x
PENSAR

O escritor mineiro que se desiludiu com o comunismo e narrou o Brasil

Uma análise da obra de Benito Barreto, autor de tetralogia sobre guerrilha no sertão de Minas e que também recriou a Conjuração Mineira

Publicidade
Carregando...

Maria Lúcia Barbosa
Especial para o EM

Natural de Dores de Guanhães, interior de Minas Gerais, o escritor e jornalista Benito Barreto ((1929-2025), que ocupou a cadeira no2 da Academia Mineira de Letras, nasceu numa pequena fazenda denominada Fazenda da Guarda, propriedade de uma avó, onde os pais do autor estavam apenas de agem.


Segundo Benito, o intelectual da família era o pai, mas quem os fez estudar, a ele e à irmã mais velha, foi sua mãe que, apesar das dificuldades, convencida da importância dos estudos para o futuro dos filhos, os enviou para o Colégio das Feiras (Clarissas) e o Ginásio dos Frades em Conceição do Mato Dentro, onde o autor concluiu o curso ginasial.

Posteriormente, aos 16 anos Benito veio para Belo Horizonte onde reside até hoje atuando como jornalista e escritor. Foi aqui que começou a trabalhar como revisor na impressa local. Ingressou no curso de graduação em Letras da UFMG, mas considera que todo o seu “saber” e “formação” seriam mais de “experiências feitas” na militância revolucionária em sua juventude, e noutras jornadas de luta e trabalho, vida a fora.


Em entrevista concedida ao pesquisador Giovanni Ricciardi no livro“Entrevista com os escritores mineiros”,publicação de 2008 pela UFOP, chama atenção como o núcleo familiar e o meio ambiente no início da década de 1930 marcaram sobremaneira a vida de Benito:


“Guardo desse período – primeiros anos da década de 30 – mais na forma, talvez, de medos e aflições vividos ou da impressão de suas imagens, mais isso do que, propriamente, lembranças – qualquer coisa como a memória de homens e armas movimentando-se por minha casa, ou de agem, com meu pai entre eles vozes, medos, silêncios, gritos e partidas e chegadas noturnas enquanto minha mãe com minha irmã (hoje freira, Irmã Virgínia, a atual Madre Geral da Ordem das Franciscanas Clarissas, sediada em Roma) rezavam. Essa fase, que cobre toda a década, a, pois, pelas Revoluções de 30/32, pela tentativa comunista em 35, a revolta integralista ou fascista de 38, e vai terminar em 39, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial (...) Não sei precisar o que mais me marcou, nesse período, mas toda a minha obra literária, pelo menos tudo nela, que, no meu entender, se apresenta com alguma força e humanidade, reflete de algum modo o menino que eu fui e a infância que eu tive, naqueles anos, sobretudo o que esse menino viu, sonhou e sofreu (RICCIARDI, 2008, p. 96-97).”

Ainda muito jovem, na adolescência, Benito Barreto abandonou tudo para se entregar ao Partido Comunista. Como militante profissional foi para o Nordeste do país onde vivia a hipótese da Revolução, acreditando que o socialismo era o único caminho. Após a denúncia do stalinismo, e uma viagem a Moscou – antiga União Soviética -, percebeu a falência do socialismo e desencantou-se.

Tal sentimento o impulsionou a registrar a experiência transferindo para seus livros, principalmente, as primeiras publicações, a tumultuada conjuntura política dos anos de 1960, bem como as relações problemáticas e os questionamentos da dinâmica sociopolítica do Brasil na segunda metade do século 20. Contudo, pode-se dizer que o início da sua produção literária se deu na adolescência, como nos conta o sr. Benito ao ser questionado por Ricciardi sobre quando nasceu a vocação de escritor:


