Leia poemas do novo livro de Adriana Lisboa
Lançamento da editora mineira Relicário, 'Antes de dar nomes ao mundo' é o título da obra mais recente da autora e tradutora
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“gravitãs”
para Maria Esther Maciel
terá ela encontrado
na órbita da Terra
algum lampejo disto
que sonegamos
no cacoete do senso comum?
terá ela em algum
átomo do seu pequeno corpo
sentido a gravidade
da vida
sem gravidade?
terá ela confiado
nos homens que gentis
escoltavam-na até o foguete
e lhe diziam venha Laika
e sabiam que a viagem ao cosmo
(uma refeição
oxigênio bastante para sete dias)
era sem volta?
terá ela imaginado
sua efígie vira-lata
em selos e monumentos
e terá entendido no fim
no superaquecimento da cápsula
após orbitar por 103 minutos o planeta azul
que o humano é que era
a derradeira fronteira de si?
**
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“a vida dos animais”
os animais ainda vão
incomodar por muito tempo
estão demasiado perto
outros nós mesmos que não
entendemos
– por isso nosso catálogo
surrealista:
este comemos
este é um pet
e este aqui defendemos com eatas nas ruas
os animais são o xeque
-mate final
o olhar engastado no nosso
e a demanda:
nem amor
nem compadrio
bastaria a vida
devolvida
para além das eatas nas ruas
**
“amor”
o rapaz na esquina
aborda o velho
oferece seus serviços
e algo se a quando
a mão toca-lhe o braço
o arco
narrativo de uma vida inteira
nessa idade sem surpresas
nesta cidade poluída de cansaço
é uma centelha que respinga:
velho
mas não a ponto
de ter esquecido
o amor
**
“o morto da praça central”
para Mauricio Vieira
ergue-se na praça central
da cidade estrangeira
um monumento ao morto
que fez outros mortos
não monumentalizados aqui
vem um cheiro bravo de mar
incitado pelo vento
também ele um guerreiro às vezes
(ele o mar
ele o vento)
e o espírito das rosas
está à venda nas esquinas
quando
desistidos de bordéis e museus
os turistas partirem
as sombras dos séculos
hão de retomar seu trabalho
reiterado e lento
conciliando ruína
e trançando com paciência infinita
as trepadeiras
nas ancas do morto da praça central
**
“cora coralina”
o caco do prato quebrado
azul-pombinho
pendurado no pescoço
é para que ela não esqueça
e que em casa não caiam
na tentação do perdão:
moleirona buliçosa inzoneira
menina desde sempre culpada
o canto do beco
do limo da beira da vida
a avenca os doces o milho
e a terra – que importa
o caco do prato quebrado
pendurado no pescoço?
um verso é uma louça inteira
azul-pombinho
e todas as cores mais
tudo pertence a Ana
beco rio quintal
praça mundo grão
Sobre o livro e a autora
“Antes de dar nomes ao mundo”, lançamento da editora mineira Relicário, é o mais recente livro de Adriana Lisboa. Nascida no Rio de Janeiro em 1970, Adriana é ficcionista, poeta, ensaísta e tradutora, com livros traduzidos em mais de 20 países.
Publicou, entre outros títulos, os poemas de “Parte da paisagem”, “Pequena música” (menção honrosa no Prêmio Casa de las Américas), “Deriva” e “O vivo”, além de oito romances, entre eles “Sinfonia em branco” (Prêmio José Saramago), “Azul-corvo” e “Os grandes carnívoros”.
“Antes de dar nomes ao mundo”
• De Adriana Lisboa
• Relicário Edições
• 112 páginas
• R$ 55,90