
Imigrantes deportados denunciam maus-tratos em voo dos EUA: "Comida podre"
Repatriados relataram abusos e comportamento violento de autoridades norte-americanas em voo anterior fretado pelo governo dos EUA
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Siga noImigrantes deportados dos Estados Unidos que chegaram ao Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins, em voo da Força Aérea Brasileira (FAB), relataram abusos e comportamento violento de autoridades norte-americanas em voo anterior fretado pelo governo dos EUA, que saiu da Luisiana e pousou em Fortaleza (CE) nesta sexta-feira (7/2).
Ansiosa, Ruth* aguardava pelo marido no portão de embarque próximo ao estacionamento E1, no Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins. Gilson* ou cerca de três meses longe da família após sair de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, para viver o “sonho americano”, mas foi pego pelas autoridades norte-americanas logo que atravessou a fronteira de forma ilegal. Ele retornou ao Brasil na sexta-feira (7/1), junto a um grupo de 111 deportados que vieram em um voo enviado pelos Estados Unidos.
Entre aqueles que retornaram à pátria-mãe e os familiares que permaneceram por aqui, sentimentos comuns eram os de alívio, mas também de incerteza. Ruth, com as duas filhas ao lado, contou ao Estado de Minas que torceu para que os dias de preocupação pela deportação do marido chegassem ao fim. “Ele sofreu muito, chorava muito quando me ligava. Veio algemado de lá para cá. Trocou de prisão várias vezes em pouco tempo, a comida era muito ruim, mas ele não falou se sofreu violência. Quando foi para Louisiana pegar o voo, nós ficamos uma semana sem contato”, relata.
O “recomeço feliz” da família, oriunda de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, acaba de ser iniciado. Um retorno ao ponto de partida da viagem de Gilson, que diz querer reconstruir a vida depois de investir cerca de R$ 38 mil neste sonho mal-sucedido. Liberto das algemas e longe do território norte-americano, ele conta que as memórias dos momentos difíceis que viveu durante a deportação ainda o impressionam. “Um homem de uns 50 anos estava com dificuldades para respirar e pediu um remédio. Ele caiu no chão porque estava com as mãos e pés algemados. Tinha uma médica no voo, mas ela sumia. Ajudou na hora, mas algemaram ele novamente”, conta.
Rafael Marciano, de 27 anos, também presenciou o momento de descaso com o homem na viagem. “Como ele estava algemado nas mãos e pés, ele caiu com o rosto no chão e ficou se debatendo”, conta. Ainda, Rafael destaca a alimentação precária no voo, o que também foi relatado por outros deportados que conversaram com a reportagem. “Tinha pão com salame para comer, mas o salame estava podre. Muito ruim”, finaliza.
Tratamento
Gilson, citado anteriormente, relata que foi transferido quatro vezes de unidade prisional durante os três meses em que esteve em território norte-americano, e garante que a xenofobia se intensificou após a posse do presidente Donald Trump, em meados de janeiro. “Eles ficaram mais violentos. Em uma cela para 25 pessoas, já ficaram 60. Dormimos no chão”, afirma.
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Outro valadarense, João Vitor Batista, de 26 anos, ficou apenas um mês nos EUA, mas confirma que pôde perceber mudanças políticas significativas desde a posse de Trump. O republicano foi eleito com uma forte bandeira contra a imigração, especialmente de latinos. "A partir do dia 21 [de janeiro], tudo mudou. Antes a gente podia chamar um agente da imigração para ajudar com problemas. Agora não temos mais direito de fala. No governo anterior era bem melhor para nós imigrantes”, conta.
De volta para casa após o curto período longe, João relata ter ado a ter uma visão diferente do próprio país. "Depois de muito tempo sendo maltratado, foi estranho ser bem tratado. O Brasil é um lugar que, por mais que as coisas não estejam muito fáceis, aqui a gente está em casa. Nós não somos criminosos, meu sonho é o sonho de todo mundo, né? É um sonho americano, de mudar de vida, juntar muito dinheiro e vir embora para o Brasil para dar uma vida digna para a minha família", desabafa.