“Quando colegial em Conceição do Mato Dentro, no interior de Minas, eu tinha sido um poeta de verso fácil, que costumava agradar a meus colegas e a gente da cidade. E como os produzia, a esses poemas, de forma quase torrencial, quando cheguei na Capital, Belo Horizonte, pelos 16 anos, já os tinha em quantidade bastante para um livro. E essa idéia começou a trabalhar em mim e a crescer: lançar um livro, ser poeta, as pessoas lerem e declamarem os meus versos, essas coisas... Entretanto, e de repente, o jovem e impetuoso versejador que vinha da cidadezinha do interior, tomava conhecimento, pela primeira vez, da poesia maior, dos modernistas Bandeira, Drummond, Schmidt e outros. Foi um golpe devastador nas minhas veleidades e pretensões, tão forte e profundo que, não satisfeito com atirar no Rio Arrudas todos os meus versos, abandonei a poesia para todo o sempre. (...) Um dia, porém, tendo chegado aos 30 anos e já depois de ter vivido a paixão que fora para mim a minha militância revolucionária, na ressaca do golpe e amargura que foram, para mim, a denúncia do stalinismo e certas revelações, tive vontade de pôr no papel alguma coisa que eu próprio tinha vivido. Mas só para mim. Como se, não o fazendo, corresse o risco de as esquecer e perder (RICCIARDI, 2008, p. 99-100).”

E foi assim que em 1962, veio à luz sua primeira publicação, o romance,“Plataforma vazia”,impresso pela Editora Itatiaia. Livro inicial de uma tetralogia denominada“Os guaianãs”,que tem em“Capela dos homens”, “Mutirão para matar”e“Cafaia”,o segundo, terceiro e quarto volumes respectivamente.

Desses,“Capela dos homens” e “Cafaia”foram traduzidos para o russo, ao tempo ainda da União Soviética, e lançados pela Editora Progresso, de Moscou, em edição encadernada e ilustrada de 100 mil exemplares. Com“Plataforma vazia”, Benito participou do Concurso de Literatura Cidade Belo Horizonte, conquistando o primeiro lugar. Angariou também o prêmio Walmap-Rio, em 1968, com o segundo romance.


“Os guaianãs”foram publicados nas décadas de 1960 e 1970, um momento conturbado da História brasileira, e narra um enredo de resistência de uma suposta guerrilha no sertão de Minas. Àquela época, o Brasil vivia os anos de chumbo da ditadura civil militar, e os romances revelam um país ao mesmo tempo ferido e heroico.

Essa denominação (Guaianãs) está relacionada ao rio que corta uma pequena vila no interior de Minas, onde se a a ação principal dos romances, além de ser o sobrenome de uma das famílias que protagoniza a história. Nesses livros, Benito Barreto busca ultraar a representação de uma realidade, no caso as experiências de guerrilha dos anos pós-64, para expor um complexo processo histórico, construindo, assim, um grande sobre a sociedade brasileira do início do século 20 até o Golpe Militar de 1964.


Uma das características que chama a atenção nessa tetralogia é sua concisão, ou seja, nela o escritor procura ser objetivo no seu projeto de escrita. O primeiro livro,“Plataforma vazia”é dividido em três partes que se intitulam “Parada de trem”, “Matilde” e “A busca”, marcam a trajetória de Pedro, protagonista e herói da narrativa épica em seu afastamento do lar e retorno ao mesmo, seus contatos sociais, os dilemas interiores, quer dizer, a busca de um sentido para a vida. Narrado em terceira pessoa, o livro é uma espécie de introdução ao universo que o autor irá desenvolver nos três volumes subsequentes. Sobre essa obra, o amigo e escritor Jorge Amado deu o seguinte depoimento:


“Um livro de estreia deve ser a revelação de um talento de escritor; nada mais é justo esperar de uma primeira tentativa no terreno da arte da literatura.Plataforma vazia, de Benito Barreto, cumpre perfeitamente esta função: revela aos leitores brasileiros o romancista de talento e de autêntica vocação que é o moço mineiro com larga experiência de vida nordestina. (...) Poderosa é a capacidade de comunicação de sentimentos revelada pelo autor, o que faz dePlataforma vaziaum desses livros cuja leitura nos arrasta e nos obriga a participar, com interesse e emoção, das vidas ali levantadas por um homem de real talento e de coração generoso. A carreira desse romancista se inicia sob o signo do sucesso (BARRETO, 1986, orelha técnica).”


