Exposição "Lorenzato: Imaginação criativa" será aberta hoje em BH
Palácio das Artes exibe a partir deste sábado (26/4) 178 obras do artista belo-horizontino que viveu no bairro Cabana e pintou paisagens da cidade nos anos 1950
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Siga noNo “Nucleo storico” da exposição principal da Bienal de Veneza de 2024, intitulada “Stranieri ovunque – Foreigners everywhere”, estava a tela “Araucárias” (1973), do pintor belo-horizontino Amadeo Luciano Lorenzato (1900-1995).
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A presença da obra no mais prestigiado evento de arte contemporânea do mundo marcou o ápice do reconhecimento internacional de um artista que, por décadas, foi rotulado de forma reducionista como “primitivo” ou “ingênuo”.
A pintura mostra uma fileira de araucárias em tons frios, projetando sombras sobre um terreno irregular em cores quentes. As pinceladas – que, mais tarde, descobrimos não terem sido feitas com pincel, mas com instrumentos com pentes – criam diferentes texturas e uma mescla cromática que transmite a sensação de movimento, algo recorrente nas quase 5 mil obras produzidas por Lorenzato.
É justamente “Araucárias” que abre a exposição “Lorenzato: Imaginação criativa”, em cartaz a partir deste sábado (26/4) na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard, no Palácio das Artes.
A obra que esteve na Bienal de Veneza serve como introdução ao universo particular do artista – um mundo vibrante de cores que retrata a natureza e a vida na periferia de Belo Horizonte. Lorenzato nasceu onde hoje é a região do Barreiro, viveu na Europa por um período e, ao retornar ao Brasil no fim da década de 1940, estabeleceu-se no Bairro Cabana, onde viu o surgimento da favela Cabana do Pai Tomás.
Temas
Com curadoria de Tadeu Bandeira, a mostra reúne 178 obras que pertencem às coleções de Manoel Macedo, Ricardo Homen e Rodrigo Ratton. Para apresentar um panorama abrangente da produção do artista, as telas foram organizadas por temas: tinta sobre cimento, cenas tropicais, emaranhados de arabescos, noturnos, pôres-do-sol e cenas de família, estas últimas evocando a esposa Emma Casprini e o filho Lorenzo Lorenzato.
“Lorenzato costumava sair para caminhar pelas manhãs e, ao voltar, pintava as cenas que havia observado pelo caminho”, conta Tadeu. “Ele retratava o cotidiano: um barzinho, uma mercearia, as casas simples que começavam a surgir na favela e, claro, a natureza”, acrescenta, lembrando que, antes da urbanização acelerada, havia mais elementos naturais na região.
A paisagem natural, aliás, era uma das grandes preocupações do artista. “Ele retratou muito a natureza. Em algumas telas, mostra queimadas, árvores destruídas, troncos já cortados e empilhados. Mas também árvores floridas, belíssimas”, destaca o curador.
Filho de imigrantes italianos, Lorenzato foi para a Itália aos 20 anos, acompanhando os pais que decidiram voltar à Europa. Lá, trabalhou como pintor de paredes, mas manteve-se atento às manifestações artísticas do continente. Chegou a viver como hippie, percorrendo a Europa numa bicicleta adaptada que lembrava um furgão. Foi nesse período que conheceu, mesmo que à distância, mestres como Picasso e Henri Matisse.
Pintor de paredes
Ao retornar ao Brasil, no fim da década de 1940, voltou a trabalhar como pintor de paredes. Mas em 1956, após sofrer um acidente que lhe quebrou a perna e o deixou com limitações físicas, ou a se dedicar integralmente à pintura artística.
Seu trabalho, contudo, não teve reconhecimento imediato. Em entrevista ao Estado de Minas nos anos 1970, reproduzida no livro “Lorenzato” (2022, Ubu Editora), organizado pelo curador Rodrigo Moura, o artista revelou que vendia suas telas a preços módicos e não fazia questão de valorizá-las. “Gosto que todos tenham minhas telas. Gosto é de vê-las espalhadas por aí. O dinheiro não me importa”, disse.
As telas que, à época, valiam no máximo R$ 3 mil, hoje alcançam cifras em torno de R$ 300 mil. “Isso quase inviabilizou a exposição. O valor do seguro é altíssimo. Tivemos de buscar patrocínio para viabilizá-la”, comenta Tadeu.
Classificado por alguns como artista “naïf” ou “primitivo” e, por outros, como modernista – devido à paleta vibrante, à geometrização das formas e à atenção ao cotidiano –, Lorenzato escapa aos rótulos. Seu trabalho revela um artista absolutamente singular, que preparava seus próprios pigmentos e aplicava a tinta com ferramentas nada convencionais, como os já citados pentes.
Hoje, suas pinturas são comparadas ao andar de uma lesma, feitas lentamente, em sulcos, com texturas que lembram os rastros deixados por esses pequenos animais. Paradoxalmente, suas paisagens revelam composições de equilíbrio rigoroso. Sua força poética está justamente na simplicidade formal, cultivada com o mesmo cuidado paciente de quem observa o mundo devagar, e o transforma em arte.
“LORENZATO: IMAGINAÇÃO CRIATIVA”
Obras de Amadeo Luciano Lorenzato. Deste sábado (26/4) a 31 de agosto, na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard, do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro). Visitação de terça a sábado, das 9h30 às 21h; domingos, das 17h às 21h. Entrada franca. Informações: (31) 3236-7400.