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Numa das imagens mais marcantes do momento de alívio vivido pelos deportados ao chegar no Aeroporto de Confins, Cesar Diego, de 39 anos, beijou o chão do terminal e afirmou que não pretende mais deixar sua terra natal. “Não saio mais do Brasil. Nós somos ricos e não sabemos”, relata.
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Dignidade
O voo com os 111 deportados partiu na madrugada de Alexandria, no estado da Louisiana, no sul dos EUA, e seguiu em direção a Fortaleza (CE), com uma escala em Porto Rico. Após desembarcar na capital cearense, 95 ageiros foram transferidos para um voo da Força Aérea Brasileira (FAB) com destino a Confins. A escolha do trajeto, elaborado após negociações do Governo Federal junto às autoridades norte-americanas, teve como objetivo permitir que os brasileiros não permanecessem algemados ao sobrevoarem o território nacional.
A chegada do primeiro voo de deportados após a posse de Trump, no final de janeiro, causou incômodo no governo brasileiro, que afirmou, em nota do Ministério de Relações Exteriores, que o “uso indiscriminado de algemas e correntes viola os termos de acordo [de repatriação] com os EUA, que prevê o tratamento digno, respeitoso e humano dos repatriados”.
Segundo a ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo (PT), que acompanhou a chegada do voo em Confins, o Governo Federal tem trabalhado para garantir uma recepção digna aos repatriados. “Lá eles são deportados, aqui são repatriados”, afirma. Ainda, a ministra destaca que uma das vontades era de que o voo fosse direto, mas que não há aeronaves disponíveis para este tipo de viagem e com autonomia suficiente. Cabe destacar que o destino final é Belo Horizonte, pois muitos dos deportados são naturais de Minas Gerais. "A ideia é que, após este voo, nos reuniremos novamente para ajustar esse processo", explica Macaé.
Acolhimento
Depois da longa viagem de volta ao Brasil, os deportados têm sido atendidos por meio de uma “estrutura humanizada”, garante o Ministério dos Direitos Humanos, numa operação que contou com apoio dos governos estaduais do Ceará e de Minas Gerais. Segundo a pasta, 16 repatriados permaneceram no Ceará, e nenhum deles solicitou abrigamento, apesar do governo estadual estar preparado para atender eventuais necessidades. Ainda no estado, o Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante (PAAHM) prestou e aos repatriados e uma mulher trans foi atendida pela Secretaria de Diversidade do Estado do Ceará.
Os 95 deportados que seguiram em direção a Confins receberam kits com alimentos, cobertores e produtos de higiene, disponibilizados pelo Serviço Social Autônomo de Minas Gerais (Servas), em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese) e o Sesc Venda Nova. A Fecomércio MG também participou da ação de acolhida. Dez pessoas que não puderam seguir imediatamente para seus municípios foram encaminhadas ao Sesc Venda Nova - os demais seguiram para suas cidades por meios próprios. No abrigamento, onde podem permanecer por até dez dias, os repatriados vão receber cinco refeições diárias, acomodações individuais e o a atendimento psicológico e assistência social.
Segundo informações do Ministério de Direitos Humanos, entre os ageiros que chegaram a Minas Gerais está um casal do Pará e outro de Goiás, uma mãe com filha autista que seguirá para Rondônia, e cinco pessoas que viajarão por conta própria para o Espírito Santo, Rondônia e São Paulo. “A ação reforça o compromisso do Governo Federal em garantir um retorno digno e seguro aos brasileiros repatriados. O próximo voo contará com ajustes logísticos para reduzir o tempo de viagem e aprimorar o atendimento”, detalha a pasta.
*A reportagem utilizou nomes fictícios pois os entrevistados não quiseram se identificar.