No enredo de“Capela dos homens”, o segundo romance, o que ocorre é a aproximação de alguns fatos da História do Brasil naquele momento, como a adesão do sertanejo à luta contra a opressão e a repressão imposta pela ditadura civil militar de 1964. Essa trama divide-se em duas partes denominadas “Dies Irae” e “A herança de Jurabé”, que se completam, apesar de apresentarem estruturas narrativas um pouco distintas.

O título do livro é também o nome de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, local onde o pai do personagem Alfredo – Sílvio Guaianã, minerador de profissão – escolheu para morar com a mulher Zininha, os filhos Pedro e Águeda e o empregado Maximino, após inúmeras viagens em diferentes moradias. No início eles fugiam das dificuldades e incertezas da vida; depois, por acreditarem que podiam prosperar e que seria ali o lugar ideal para concretização dos seus planos. Cito aqui algumas das considerações feitas pelo jornalista, professor e ensaísta brasileiro José Hildebrando Dacanal acerca desse livro:


“Simbolicamente,‘Capela dos homens’é o caldeirão fervente em que se misturam o arcaico e o moderno, a costa e o sertão, deles nascendo um país em caminho para o futuro. Politicamente em crise, culturalmente caótico e socialmente injusto, mas já unificado, homogêneo, e pelo menos potencialmente, autônomo. Neste sentido, a obra monumental de Benito Barreto resume e encerra o ciclo danova narrativa épicano Brasil e o faz, eticamente e politicamente, com uma mensagem de esperança num possível amanhã de justiça e dignidade para os pobres e humilhados.(...) historicamente, para o mundo caboclo/sertanejo não haverá amanhã, pois o amanhã não será seu, mas – via homogeneização e modernização – da sociedade urbano-industrial e tecnológica construída, independente do sistema político, sobre a visão de mundo lógico-nacional. Antes disso, porém, pelo gênio sofrido de Benito Barreto, do poente de Capela dos Homens, o sol – inexoravelmente o último – do mundo caboclo/sertanejo nos “acena com o lenço louro dos bambuais”, num derradeiro fulgor. Heracliteanamente, à beira do rio, à beira da vida, no horizonte da História (DACANAL, 1988, p. 107).


No terceiro livro,“Mutirão para matar”, a história contada é a ação dos resistentes durante o período em que estiveram sitiados no casarão. Nele, tem-se a elaboração de um abrangente do Brasil dos anos de 1960, dominado pelo autoritarismo que tinha como objetivo único bombardear todos aqueles que se manifestassem de modo contrário às ordens estabelecidas pelas instituições opressoras.


A estratégia narrativa desse volume se aproxima da anterior na medida em que cada parte conta a experiência das personagens, como uma espécie de diário. Assim, o leitor toma contato com os acontecimentos que se sucediam enquanto Alfredo e seus companheiros se encontravam cercados pelos militares, sofrendo privações de fome e sede, mas empenhados em articular formas de resistência e desbancar o cerco.


Publicado em 1975,“Cafaia”é o quarto e último romance da tetralogia. Esse é dividido em cinco partes sendo que cada uma recebe a denominação de “livro,” acompanhado do nome de algumas personagens que participaram do enredo. São eles: “O livro de Venâncio”, “O livro de Esther”, “O livro de Matilde”, “O livro de Cafaia” e “O livro de Pedro”.


ados alguns meses dos ataques militares à Capela dos Homens, o narrador dessa obra que se apresenta também como autor, volta ao lugarejo à procura de sobreviventes para contar o desfecho final da guerrilha.

É interessante observar nesse livro que o tom testemunhal é dominante consoante com boa parte do que estava sendo produzido naquele momento no Brasil. É através de uma “linguagem corrente” que Benito Barreto tenta apreender o real, tecendo as teias da sua rede textual com elementos humanamente frágeis, complexos, mas repletos de verossimilhança.


