos da realidade ameaçarem entrar em choque com a experiência do prazer do grupo, a tendência é sacrificar a realidade, não o grupo. Isso aprofunda a polarização também, pois a recusa ao enfrentamento da realidade torna muito difícil encontrar espaços de intercessão e de diálogo”, afirma Francisco Bosco.
Ao propor o diálogo possível, o autor tem a dimensão do desafio. Indaga: “Se a causa da presente degradação do debate público é antes afetiva do que racional – o que pode um livro diante de um mecanismo coletivo afinal inconsciente">(foto: Todavia Editora/Divulgação
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“O diálogo possível: por uma reconstrução do debate público brasileiro”
• Francisco Bosco
• Todavia Editora
• 416 páginas
• R$ 89,90 (impresso)
• Lançamento em Belo Horizonte: Outlet de Livro (Rua Paraíba, 1.419, Savassi), 18 de junho, das 11h às 13h, em conversa com o advogado e jornalista Rogério Faria Tavares, presidente da Academia Mineira de Letras