
No entanto, quando entrevistada no ano de 2015, por ocasião do lançamento do musical Barbaridade, no qual encenava uma personagem que vivia em busca da juventude eterna, a mesma atriz afirmou que o maior xingamento que poderiam lhe dirigir era lhe chamar de velha, chegando a afirmar que era como ser chamada de vagabunda ou ladra.
Estas duas formas tão dispares de se deparar com a realidade pode ser resultado do amadurecimento. Quem sabe seja uma comprovação de que o ar dos anos nos traz um melhor discernimento do que realmente pode nos afetar e do que conseguimos deixar para trás. As ofensas, na maioria da vezes, somente nos dói quando nós nos sentimos machucados com elas. A medida que envelhecemos, parece que o que antes tinha tanto peso, hoje já não alui em nada os nossos sentimentos. É uma libertação.
Porém, ainda que as pessoas levem bem uma ofensa, o que anteriormente foi relatado nos impõe a necessidade de nos questionarmos em qual tipo de sociedade estamos vivendo: quando foi que dirigir ofensas a alguém em razão da idade se tornou algo corriqueiro e aceitável? Em qual conceito de liberdade de expressão estamos nos filiando quando itimos que não precisa haver responsabilização dos agentes que usam a internet para ofender, propagar mentiras e disseminar o ódio?
No mundo no qual nascemos, ainda sem computador ou internet, seria impensável que alguém dirigisse a um desconhecido tais espécies de ofensas. Que a atriz não se sinta velha é um direito dela, mas ainda que ela se sentisse uma senhora de oitenta anos e fosse portadora de patologias inerentes da idade, não acredito que alguém teria o direito e a desfaçatez de lhe ofender em razão de sua idade biológica, afinal, envelhecer, ao contrário de ser algo a se envergonhar, é uma grande conquista que merece ser comemorada, irada, enaltecida e não ser encarada como algo demeritório.
A Constituição brasileira de 1988 afirma que a manifestação de pensamento é um direito fundamental, todavia, é vedado o anonimato e isto ocorre exatamente porque há outro direito fundamental no qual é assegurado direito de resposta e indenização por dano material, moral ou à imagem daquele que for ofendido por terceiros “manifestando” seu pensamento. Expressar posicionamentos é direito fundamental, mas exige o cumprimento de regras e tem limites. Pode ser feito, desde que o autor da manifestação assuma e se identifique pelo que explanou com seu posicionamento perante determinado assunto.
Algumas pessoas se sentem livres e acreditam plenamente na impunidade quando estão atrás de uma tela de computador, seguras para publicar excrecências, diferentemente de como seria se estivessem cara a cara com aquela ou aquele que que deseja ofender. Não é comum ver pessoas ofendendo desconhecidos na rua em razão de alguma característica pessoal.
A disseminação de ofensas na internet é um problema que precisa ser enfrentado com urgência e sabedoria pelo Estado brasileiro. Não se trata de criar uma espécie de censura, não mesmo, pois já vimos que isto não funciona. Mas, quem sabe, seria o caso de impedir que perfis fossem criados sem que se identifique o verdadeiro usuário, exigindo-se e certificando-se de que aquele que emite um determinado posicionamento seja individualizado e responsabilizado em caso de cometimento de ilícito.
Não é objetivo deste pequeno fragmento de reflexão tentar encontrar a melhor solução para extirpar desse novo mundo virtual que a internet criou aqueles que acreditam que podem disseminar notícias falsas, ofender pessoas e saírem impunes da barbárie que perpetram. Nosso objetivo é chamar a reflexão, pois somos um país em franco envelhecimento, que precisa respeitar seus idosos, além de inúmeras outras minorias, focos principais destas manifestações de ódio e reiterados desrespeito às pessoas.
Pode ser que entre a entrevista de 2015 e a 2023 a atriz tenha amadurecido, mas nossa intuição é que ela apenas criou casca. Certamente, de tanto ser ofendida, precisou criar uma couraça para não deixar que as ofensas que recebia diuturnamente, a maltratasse o espírito, mas a verdade é que ninguém gostaria de ser perguntado a razão pela qual ainda não morreu. É cruel, é duro, é inumano e precisamos urgentemente responsabilizar quem acredita que em nome da liberdade de expressão pode dizer o que bem entender e ferir as pessoas.