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Estado de Minas SAÚDE MENTAL

Você tem nojo de pessoas gordas? 5q2z2q

A gordofobia recreativa que norteia o filme 'A Baleia' e nos faz questionar: desprezo ou empatia?



A única maneira de fazer um filme sobre luto não elaborado é tentar ‘humanizar’ uma pessoa gorda a partir da humilhação e do escracho público">“Você tem empatia com quem sofre opressão?” 

Ou seja: estou falando disso há anos por aqui. Há pessoas falando sobre isso diariamente no Brasil e no mundo e a última coisa que a gente precisa é de gente dizendo que o filme é de utilidade pública, porque incentiva as pessoas a emagrecer. Sério?

Houve quem chorasse durante o filme. Há, claro, quem se identifique com a escrotidão que é cometida com o personagem. Mas isso me faz lembrar muito sobre o “12 anos de escravidão” e ainda sobre “O Conto da Aia”. São obras que colocam o sofrimento de pessoas oprimidas em primeiro plano. Em “12 anos de escravidão” temos inúmeras cenas de um corpo preto sendo açoitado. Sabemos que há um gozo nessa perversão de ver o outro sendo subjugado. É o que chamamos de racismo recreativo. A mesma coisa em “O Conto da Aia”, em que mulheres são submetidas a violências terríveis, como o estupro, na tela. Eu mesma, não dei conta de assistir, dado o mal estar. 

É ok, então, bestializar uma pessoa gorda, animalizando-a como uma baleia, em tela extensa, para que quem está assistindo pense na gordofobia que comete? Ou o filme é só mais um endosso para que digam: “mas eu só estou preocupado com a sua saúde”. Para mim, é um açoite ver o personagem sem conseguir andar, sem conseguir se mover, mas comendo enlouquecidamente até vomitar. 

Em momento algum, boa parte dos espectadores, conseguem entender que a saúde em jogo ali não é a física, mas a mental. 

Eu fiquei exausta de esbarrar em comentários como: “ser gordo tudo bem, mas o personagem sofre de obesidade mórbida”. E quer saber? Eu, segundo o IMC, os médicos, etc, tenho obesidade mórbida. E, pasmem. Eu faço tudo que uma pessoa magra faz – e não que eu deva dar essa carteirada, tampouco a da saúde, mas é importante lembrar que é possível ter o que chamam de obesidade mórbida e viver uma vida. 

E não, não estou ‘romantizando’ o fato do protagonista do filme não conseguir andar ou fazer atividades básicas em razão do peso. Mas, essa não é a questão central. Antes de pesar 270 kg, em algum momento, ele pesou 100 kg. E aí talvez esteja o pulo do gato. O que o levou a uma vida reclusa, compulsória e sem desejo de tratamento médico?

No meu caso, posso dizer hoje que sim, a saúde física está OK. Já a mental é desgraçada e eu faço acompanhamento psiquiátrico e psicanalítico há anos para dar conta do chorume que a gordofobia produz e provoca na subjetividade de uma pessoa gorda. 

Seria muito ‘mais fácil’ se eu emagrecesse? Talvez! Mas e se eu estou bem, por que deveria? 

E nesse embate, eu sigo aqui, concentrando todo meu ódio de uma sociedade extremamente gordofóbica na minha escrita e, tal qual era o desejo do personagem, segue para vocês: TOTALMENTE HONESTA. 

Falando em honestidade, há uma camada que fica muito escondida no filme, mas que trata da religião e da moral diante da sexualidade. O personagem Thomas (Ty Simpkins) é um missionário religioso que quer evangelizar Charlie a todo custo e, cheio de moral, questiona a orientação sexual do protagonista, mas também declara nojo do seu corpo. 

O moralismo evangélico julga, pune e condena o personagem pelas escolhas feitas, mas reafirma que, se ele aceitar a palavra de Deus, terá sua alma salva, já que está prestes a morrer. 

Há aqui uma questão não resolvida. Um ponto sensível que a a mensagem de que, caso escolha viver um grande amor fora das normas que são reguladas pela igreja e/ou pela sociedade, seu fim pode ser como o de Charlie – com um corpo gordo e doente – ou como o de Alan, seu companheiro – um corpo magro e sem vida. 

Ainda no que diz respeito à moral, o filme se encaminha para um final que dá pena em quem assiste. E, longe de mim querer que sintam pena de mim. Eu quero que entendam como a vida da pessoa gorda é difícil, não porque ela é gorda e/ou não teria saúde, mas porque o ódio gratuito e o nojo que sentem impossibilita qualquer imaginário de futuro saudável – e não estou falando de corpo. 

O filme faz o espectador sentir um dos que considero os piores sentimentos – dó. E não há redenção. Não há, sequer, um aprofundamento nas questões que provocam e causam depressão em alguém de luto – e estão além da quantidade de pizza diária que essa pessoa come. 

Em tese, o que leva o personagem ao fracasso não é o corpo gordo, mas um luto que ele sofreu, cujo companheiro morreu com anorexia em razão de uma moral religiosa e a sexualidade

Quem se atenta para isso? 

Ao final, o personagem Charlie, que é um personagem bom,  diz que “as pessoas são incríveis”. Eu queria acreditar muito nisso. Mas sou movida a ódio. Sei que elas são só crueis e gordofóbicas.  

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