Leia trecho do novo livro de Frei Betto
"Quando fui pai do meu irmão" será lançado na próxima quinta-feira em BH com a participação do frade dominicano e escritor no projeto Sempre um Papo
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“Por que sou escritor”
Por que a literatura de ficção possui tanta força?
Como sublinhava meu amigo Bartô – Bartolomeu Campos de Queirós -, tudo que existe – esta publicação, o computador, a cadeira em que me sento, o cômodo no qual trabalho – foi fantasia na mente humana antes de se tornar realidade. Daí a força da literatura de ficção.
Também ela foi fantasia na mente do autor, e remete o leitor a uma realidade onírica que lhe possibilita encarar a vida com outros olhos. A fantasia impulsiona todos os nossos gestos, atitudes e opções.
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A ficção funciona como um espelho que faz o leitor transcender a situação em que se encontra. O texto desvela o contexto e impregna o leitor de pretextos, de motivações que o enlevam, aquele entusiasmo de que falavam os gregos antigos – estar possuído de deuses, de energias anímicas que nos devolvem ao melhor de nós mesmos.
Toda ficção, narrativa ou poética, é descobrimento, revelação. Somos múltiplos e, ao ler, uma de nossas identidades emerge por força do encantamento suscitado pela quintessência da obra ficcional: a estética.
A literatura ficcional não tem de ser esquerda ou de direita. Tem que ser bela. Fazer da ficção um palanque de causas é aprisioná-la numa camisa de força e transformá-la num espelho que não reflete o leitor, apenas o autor e seu proselitismo.
A ficção não tem de ser engajada. O escritor sim, tem o dever ético de se comprometer com a defesa dos direitos humanos neste mundo tão conflitivo e desigual.
O prólogo do ‘Evangelho de João’, um dos textos mais poéticos da Bíblia, só comparável ao ‘Cântico dos Cânticos’, diz que ‘o Verbo se fez carne’. Na arte literária, a carne – a criatividade do autor – se faz verbo. Instaura a palavra, que organiza o caos.
No ‘Gênesis, Javé cria o Universo pelo poder da palavra. Ele se faz palavra, manifestação que nos remete, como na obra ficcional, à transcendência (o autor sobrea o trivial ou lhe imprime novo caráter), à transparência (o texto reflete o que está contido nas entrelinhas), à profundência (a narrativa ou o poema nos convida a algo mais profundo do que percebemos na superfície da realidade).
Ler uma boa ficção é uma experiência extática – estar em si e fora de si. Somos alçados ao imaginário, induzidos à experiência da catarse, de modo a oxigenar a nossa psiquê. A estética nos imprime um novo modo de encarar as coisas. Como lembra Mario Benedetti, a literatura não muda o mundo, mas as pessoas mudam o mundo.
A estética literária nos envia ao não dito, à esfera do desejo, suscitando-nos sonhos, projetos, utopias – do encontro com o príncipe encantado (‘Cinderela’), ao reencontro amoroso com a opressiva figura do pai (‘A metamorfose’, de Kafka e ‘Lavoura arcaica’, de Raduan Nassar).
Como assinala Aristóteles, a poética completa o que falta à natureza e à vida. A arte não se satisfaz com o estado factual do ser. Convida-nos à diferença, à dessemelhança, ao tornar-se.
Suscitar em crianças e jovens o hábito da leitura é livrá-los da vida rasa, superficial, fútil, e educá-los no diálogo frequente com personagens, relatos e símbolos que haverão de dilatar neles a virtude da alteridade, de uma relação mais humana consigo mesmo, com o próximo, com a natureza, e, quiçá, com Deus.
SOBRE O AUTOR
Frade dominicano, educador popular, jornalista e escritor, Frei Betto já lançou 78 livros, entre eles o memorialista “Batismo de sangue” e os romances “Hotel Brasil” e “Minas do Ouro”. Recebeu o prêmio Juca Pato pela obra “Fidel e a religião”. O título de seu livro mais recente, “Quando fui pai do meu irmão”, vem do fato de Betto ter cuidado por anos de seu irmão caçula, afetado por distúrbios mentais, e desenvolvido com ele uma relação de afeto e respeito.
“Quando fui pai do meu irmão”
• De Frei Betto
• Edições 70/Alta Books
• 170 páginas
• R$ 58
• Lançamento em BH na próxima quinta-feira (29/5), no projeto literário “Sempre um papo”, às 19h30, na Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais (Praça da Liberdade), com sessão de autógrafos após conversa mediada pelo jornalista Afonso Borges. Entrada franca.