Nesse romance, assim como nos demais, a descrição da realidade pretende ser o mais realista possível, porque o homem que se faz representar não pode ser seccionado do seu meio natural, uma vez que está emaranhado numa rede de relações político-sócio-econômicas, em crise ou em uma espécie de estágio de degeneração. Por isso, escrever sobre o homem comum, às margens da sociedade, é também escrever sobre seus traumas, medos, paixões, sentimentos e relações de perdas e danos.


eando pelas trilhas abertas das narrativas, percebe-se que os romances expõem uma visão abrangente desse processo a partir da ação heroica das personagens, inscrevendo-se na tradição das epopeias ocidentais, e, marcando mais uma visão da literatura sobre os anos de chumbo, recriando um Brasil ferido e heroico. Assim como aconteceu em“Plataforma vazia”, neste último, o escritor Jorge Amado também deu seu parecer, com o seguinte comentário:


“A importância da obra romanesca de Benito Barreto cresce de livro para livro. Quando ele chega ao quarto romance da saga iniciada com‘Plataforma vazia’já nos encontramos diante de um de poderosa força, onde a realidade da vida nacional se afirma dramática e cujo herói é o povo. A presença de Benito Barreto no romance brasileiro contemporâneo é altamente estimulante. Longe de todo e qualquer maneirismo, ele domina seu ofício, é um jovem mestre da nossa ficção (BARRETO, 1975, contracapa).

Destaque especial sobre essa tetralogia foi o lançamento em 2013 de uma caixa comemorativa dos 50 anos de literatura do escritor, contendo a quarta edição de“Plataforma vazia”juntamente com o livro“Benito Barreto 50 anos de literatura”, cuja autora é sua neta, Raquel Cardoso Barreto, que teve como intuito celebrar o jubileu de ouro literário e recuperar a trajetória de vida e criação literária de seu avô.


Decorridos três anos desse último volume, ou seja, em 1978, Benito publica pela Editora Casa de Minas Ltda.“Vagagem:viagens e memórias sem importância”. Como uma biografia, lemos nesse livro a trajetória de vida do autor, desde a infância até a viagem feita à Europa, principalmente a visita a Moscou, onde pôde conhecer de perto a decadência do socialismo, o que o levou, como já foi dito, à desilusão com o Partido Comunista.


Em 1993, o escritor publicou, pela mesma editora,“A última barricada”, numa edição artesanal, em cujas páginas convivem a coluna de jornal, a crônica, o conto e o romance. O livro reúne colaborações do autor neste Estado de Minas, no período de 03 de dezembro de 1989 a 07 de agosto de 1991. Em 2000, vem a público“Um caso de fidelidade”, um texto recheado de figuras e contradições em que o pastiche como elemento constitutivo das narrativas pós-modernas reflete as incertezas do mundo globalizado e pós-ideológico que se sucederam à derrocada do socialismo, tudo alinhavado ao desencanto existencial da narradora, e substitui a grande épica dos livros anteriores.


Benito deu início em abril de 2009 à publicação de seu mais recente trabalho,“Saga do caminho novo”.Trata-se de mais uma tetralogia, porém, de romances marcadamente históricos, que, segundo o autor, pretende reconstruir a história da Conjuração Mineira, com todo o seu povo a tomar vida, a se fazer gente, mais que personalidades de empoeirados livros de História.


Os idos de maioé o volume inicial, publicado pela editora Casa de Minas, narra os momentos e movimentos da derrocada da Conjuração, da queda e prisão de seus integrantes, do que faziam os que participaram deste momento, ou só o assistiam. A narrativa compreende o trecho crítico no qual se desfaz a conspiração, na rede de delações que se estende pelo Caminho Novo das Minas. Para o escritor e Secretário da Cultura de Minas Gerais, Ângelo Oswaldo de Araujo Santos, o autor, nesse livro,


(...) galopa pela Estrada Real, e o real, para ele, são os dias de diluição do sonho mineiro dos conjurados de 1789, os idos de maio do ano terrível. Insurge o autor em meio à trama, acompanha as personagens nas suas tribulações, vê a conspiração arruinar-se, enfrenta o terremoto que se seguiu à denúncia. (...) Toda aquela fala. São as vozes de Minas. O autor oferece aos leitores a audição perfeita do velado parlatório em que se transformou a capitania rebelada... Benito Barreto torna a Inconfidência Mineira uma história de nossa gente e nos enche de prazer com a leitura dessa memória encantada (BARRETO, 2009, p. 6-8).

