
A ansiedade pela melhora: um desafio após a cirurgia
Aceitar que a melhora leva tempo, que haverá dias difíceis, que nem tudo estará sob seu controle, é um exercício de maturidade e autocompaixão
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A recuperação pós-cirúrgica, para muitos pacientes, é marcada por um misto de esperança, medo e, sobretudo, ansiedade. Ansiedade pela dor que ainda persiste. Pela cicatriz que não desaparece. Pela limitação que ainda atrapalha os gestos simples do dia a dia. Pela vontade de “voltar ao normal” o quanto antes.
Em meio a exames, retornos médicos e sessões de fisioterapia, cresce, de maneira quase invisível, uma inquietação emocional que pode ser tão impactante quanto os pontos da cirurgia: a ansiedade pela melhora.
O tempo do corpo e o tempo da mente
Todo paciente que a por uma cirurgia carrega consigo uma ideia – às vezes bastante precisa, às vezes fantasiosa – de como será sua recuperação. Mesmo quando nós médicos explicamos os prazos, possíveis dores e limitações, a mente do paciente muitas vezes se fixa em um ideal:“Vou me sentir melhor em X semanas”ou“em dois meses estarei fazendo tudo de novo”. Quando esse tempo subjetivo entra em conflito com o tempo biológico do corpo, surge um dos principais gatilhos da ansiedade.
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O processo de cura é, por natureza, individual e variável. Mesmo em procedimentos padronizados, como artroscopias de joelho ou cirurgias de hérnia, cada organismo responde de forma única. A idade, o estado geral de saúde, o tipo de cirurgia, a técnica empregada, o e pós-operatório e até aspectos genéticos interferem no ritmo da recuperação.
Mas a mente humana nem sempre aceita essas variações com naturalidade. Há uma tendência a comparar: com o vizinho, com o amigo que operou, com o atleta famoso que “voltou em tempo recorde”. E aí nasce a frustração: “Por que comigo está demorando mais?”
O papel das expectativas
A ansiedade pela melhora é, em muitos casos, filha das expectativas mal calibradas. Em tempos de medicina tecnológica e soluções rápidas, os pacientes muitas vezes esperam resultados imediatos – como se o ato cirúrgico, por si só, fosse suficiente para apagar anos de dor, desgaste ou limitação.
Essa expectativa irreal, reforçada por vídeos de antes e depois, testemunhos seletivos nas redes sociais e uma cultura que exalta o retorno rápido à produtividade, cria um terreno fértil para a frustração. Quando a melhora não vem no tempo ou na forma imaginada, o paciente começa a duvidar da eficácia do tratamento, da competência dos profissionais e, pior, da própria capacidade de recuperação.
É nesse ponto que muitos abandonam a fisioterapia, pulam consultas ou recorrem a soluções “alternativas” sem orientação médica. Outros desenvolvem quadros depressivos ou ansiosos mais sérios, que am despercebidos em meio ao foco físico da recuperação.
O desafio da dor persistente
Em muitos casos, a dor residual se torna o principal gatilho da ansiedade. O paciente operou para “acabar com a dor” e, ao perceber que ela ainda está ali dias ou semanas depois, entra em pânico: “Será que deu errado">ter que operar de novo?”
Essa dor, muitas vezes esperada e explicada previamente pela equipe médica, assume um protagonismo emocional que ultraa o físico. Não é apenas a dor em si, mas o que ela simboliza: fracasso, medo, impotência.
Por isso, é essencial que os profissionais da saúde reforcem que a dor no pós-operatório é uma etapa esperada do processo. Explicar seu motivo, sua intensidade provável, a duração média e, sobretudo, os sinais de alerta que indicam algo fora do normal, é uma forma de empoderar o paciente e reduzir sua ansiedade.
A comunicação como ferramenta terapêutica
Um dos antídotos mais poderosos contra a ansiedade do paciente é a boa comunicação. Médicos, fisioterapeutas, enfermeiros e outros profissionais envolvidos no cuidado precisam ser claros, realistas e, acima de tudo, empáticos.
Explicar o plano de recuperação, as etapas esperadas, os objetivos de curto, médio e longo prazo, e estar aberto para escutar as angústias do paciente, faz toda a diferença. Não se trata apenas de “informar”, mas de “acompanhar” emocionalmente.
Muitas vezes, uma consulta em que o médico apenas confirma que “está tudo dentro do esperado” pode ser mais tranquilizadora que qualquer analgésico. Sentir-se visto, compreendido e acolhido é parte do processo de cura.
O papel do paciente: aceitar, confiar, persistir
Por outro lado, também cabe ao paciente um papel ativo na sua recuperação emocional. Aceitar que a melhora leva tempo, que haverá dias difíceis, que nem tudo estará sob seu controle, é um exercício de maturidade e autocompaixão.
A confiança na equipe médica, a adesão às orientações e a persistência nas rotinas de reabilitação são atitudes fundamentais. Mas tão importante quanto isso é permitir-se sentir. Permitir-setermedo, insegurança, tristeza – e, se necessário, buscar apoio psicológico.
A recuperação como jornada
A ansiedade pela melhora após uma cirurgia é um sentimento legítimo, humano e, em certa medida, inevitável. Todos querem se ver livres da dor, voltar às suas atividades, retomar a vida. Mas o caminho nem sempre é linear. Há avanços e retrocessos, dias bons e dias frustrantes.
Por isso, é fundamental que esse aspecto emocional seja integrado ao cuidado pós-operatório. Que os profissionais reconheçam e acolham essa ansiedade, que os pacientes aprendam a lidar com ela sem culpa, e que as redes de apoio ajudem a torná-la mais leve.
Curar-se não é apenas colar os ossos ou cicatrizar os tecidos. É também aprender a esperar com paciência, a confiar com serenidade e a seguir em frente com esperança. Afinal, mais importante que acelerar a melhora, é fazer dela uma experiência de crescimento e autoconhecimento.
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