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Akakor: livro narra busca por lendária cidade amazônica

O documentarista Jorge Bodanzky conta como se aventurou a procurar uma suposta cidade milenar escondida na floresta e inspirou o livro "O enigma de Akakor"

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Jorge Bodanzky

Especial para o EM

Eu conheci o jornalista alemão Karl Brugger em Munique, no final dos anos 60. Ele me procurou para desenvolver projetos para a tv alemã ZDF na América do Sul e acabamos trabalhando juntos por mais de 10 anos. Das várias viagens que fizemos, uma foi particularmente esquisita. Ele me contou que queria fazer uma viagem pelo Rio Negro. Nós tínhamos conhecido um sujeito em Manaus que dizia ser uma liderança indígena e que vivia em uma cidade milenar escondida no meio da floresta amazônica chamada Akakor.


Organizamos então uma expedição de barco com esse suposto indígena saindo de Manaus em direção a Barcelos, subindo o Rio Negro, para encontrar a tal cidade. Tatunca Nara, como chamava este sujeito, sempre foi muito estranho. Desde o início. Entre outras confusões, um pouco antes da partida em Manaus, sumiu um Nagra, um gravador caríssimo que eu usava na época para captar sons – e era muito claro que o tal Tatunca era o responsável. Mas a expedição partiu, em uma viagem repleta de situações adversas. Como o rio estava muito baixo, o barco encalhava com frequência. Até que próximo a Barcelos o barco encalhou definitivamente. Assim, Tatunca pediu uma canoa e uma máquina fotográfica para seguir sozinho e trazer a comprovação da existência de Akakor. Claro que nunca voltou, nem ele, nem a canoa e nem a minha câmera.


Meses depois, no Rio de Janeiro, estávamos na casa do Brugger em Copacabana, quando tocou o interfone. Era Tatunca Nara com um caminhão enorme pronto para me devolver a máquina fotográfica. Para Brugger, era a prova da idoneidade do tal indígena, que finalmente devolveu a câmera, alegando que o filme tinha sido queimado pelos deuses de sua civilização. Apesar da frustração de Brugger, Tatunca afirmava que a sua etnia estava pronta para finalmente nos receber – no entanto, nos pediu dinheiro para levar o caminhão de volta a Manaus, o que parecia uma loucura, porque até hoje é difícil o o de um caminhão à Floresta Amazônica. Soubemos, posteriormente, que Tatunca retornou a Manaus e trabalhou anos fazendo frete na região com o tal caminhão.


Tatunca era assim, sempre cheio de surpresas. Certa vez, ele chegou subitamente em minha casa em São Paulo e me pediu para ar a noite. Dormiu no quarto com a minha filha Laís, que era criancinha na época. No dia seguinte, o levei ao aeroporto – ele trazia um pacote pesadíssimo até que perguntei o que carregava em mãos. Sem embaraço, ele me respondeu que era pólvora e que precisaria levar o carregamento com ele no colo, sem despachar, uma vez que a pólvora seria utilizada em suas armas de caça. E assim foi, Tatunca embarcou com um saco de pólvora em uma época que, inclusive, era permitido fumar dentro das aeronaves. Tatunca e seus mistérios sempre cercado de histórias absurdas.


Depois desses eventos malucos, eu desisti. Avisei o Brugger que se ele quisesse continuar sua busca por Akakor teria que seguir sem mim. E não teve jeito. Brugger ficou tão obcecado com essa história, ele acreditava que iria revelar ao mundo uma espécie de Machu Picchu tropical, que seria possível encontrar uma cidade em plena Amazônia. Além do mais, por mais absurda que essa história seja, ele considerava o enigma de Akakor uma grande descoberta. No fundo, eu acho que ele acreditava que pudesse encontrar a tal cidade perdida. Foi com isso em mente, e inspirado nas histórias de Tatunca, que ele escreveu o livro “A Crônica de Akakor”, uma obra especulativa que fez sucesso naquele período.


Em 1984, Brugger resolveu pedir demissão da tevê alemã para se dedicar exclusivamente à busca por Akakor. Como é de praxe entre correspondentes estrangeiros, no seu último dia de trabalho, organizou uma festa de boas-vindas para o novo correspondente que assumiria o seu lugar. Eu tinha ido para o Rio na véspera e me programava para ir a tal festa, quando abri o jornal pela manhã e descobri que Brugger tinha sido assassinado em Ipanema. Assim terminava uma parte da história e começava outra que são as especulações em torno de seu livro “A Crônica de Akakor” e sua morte, que parece não terminar nunca.


Essa história me persegue até os dias de hoje. Há alguns anos, o documentarista Rapha Erichsen estava em minha casa e descobriu o livro do Brugger. Eu logo lhe disse que não gostaria de me envolver nessa história e o alertei: cuidado, se você mexer nesse ado, essa história não vai te largar nunca mais. É muito perigoso. Muita gente morreu pelo caminho. É um mistério sem fim e quem entra nessa trama não sai mais. Rapha foi muito audacioso e agora está lançando o livro “O enigma de Akakor” que remonta o quebra-cabeças em torno dessa fábula amazônica. Tomara que com esse livro ele se liberte dessa sina e não seja mais uma vítima da cidade perdida.

JORGE BODANZKY é cineasta, diretor de filmes como “Iracema, uma transa amazônica” e “As cores e amores de Lore”

INSPIRAÇÃO EM ORSON WELLES

“Este livro foi de muitas maneiras inspirado pelo ‘F for Fake’, documentário de Orson Welles, na minha opinião uma das melhores obras de não ficção já feitas. No filme, ele brinca muito sobre o que é real e o que é invenção. Ao escrevê-lo, eu quis também brincar com o conceito de pós-verdade, como ‘quem conta um conto, aumenta um ponto’ (...). Essa é uma história que não acaba nunca, porque sempre tem alguém remexendo e encontrando fatos novos. Minha versão traz uma ampla pesquisa com uma pitada de imaginação e sarcasmo. O grande barato do livro é ter pela primeira vez todas essas histórias reunidas e interconectadas.”

Rapha Erichsen, documentarista, autor do livro “O enigma de Akakor”

"O enigma de Akakor: farsas e segredos na floresta amazônica"
"O enigma de Akakor: farsas e segredos na floresta amazônica" Reprodução


“O enigma de Akakor: farsas e segredos na floresta amazônica”
• De Rapha Erichsen
• Faria e Silva Editora
• 150 páginas
• R$ 64,90

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