Em 2010, Barreto lançou“Bardos e viúvas”,segundo romance dessa tetralogia histórica, também pela editora Casa de Minas. Nesse, a história narrada é a dos presos e foragidos, das tentativas de resistência, do medo, da revolta, do sofrimento das mulheres que antes eram vistas como musas, para depois transformarem-se em defensoras dos conjurados, resistindo contra toda forma de opressão e repressão imposta para sufocar o movimento.

A presença dessa figura feminina nesse livro dá à narrativa um tom mais lírico. Em outubro desse mesmo ano e pelos dois anos seguintes Benito Barreto recebeu o prêmio “João Felício dos Santos”, concedido pela diretoria da União Brasileira de Escritores, seção Rio de Janeiro (UBR-RJ), como melhor romance histórico do ano.


Assim como aconteceu em“Os idos de maio”, nesse segundo volume da saga, o romancista Luís Giffoni também deu seu parecer, com o seguinte comentário:


“Benito Barreto não poupa palavras e sensibilidade para penetrar nos personagens, vasculhar recônditos, desnudá-los em suas virtudes e contradições, reerguê-los em sua humanidade plena e oferecê-los para nosso deleite. Amor terno e violento, adultério, sexualidade sem véus e sem hipocrisia, religião e superstição, versos e serenatas, morte e vingança, aristocracia e escravidão, riqueza e decadência, de tudo isso o autor se vale para montar esse vasto da Inconfidência, o maior já proposto. O resultado, síntese de memória, sons, odores, gostos e projetos com mais de duzentos anos às costas, é puro encantamento. Nossa imaginação de infância e de escola, enquanto ouvíamos o feito dos inconfidentes sem qualquer senso crítico, amadurece ao longo das páginas, e sobrevém-nos o respeito por esses desvairados sonhadores. (...) Ao final de Bardos e viúvas,tem-se um panorama ficcional que nos transporta ao olho do furacão que assolava Minas Gerais em 1789 (BARRETO, 2010, p. 13-15).


“Toque de silêncio em Vila Rica”é o terceiro romance, narra o primeiro dos muitos desfechos ocorridos numa cidade triste e oprimida, mas que sempre encontra coragem e voz para não se calar. Ao comentar sobre essa narrativa, o romancista, contista, ensaísta e professor Deonísio da Silva afirma: “Talvez para Benito Barreto valha também o ditado árabe que diz que o vento apaga as velas, mas reacende as brasas. Ele fez soprar sobre a Inconfidência um vento novo. O vendaval engendrado por este, mais que gênio, oxigênio de nossas letras, faz reaparecer muitas coisas e personagens escondidos sob as cinzas da Inconfidência, recriando-os com sua poderosa imaginação, todavia sempre apoiada na História, pois seu objetivo é o romance histórico (BARRETO, 2011, p. 12).


Também a poeta e escritora, presidenta da Academia Carioca de Letras e secretária-geral da União Brasileira de Escritores, seção Rio de janeiro, Stella Leonardos, escreveu: “Incrível como o autor consegue fazer viver cada personagem. E no ambiente próprio, numa língua – e linguagem – fascinantes. Atraindo. Convencendo” (BARRETO, 2011, p. 14).


No dia 21 de abril de 2011, realizou-se em Ouro Preto a solenidade de entrega da Medalha da Inconfidência, para homenagear as 250 personalidades que contribuíram para o desenvolvimento econômico, cultural e social de Minas e do Brasil. Através do apoio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, cada um dos contemplados com a comenda, dentre eles a presidenta Dilma Rousseff, recebeu um exemplar deste livro como presente.


Benito Barreto concluiu seu trabalho com “Despojos: a festa da morte na Corte”, quarto e último romance, narra o desfecho da Saga, com a última batalha, o sofrimento da espera e a dura cena final, com a lição de Portugal aos insurgentes da colônia... que não deixa de sonhar. Este subdivide-se em três partes com as seguintes denominações: Livro 1 - A batalha do Breu, Livro 2 – Um pároco na Corte e Livro 3 – A festa da morte. Assim como no primeiro livro dessa saga, o escritor Ângelo Oswaldo, em sua apresentação desse romance afirma que após a leitura das narrativas, “Quem andar pela Estrada Real ou atravessar uma vila do ouro, de agora em diante, não deixará de ouvir a voz de Barreto, como se fosse a do próprio Tiradentes, a cantar a paixão da liberdade” (BARRETO, 2012, p. 8).

