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Cães e gatos são os personagens principais de contos de grandes escritores

Neto de Graciliano Ramos, o autor do livro com a cachorrinha Baleia, Rogério Ramos reuniu muitas histórias escritas por gente famosa. Leia trecho do conto dele

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Três gerações de Ramos literários, que começam com “Caetés” – o primeiro romance publicado por Graciliano Ramos (1892-1953), em 1933 – a pela obra premiada do filho, Ricardo Ramos (1929-1992), e chega aos netos, os irmãos Rogério Ramos (1955-2024) – autor de contos e organizador de coletâneas de histórias sobre cães e gatos que terá lançamento póstumo no próximo dia 30 de abril – e Ricardo Ramos Filho, de 71 anos, que acaba de lançar o seu primeiro romance, “Toda poeira da calçada”. Esta edição do Pensar traz resenhas sobre quase um século de narrativas da linhagem iniciada no interior de Alagoas.


Em “Graciliano: retrato fragmentado – uma biografia”, Ricardo Ramos fala da intimidade do pai dentro de casa e das atividades literárias e políticas dele. A obra inclui o curioso concurso literário realizado em 1938, em que Graciliano votou contra “Sagarana”, o livro de estreia de Guimarães Rosa. E depois ele explica em artigo o motivo de sua decisão. A edição traz ainda resenha do romance de estreia de Ricardo Ramos Filho, filho de Ricardo, “Toda poeira da calçada”.

E publica a seguir trecho de um conto do livro “Histórias brasileiras de gatos”, escrito por Rogério Ramos, que reúne em duas coletâneas narrativas de autores consagrados, como Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Machado de Assis, Lygia Fagundes Telles, Rachel de Queiroz e dos quatro autores da família Ramos.


Trecho do conto 'Pamela', de Rogério Ramos


“Esticou-se toda, as garras, os dedos dos pequenos pés ovalados, as finas patas dianteiras para a frente, a coluna desenrolando o esguio tubo de seu corpo, estalando vértebras uma a uma, sem ruído, empinando a delicada bunda o máximo que suas maiores patas traseiras permitiam.


Concluiu o alongamento na seta estreita, longa e ereta de seu rabo, voltou o corpo continuando o movimento e, num leve impulso da pata de trás, ganhou o alto muro amarelo da casa ao lado. Um último raio de sol reverberou e fez brilhar suas manchas laranja mosqueadas de marrom e bege: a luz verde dos olhos achinesados riscou o ar que escurecia pesado e quente.

A gata arqueou o pescoço comprido, projetou a cabeça triangular para baixo, intumesceu a garganta e soltou um grito langoroso, profundo, aflito e contínuo., engatado numa série de roucos gemidos fantasmagóricos subsequentes. O estranho som era a senha que chamava todos os gatos da cidade.


Outros olhos apertados a observavam do jardim, seguidos por olhos bem abertos, que refletiam o refletivo espanto causado pela cena. Manubu debateu-se, quis subir na pedra lisa em frente, o galho sobre sua cabeça, em Clécio ao lado, gritou. Era sempre assim, um surto rápido quando Pamela/Virago se afastava.


Dangelo Pamela era o seu nome de pedigree, assim meio italiana, meio texana, o pelo rente tricolor. Na distante Houston, em tempo tão remoto quanto, um cliente da mãe de Maria de Lourdes deixou com ela dois gatinhos da raça oriental. Aquela que prazerosamente satisfazia seus muitos clientes também gostava de bichos, de exposições de gatos, e, claro, de muita gente esquisita. Maria de Lourdes detestava tudo que emanava da mãe, gatos principalmente. Carregou Pamela ainda filhote para o instituto e de pura maldade chamou a bichinha de Virago. O elo vivo com o ado.


A relação das duas variava, muito. Amor e ódio. Indiferença e intensidade. Noite e dia. Maria de Lourdes ligou as trompas de Pamela ainda novinha. Deixava a gata cruzar, mas não lhe deu filhos. Que nunca fizeram a menor falta a Pamela. Entrava no cio semana sim, semana não, a natureza não se deixava enganar por muito tempo. Ah, os gatos da noite na casa amarela, a algazarra sem fim! Era quando Virago e Marilou se entendiam. Evitavam-se na escola.


Gatos amigos de ocasião, visitantes dessa terra alheia, montavam Virago em escadinha de três, quatro, cinco: o primeiro gato segurava Virago pelo cangote. Acertava seu dardo guarda-chuva no furo, um segundo gato por cima do primeiro dava a sua logo após, enquanto o terceiro esperava a sua vez. Quando Virago conseguia se livrar desse estupro amplamente consentido, os gatos que se cuidassem! Não havia nenhum na região sem olho vazado.


Indigitada dava lanchinhos a Pamela, que se esfregava nela todas as manhãs. Pâmela menina-moça, Pamela gata e Manubu pareciam pertencer à mesma ninhada. Pamela gata habitava um universo que excluía frades, freiras, monjas, freis, abades e abadessas. Os religiosos, com algumas honrosas exceções, também a ignoravam. Já a aluna Pâmela, interna do Instituto Soteropolitano Carmelita de Educação, e o aprendiz de jardinagem Manuel da Conceição Ubarte não tinham como evitá-los. (...).”

"HISTÓRIAS BRASILEIRAS DE CÃES"
"HISTÓRIAS BRASILEIRAS DE CÃES" reprodução

“HISTÓRIAS BRASILEIRAS DE CÃES”
• Organização: Rogério Ramos
• Fotos: Rosane Lima
• Editora Maralto
• 168 páginas
• R$ 59,90

"HISTÓRIAS BRASILEIRAS DE GATOS"
"HISTÓRIAS BRASILEIRAS DE GATOS" Reprodução


“HISTÓRIAS BRASILEIRAS DE GATOS”
• Organização: Rogério Ramos
• Fotos: Rosane Lima
• Editora Maralto
• 128 páginas
• R$ 59,90

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