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PENSAR

Leia poemas de Leminski escolhidos por um especialista na obra do poeta

Autor do livro ‘Aço em flor – a poesia de Paulo Leminski’, Fabrício Marques selecionou versos menos conhecidos do escritor de ‘Distraídos venceremos’

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Fabrício Marques

Especial para o EM

Outro dia eu conversava com um amigo, o Guilhermino Domiciano, que fez teatro na Unicamp, e dissemos como cada vez mais temos interesse em entender o que é ser brasileiro. De como as obras clássicas de Joaquim Nabuco, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, entre muitos outros, nos ajudam a compreender o país, em sua rede de extremos, entre desigualdades e privilégios. Mas também a poesia nos ajuda nessa busca de compreensão. O que é ser brasileiro? A poesia brasileira é diferente do país em que é produzida?


A poesia de Leminski – um vulcão produtivo, irrequieto, múltiplo – pode ajudar a responder a essa pergunta. Essa também foi a minha motivação quando comecei a estudar a obra do poeta, na Faculdade de Letras da UFMG, em 1994, além do fato de que, naquele momento, haver uma certa resistência ao nome dele no ambiente acadêmico.

Como resultado dessa dissertação de mestrado, foi lançado o livro “Aço em flor – a poesia de Paulo Leminski” (Autêntica, 2001), que teve a sua segunda edição publicada em agosto do ano ado, coincidindo com os 80 anos de nascimento do poeta.


Nas entrelinhas de “Aço em flor”, procuro trazer isso à tona, ao explicitar a ampla gama de interesses do autor refletida numa face poliédrica, sua visão político-existencial da poesia, sua maneira de articular o jogo entre acaso e rigor –no contexto de uma produção que se deu, na maior parte do tempo, durante a ditadura militar do Brasil.


FABRÍCIO MARQUES é poeta e jornalista

“Meu reino”

meu reino é do outro lado do mundo
meu reino
meu mundo por um cavalo
por uma cabeça
um reino cavalar

meu cavalo?
Só falta falar

este mundo
não me deixa reinar
neste reino me resta
ser vagabundo e ruminar

meu reino por um rumo
meu cavalo
só falta me montar
meu reino cavalga este mundo

– Logo ele que nunca soube caminhar!


*


“Auge”

Me chega na forma de vozes,
palavras velozes, agudos de aves,
me chega com anos de atrasos e planos,
me chega nos ecos, palácios perdidos,
nuvens, zumbidos, subterrâneos.

Chega de evasivas, chega de frases vazias
Chega de ver fantasmas ao meio-dia.
Chega de carnaval, chega de fantasia,
chega de fazer de conta
que Atlântida existia.

Chega. Tudo chega. Chega o auge.
O que eu sou me chega.


*

“With the man”

aqui
no oeste
todo homem tem um preço
uma cabeça a prêmio
índio bom é índio morto
sem emprego
referência
ou endereço
tenho toda a liberdade
pra traçar meu enredo

nasci
numa cidade pequena
cheia de buracos de balas
porres de uísque
grandes como o grand canyon
tiroteios noturnos
entre pistoleiros brilhantes
como o ouro da califórnia
me segue uma estrela
no peito do xerife de denver


“Imperfeitiços”


Só temos dois temas,
o perfeito e o imperfeito.
O perfeito é fácil.
O imperfeito, eu tremo.

Tremo de pensar que alí,
na trama de imperfeitos feita,
o perfeito venha a luzir,
e a alma saia satisfeita.

O perfeito, apenas, cansa,
coisa que Adão já sabia.
O outro, sim, compensa,
crime acima de qualquer suspeita,
incompleta sabedoria.


*

“Depoemento”

Vocabulário?
.
Nunca digo.
Cito. Ou grito.

De palavras? Certas.
Noite, dia, longe, perto,
alas, asas, almas, pétalas.
O resto, não interessa.

Frases, as simples,
as puras sempre sim, sem símiles.
Mentira. Não amo frases.
Todas elas são, todas am dos limites.
Dizer? Disseras. Sentir, sentiras.
De verdade, gosto mesmo
é de mentiras

Me imitem

“Um centímetro”


Poesia, o sentir no metro,
sabendo que o pensamento
no verbo vai penetrando,
milímetro por milímetro,
até este ponto exato
entre ideia e artesanato,
quando a luz se faz limite
entre um concerto e um ato.

Viver é pura desordem,
A ordem, sim, imortal.
Os inábeis que me perdoem,
perícia é fundamental.
Reprima o primeiro impulso.
Deixe a vontade ar.
Só então algum discurso
possa dar o mergulho
do grito ao ponto final.


*

(sem título)

Nenhuma linha reta
Na árvore de galhos
Para servir de seta


Nenhuma linha curva
Nas varas de retas
Para servir de arco

Fonte: Site Kamiquase, de Elson Fróes, “Uma carta uma brasa através – cartas a Régis Bonvicino” (Iluminuras, 1992) e “Roteiro Literário - Paulo Leminski”, de Rodrigo Garcia Lopes (Biblioteca
Pública do Paraná, 2018).

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