De fato, numa primeira leitura dos romances, é possível perceber que o autor procurou recriar com muito zelo e eficiência a linguagem dos idos de 1789, no que se refere à montagem dos diálogos entre sua legião de personagens, bem como nas descrições dos espaços e dos episódios ocorridos. Como bem disse o escritor e crítico José Hildebrando Dacanal, “Saga do caminho novoé a imagem da velha Minas Gerais, mítica e irredente...” (BARRETO, 2010, p.11).

Assim, para aqueles que se interessam pela história e pela memória de um povo, de uma sociedade, para alguém que como Benito Barreto está interessado em questionar os lugares sociais, políticos e intelectuais da cultura brasileira, a escolha da obra ficcional desse escritor é iluminadora e instigante. No espaço em que a ficção e a História se alternam e se encantam, sem se renderem, muito embora, como afirmou Umberto Eco “os mundos da ficção sejam parasitários do mundo real”, nessa linha tênue e tensionada entre o factual e o imaginado é que as histórias de Benito vão abrindo brechas para quem as lê, para a agem entre o ado e o presente. Contudo, é possível observar que é por meio de inúmeros eventos narrados que as forças do histórico se associaram, mas sem se esquecer de que esse leitor estará sempre diante de um romance e não de um livro de História.


Vale ressaltar que o escritor, na tessitura de seus enredos, realiza uma incursão em determinados períodos da História brasileira do século XVIII e XX. E, é por meio do entrelaçamento entre contexto histórico e texto ficcional que essas obras evidenciam-se como espaços que confirmam a reconstrução e/ou a reinvenção de duas grandes narrativas: a História e a nação.


No que concerne à sua produção ficcional, os enfoques histórico-sociais permeados no interior das obras tornam-se mais robustos em virtude de uma perspectiva com a qual o autor elabora seus enredos, delineado por uma ótica conjuntural dos fatos narrados.

A caracterização que ele faz da História como “práxis” se afasta do pensamento idealista, que considera como histórico apenas os grandes feitos e as ações próprias do mundo nobre, que valoriza os acontecimentos não em função de sua causa e da maneira como são produzidos, mas em razão da impressão que deixam na consciência das massas, e se fixa nos detalhes, enfatizando a descrição de um cotidiano desconectado de dimensões históricas – considerando a História, portanto, como imutável.


As questões históricas e memorialistas presentes nos textos de Benito potencializam sua significação com a inserção no panorama global, e, além disso, ganham “status de verdade”, por iluminar as relações de interesse que, por sua vez, esclarecem as reais motivações das situações vividas no dia a dia, as quais não são naturais, mas resultado do processo histórico de que participam.

Essas obras afirmam-se não só por relatar tais questões, mas também (ou sobretudo), por expressar esteticamente o ponto de vista dos excluídos – por meio de seus focos narrativos –, categoria social que tem interesse em desvendar os meandros ocultos pela História oficial estabelecendo conexões entre ela e o cotidiano, os fatos isolados e a totalidade, expondo, portanto, uma profunda consciência crítica em relação a essa História institucionalizada.


A arguta e sensível percepção crítica que pera os livros permite ao leitor uma reflexão acerca de questões sociais, de gênero e de poder, visto que seus personagens incorporam seres anônimos que viveram e sobreviveram à margem que a História monumentalista estabeleceu.

Dessa forma, é possível dizer que a poética de Benito Barreto apresenta-se como questionadora de antigas verdades à medida que empreende novas leituras acerca da História e dos paradigmas culturais, num trabalho de desvelar as contradições nas quais se fundamentam os discursos históricos oficiais de determinadas épocas. Visto sob essa ótica, pode-se concebê-la como uma literatura denunciadora, que procura desestabilizar por intermédio de uma linguagem ordenada, no caso, formal, a construção literária contemporânea.


Nesse sentido é que se destaca o tônus humanístico das obras, ainda que suas manifestações ocorram por força de certas tragicidades, às vezes necessárias como forma de denúncia aos ataques contra a unidade do indivíduo e de seu universo. Essa preocupação humanística se revela fartamente ao longo dos fatos que são narrados.

E, o que se pode inferir a partir da leitura e apreciação dos livros em questão, é que a consciência que Benito possui a respeito da função social que o escritor deve desempenhar o coloca em posição de destaque entre seus pares, o que corrobora o seguinte postulado de Antonio Candido: “O escritor, numa determinada sociedade, é não apenas o indivíduo capaz de exprimir a sua originalidade (que o delimita e o especifica entre todos), mas alguém desempenhando uma posição relativa ao seu grupo profissional e correspondendo a certas expectativas dos leitores ou auditores. A matéria e a forma de sua obra dependerão em parte da tensão entre as veleidades profundas e a consonância com o meio.”


É numa atmosfera singular de aprimoramento evidente que o autor surge com o seu processo de criação artística, alicerçado em bases históricas e sociais, fazendo com que a arte deixe de ser um simples capricho individual e se apresente como traço de união e como força de ligação entre os homens. O efeito dessa opção torna-se decisivo e mais do que notório, concorrendo para que a sua produção se volte para a denúncia, para a crítica e para a reação contra o estabelecido como correto.


Concluindo, o que se percebe da produção literária do escritor Benito Barreto é que ele, na elaboração de seus textos, perscruta o que vai no interior do homem, refletindo sobre a inquietude e a fragilidade humana numa sociedade que sempre privilegia posses e poderes. Em suas obras é possível notar que a vida a a constituir um tecido de relações expressivas, de relações de verdade, um jogo na tessitura textual, revelador de inúmeros cotidianos. O autor explora de forma singular em seus livros, a dilaceração das identidades não apenas de seus personagens, mas da sociedade brasileira em geral, nos períodos retratados.


Como sabemos, História e ficção partem de um mesmo tronco e são também formas de linguagem. Desse modo, o que vai caracterizar o literário é a maneira como as tramas são dispostas na obra. Em todas as publicações de Benito Barreto, o que se nota é que o escritor trabalha recuperando fatos da História Oficial que resultará numa obra de rara unidade. Contudo, a narrativa literária barretina “re-encena” a narrativa histórica, pois, ficção e realidade nela se coadunam, manifestando-se, ao mesmo tempo, o imaginário e o factual. Configurando e “re-configurando” outras realidades, seus textos retomam a História para interpretá-la e para recuperá-la como acervo cultural.

MARIA LÚCIA BARBOSA é mestre e doutora em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

• O artigo acima foi publicado originalmente no número 79 da Revista da Academia Mineira de Letras (AML), de 2019

“A importância da obra romanesca de Benito Barreto cresce de livro para livro. Quando ele chega ao quarto romance da saga iniciada com‘Plataforma vazia’já nos encontramos diante de um de poderosa força, onde a realidade da vida nacional se afirma dramática e cujo herói é o povo.”

Jorge Amado

“As versões do ado são, pois, temporárias em sua validade, mesmo que sejam todas realizadas mediante laborioso trabalho do arquivo. O que muda não é o acontecimento em si, mas sua forma de interpretá-lo, fazendo da história um contínuo retecer de tramas e respostas.”

Sandra Jatahy avento

“Simbolicamente,‘Capela dos homens’é o caldeirão fervente em que se misturam o arcaico e o moderno, a costa e o sertão, deles nascendo um país em caminho para o futuro. Politicamente em crise, culturalmente caótico e socialmente injusto, mas já unificado, homogêneo, e pelo menos potencialmente, autônomo. Neste sentido, a obra monumental de Benito Barreto resume e encerra o ciclo da nova narrativa épica no Brasil e o faz, eticamente e politicamente, com uma mensagem de esperança num possível amanhã de justiça e dignidade para os pobres e humilhados.”

José Hildebrando Dacanal,
professor e ensaísta, citado por Maria Lúcia Barbosa em seu artigo

Tópicos relacionados:

cultura literatura pensar

e sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os os para a recuperação de senha:

Faça a sua

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay